domingo, 2 de novembro de 2003

Falta espelho

Falei ontem do provérbio chinês que dizia que devemos dar três voltas ao redor de nossa casa antes de sairmos para consertar o mundo. Queria falar do Lula, mas acabei saindo do caminho. Não tem problema, falo hoje. Não sei se o Lula conhecesse esse provérbio, creio que não. Se conhecesse talvez não falasse tanta besteira como é de seu costume. Poderíamos mudar o provérbio, no caso de Lula, para "Lula, dê três voltas ao redor de sua casa antes de falar qualquer coisa."
O bate boca entre Lula e FHC é um espetáculo deplorável, que só mostra o tamanho do ego de cada um, e o quanto falta um mínimo de auto-crítica para os dois.
FHC, que afundou o país no seu populismo cambial, na sua privataria (como diz Elio Gaspari), tinha mais é que ficar calado no seu canto, ainda mais se fosse para criticar o atual governo, que não faz absolutamente nada diferente do que ele fez.
Agora foi a vez de Lula chamar seu antecessores de covardes. Pode até ser que ele tenha razão, não entremos nessa questão, mas o fato é que Lula e sua tropa de choque não têm envergadura moral alguma para falar isso. Afinal, quem tem mostrado covardia além da conta é ele e seu governo. Covardia perante os mercados, perante o FMI, aumentando de livre e espontânea vontade o sofrimento do povo brasileiro para satisfazê-los, ignorando o povo que votou por mudança, por empregos.
Covardia perante a Monsanto e os ruralistas, contemplando um ato ilegal (o plantio de soja transgênica na safra passada), e afrontando novamente a constituição para esta safra.
Covardia perante o lobby das cervejarias, das empresas de publicidade e das emissoras de tv, permitindo que o dinheiro falasse mais alto que a saúde pública, ao não desautorizar a propaganda de uma droga.
Mas o governo Lula não é só covardia, ele também é, segundo ele próprio, coragem, mas poderíamos dizer que é prevalecido.
Com os aposentados, de quem o governo não teve medo, e cortou as aposentadorias.
Com os sem-terra, para quem a reforma agrária está praticamente parada. Com a população carente, com a diminuição da já minguada verba para a saúde.
Enfim, enquanto com os poderosos Lula mostrou-se serviente, com todos aqueles que não têm força suficiente para peitar o governo, Lula mostrou coragem, coragem que FHC também demonstrou. Mas covarde não deixa de ser uma bela definição dos presidentes do Brasil, Lula inclusive.

Campinas, 02 de novembro de 2003

sábado, 1 de novembro de 2003

Ajamos!

Há um provérbio chinês que diz que antes de sairmos para consertar o mundo devemos dar três voltas em torno da nossa casa. Não concordo inteiramente com esse dizer, acho que dá possibilidade a uma interpretação um tanto quanto comodista, algo como que só se deve agir depois de resolvidos os problemas mais próximos. Acho que devemos nos preocupar com os grandes problemas, todavia sem deixar de estarmos sempre atentos para nossos próprios erros. Se só agíssemos quando já estivéssemos perfeitos, quando todos nossos defeitos tivessem sido corrigidos, nunca agiríamos; afinal, não somos deuses para alcançar a perfeição. Inclusive é agindo para consertar o mundo que perceberemos muitos de nossos defeitos, desde, é claro, estejamos abertos a nos permitir uma constante auto-avaliação. Conversando com um amigo meu esta semana, ele criticava um terceiro amigo que estava usando uma camiseta do Greenpeace. Dizia ele que era hipocrisia usar uma camiseta dessas, bradando contra a caça às baleias e à destruição das florestas tropicais, quando os mananciais de Barão Geraldo (distrito de Campinas onde nós três moramos) estavam ameaçados pelo novo zoneamento do distrito. Concordo em parte com ele, acho realmente que deveríamos equilibrar nossa ação entre temas mais globais, locais e pessoais (será que esses meus dois amigos reciclam o lixo que usam?). Me parece hipocrisia, sim, agir em temas globais ou locais sem fazer do dia-a-dia uma permanente ação de defesa da ecologia (para ficar no caso citado). Mas enfim, agir em qualquer uma dessas esferas já é um grande passo, visto como são as pessoas
de hoje. Só para citar um exemplo, quinze dias atrás eu e minha namorada discutimos com uma guria na fila do bandejão, após esta expressar seu desejo de soltar um bomba no IFCH (Instituto de Filosofia e Ciências Humanas), apontado por ela como responsável pela greve contra a reforma da previdência, ocorrida em agosto, que fez com que ela perdesse parte das suas férias. Fosse ela uma exceção, tudo bem, mas não é.
E eu aqui discutindo se devemos agir local, global ou pessoalmente, quando a maioria das pessoas têm a visão de futuro equivalente à de um avestruz (a moça com que discutimos é incapaz de perceber que se o conceito da Unicamp cair, o diploma dela, conseqüentemente, irremediavelmente, passará a valer menos por conter o logo da universidade) - quem dirá que uma pessoa dessas vai ter visão de comunidade. Não deixa de ser um pouco desanimador. Mas é preciso agir. Na esfera pessoal, primeiro, expandindo para a esfera local e global depois.
E você, já separou o lixo, boicotou a Coca-Cola e cumprimentou com um sorriso a atendente do mercado hoje?

Campinas, 01 de novembro de 2003