sábado, 24 de abril de 2004

Sobre a política

Desde que voltei das férias, no início de março, uma sensação de descrédito e cepticismo muito grande quanto à política se abateu sobre mim. No início esse cepticismo foi total: desacreditei qualquer tipo de política, da institucional àquela quotidiana, como reciclar lixo ou boicotar o produto x ou y. Nesse clima parei também com o pequeno ato político de escrever (a única crônica que escrevi foi no dia 3 de março sobre terrorismo na Espanha, mas não a enviei). À minha descrença no capitalismo (do qual nunca fui adepto e nunca acreditei na sua viabilidade), e do comunismo (o qual me deixa dúvidas se é viável ou não), somou-se a descrença na social-democracia européia, e pra completar no partido da esperança (frustrada) brasileira, o PT. Teve gente que perguntou porque não aderi logo à pregação do ‘nada vale a pena’, mas achei que isso também não valia a pena. Enfim, fui tomado de um cepticismo hiperbólico quanto à humanidade e o mundo. Mania de filósofo.
Como permanecer em tal estado por muito tempo é impossível, saí à procura de subsídios para decidir o que fazer (ou se mata ou se mexe). Disso dois momentos me ajudaram muito a superar parte desse cepticismo. O primeiro foi uma conversa com um amigo marxista. Se (por enquanto) não acredito no prognóstico marxista de uma sociedade sem classes e sem estado, não há como refutar a profundidade e veracidade de muitas das análises por ele empreendida. Conversávamos eu e esse amigo sobre este que parece ser o período mais sombrio da história brasileira até o momento, o governo Lula. Dizia ele que o PT não tinha um projeto de governo, e ignorava Marx por completo, se limitando em atuar (mal e porcamente diria eu) na superestrutura, sem fazer qualquer alteração na base material da sociedade. Completou dizendo que não há esquerda marxista no Brasil, já que nenhum partido tem um projeto de governo que ao menos questione a base material. O “radical” PSTU, com sua bandeira contra a ALCA e o FMI (dois fenômenos superestruturais), contribui para esse vazio; e o novo partido de Heloísa Helena e cia. não parece trilhar caminho diferente. Daí decorre que a chance desses partidos quando assumirem o poder fazerem o mesmo é muito grande. Para meu estado de espírito essa análise serviu como um alento, uma pequena esperança num futuro longínquo: se surgir um dia realmente um partido marxista, quem sabe ele não realize a mudança social necessária.
O segundo momento foi a leitura de Microfísica do Poder, do filósofo francês Michel Foucault. Diz ele, num texto de 1972, que a forma de se lutar contra um poder totalitário (no sentido de possuir uma visão da sociedade em todos os seus aspectos, uma visão da sociedade como uma totalidade bem delimitada), tal qual o instituído pela “elite” (uso aspas porque este termo não é muito fiel ao pensamento do filósofo), não é um contra-poder totalitário que possua uma outra visão totalitária da sociedade, mas as lutas travadas em nível local, regional ou pontual: uma associação de moradores, um grupo feminista ou ecologista, sem hierarquização ou líderes centrais (alguém sabe de algum “núcleo do duro” do Greenpeace ou algum grupo similar?), que não fala pelos seus membros, mas dá voz para que eles falem. Qual o alcance de atuações desse tipo na mudança da sociedade, não sei, mas elas me parecem evitar que se repita a fracassada experiência soviética de uma sociedade mais igualitária, já que a questão do poder muda de foco: questiona-se o seu porquê, e não com quem ele está.
Passou, enfim, meu período de cepticismo político extremo, mas ainda sigo com as barbas de molho, principalmente no que diz respeito à política institucional (tenho sérias dúvidas se ela é possível de trazer mudanças reais, me parecendo mais uma força de reação do que de revolução). Mas vislumbro mudanças significativas e profundas provocadas por movimentos diversos advindos da base da sociedade, seja de pessoas, seja de grupos, cada um questionando um “nicho” específico: o movimento de software livre, o de rádios livres, o trabalho de pessoas como o do escritor Ferréz ou do cineasta Paulo Sacramento. Essa política de formiguinhas, enfim.

Continua...

Campinas, 24 de abril de 2004

quarta-feira, 3 de março de 2004

E agora, Espanha?

A interceptação de dois carros perto de Madri, com 536 quilos de explosivos com os quais o ETA pretendia realizar um ataque terrorista na capital espanhola polemizou ainda mais a disputa eleitoral no país em torno da questão do terrorismo.
Começou com a visita do "vice-administrador" da Catalunya, ligado à coalizão de centro-esquerda encabeçada pelo PSOE, ao líder do ETA, na França. Por causa disso o candidato do governo acusou o PSOE de ser conivente com o terrorismo. Dias depois o ETA vai à tv anunciar trégüa à Catalunya. O PSOE reage com um ato contra o terrorismo que reúne milhares de pessoas em Barcelona (capital catalã). O último ato foi esse dos explosivos.
Toda essa polêmica porque o terrorismo é considerado a encarnação do diabo e com o qual não há negociação enquanto os grupos terroristas não deporem as armas. PSOE e PP (partido do atual primeiro ministro espanhol, Aznar) assinaram um documento há alguns anos se comprometendo com isso.
Aqui surge o nó da questão. Deve-se condenar o terrorismo, pois trata-se de atos covardes, muitas vezes contra a população civil. Mas será que só o ETA, IRA, Al Qaeda, com seus carros-bomba, homens-bomba, burros-bomba são terroristas covardes? E os mísseis Tomahawk contra fábricas de leite? E os marines abrindo fogo contra civis? Por que isso não é terrorismo? Convenhamos, os assim taxados terroristas ao menos têm um fim mais nobre.
E o caso do ETA, mais especificamente, que possui um território bem delimitado de ação: a Espanha. Suponhamos que o ETA decida depor as armas e se institucionalizar, ou seja, virar um partido político. Mas para isso exige que haja anistia para seus líderes (creio que isto seria o mínimo que o ETA pediria). Se o governo espanhol aceita a anistia é porque o terrorismo não é tão condenável assim, e poderia ter havido negociação entre governo e terroristas desde o início.
Se não aceita, se o terrorismo é mesmo o mais torpe dos atos, é também uma questão de uma única solução: a eliminação física do inimigo, que é numeroso, ocasionaria mais mortes que os esporádicos ataques do ETA, e seria, portanto, mais condenável que o terrorismo.
A forma com que se tem tratado o terorismo é, portanto, totalmente equivocada quando se tem por objetivo a supressão deste. Trata-se de uma forma de agir que parte dos efeitos enão das causas do terrorismo. Para a solução deste problema há dois caminhos: combatê-lo ou solucioná-lo.

Campinas, 03 de março de 2004