sexta-feira, 8 de agosto de 2003

Um governo forte

O Brasil pode, finalmente, dormir em paz: foi aprovada a tão desejada reforma da previdência. Tão desejada pelos mercados, é bom deixar claro. Reforma da previdência que rompe um certo contrato feito pelo então candidato Luis Inácio Lula da Silva, o de que o atual governo seria o governo da mudança. Que mudança? Segundo Plínio de Arruda Sampaio Júnior, em fala proferida na assembléia dos estudantes da Unicamp, o petebista Roberto Jefferson disse que iria votar as reformas com a consciência tranqüila, pois conhecia-as como a palma da sua mão: a coluna vertebral da reforma é a mesma que ele fez para o governo Collor, introdutor do engodo neoliberal no Brasil. E se Jefferson confia assim na reforma do Lula, qualquer comparação com o Collor é desnecessária.
E, ao contrário do que a imprensa gosta de alardear, a aprovação da reforma não foi uma demonstração de força, mas de fraqueza, como bem alertou Leonel Brizola na Folha de São Paulo desta quinta, 08 de agosto: "O governo considera ter feito uma demonstração de força. Na verdade, porém, estampou diante de todos a sua fraqueza. Os grupos econômicos vão a exigir mais e mais concessões de um Governo que, sabem eles, cederá e tolerará tudo em nome da "estabilidade" de um modelo econômico inviável, que está arruinando nosso país."
Mas talvez eu tenha entendido errado as mudanças do candidato Lula, afinal, no dia dia já é possível sentir as mudanças: prefeituras paradas, desemprego crescente, crise no campo, crise na cidade. Ainda bem que a Unicamp está em greve, assim eu posso passar mais tempo contemplando todas as mudanças que este grande estadista nos tem trazido.

Campinas, 08 de agosto de 2003.

domingo, 3 de agosto de 2003

Viva o conforto!

Podem falar o que quiser, mas uma coisa é inegável: o capitalismo trabalha sempre para o nosso conforto. Conforto que nós, cidadãos bem adestrados, aplaudimos de pé.
Lembra quando era necessário levar o vasilhame para comprar refrigerante? Baita trabalho ter que carregar garrafas vazias até o mercado, só pra então poder comprar mais bebida? Veja só que baita avanço foi a introdução da garrafa plástica não retornável: agora nós vamos ao mercado de mãos vazias e voltamos com quantos litros quisermos de guaraná ou coca-cola (também conhecida como água negra do capitalismo, sangue de iraquiano e outros apelidos carinhosos e condizentes afins). Tentaram fazer garrafas plásticas retornáveis, mas foi um tremendo fracasso. Por que? Porque não eram práticas, cômodas. Com as garrafas não retornáveis, ao invés de amontoar garrafas num canto da casa para trocar na próxima vez que formos às compras, botamos tudo num saco de lixo e daí direto para o lixão. Muito mais prático, muito mais cômodo!
Agora há a promessa de algo parecido com os filmes. É um porre você ter que sair da comodidade do lar e se dirigir até a locadora só para devolver um filme, e caso se esqueça - coisa não muito difícil de ocorrer na correria do mundo moderno - ainda tem que pagar multa. Pensando na comodidade dos seus clientes a Walt Disney está testando um dvd que se auto-destrói 48 horas após aberto. O preço sairia o equivalente a uma locação. Quanto conforto! Poder alugar um filme sem precisar devolvê-lo no dia seguinte. Ao invés de caminhar quadras, caminha-se alguns passos, põe o dvd no lixo e está devolvido, sem risco de multas, sem incomodação.
Uma pena que nós, cidadãos bem adestrados, não percebemos o que há por trás de toda essas inovações em nome do conforto. Primeiro o desejo de lucro sempre maior, por parte das empresas. Segundo que, como alertou a psicanalista Anna Veronica Mautner, todos esses equipamentos que aumentam nosso conforto e diminuem nossa perda de tempo em tarefas que não gostamos não são suficientes para que tenhamos tempo para fazer o que gostamos. Terceiro que o L de lucro vem sempre acompanhado do L de lixo. Em nome de um corfortinho mísero que a publicidade vende (e nós compramos) como se fosse algo sem a qual nossa vida perderia muito em qualidade, aumentamos, estimulamos a degradação do ambiente e a produção de lixo.
Antigamente para fazer um chá tínhamos um pezinho plantado em casa, ou então íamos a feira, comprávamos um maço de erva, colocávamos numa chaleira e estava pronto o chá. Lixo: a erva com a qual fizemos o chá. Hoje compramos um pacote de chá que tem um plástico em volta da caixa de papelão e um saquinho de papel envolvendo cada saquinho com o chá. Lixo: além dos plásticos e papéis, toda a energia gasta para produzi-los.
Hoje comprei um pedaço de frango que, em nome de uma aparência bonita e de pseudo-higiene, veio numa badeja de isopor, envolto por duas camadas de microfilme. Um plástico já não seria mais que suficiente? Pra que todo esse lixo extra?
Ah, que maravilha nosso mundo moderno, que em nome do lucro, do conforto e da boa aparência sacrifica nosso próprio mundo!

Campinas, 03 de agosto de 2003.