segunda-feira, 17 de maio de 2004

Tempestade em pingo d’água

Lula está mais preocupado com a sua imagem do que em governar. É essa a conclusão que se pode tirar do caso Rohter. Uma reportagem ridícula, que a pouca notoriedade ganha antes da ajuda do governo era a de ser precária (a reportagem não havia sequer sido mencionada no Jornal Nacional), e cuja retratação do jornal, o New York Times, deveria ser tratada por um assessor do embaixador brasileiro nos EUA, se torna prioridade número um de todas as instâncias do governo brasileiro.
O problema do governo Lula é que ele é tão letárgico, que nem notícia consegue produzir. Planos mirabolantes para combate à violência, à fome ou à seca são um recurso esgotado pelo governo anterior, não ganham mais que uma nota em canto de página dos jornais. Sobra que as únicas notícias que o governo produz dizem respeito aos juros altos e corte de “gastos” (sociais, é claro, porque cristais para a presidência não são gastos são investimentos), quase não há espaço para suspeita de desvio de dinheiro, ou de favorecimento de grupo x ou y, simplesmente porque praticamente não há dinheiro circulando no Palácio do Planalto. É um governo de palavras, discursos e retórica vazia, e isso não enche jornais. E como não há obras para inaugurar (no máximo inaugura-se feiras agropecuárias e ambulâncias velhas) é preciso lançar mão de qualquer coisa para aparecer e tentar melhorar a sua imagem. Nisso um dia Lula acordou “arretado” e mandou cortar o visto do proclamado jornalista estadunidense: “isto é para mostrar que o Brasil não é uma republiqueta”; claro que não, nem numa republiqueta o presidente da república se daria ao trabalho de gastar saliva com um repórter idiota e uma reportagem não menos idiota (apesar que, se Lula gasta saliva com o Ratinho, por que não gastá-la com Larry Rohter?).
Além dessa habilidade petista de criar tempestade em pingo d’água e ganhar a fama de autoritário, foi curioso também notar o comportamento da imprensa e dos jornalistas brasileiros. Salvo raríssimas exceções o que imperou foi o corporativismo, através de acusação de cerceamento da liberdade de imprensa e volta da censura. Bem que o governo gostaria de restringir reportagens negativas, mas até parece que os jornalistas que costumam produzir tais reportagens vão se intimidar (e não deveriam mesmo) com essa atitude de repreender um repórter leviano por uma reportagem descabida.

Campinas, 17 de maio de 2004

quarta-feira, 5 de maio de 2004

Lulla lá

A cada palavra Lula se mostra cada vez mais patético. Patético porque não reconhece o próprio tamanho. Nem ele nem a sua corte de bajuladores. Do grande estadista que um empresário disse que Lula era mostrou-se um péssimo administrador, sem nenhuma vocação para cargo executivo.
Há aqueles que o chamam de traidor. Mas isso não é consenso nem inteiramente correto. Para aqueles que votaram nele na esperança de mudança, sem dúvida Lula é um traidor. Mas duvido que o próprio e sua corte se vejam assim; afinal, ninguém muda o discurso de maneira tão abrupta se já não pensava isso antes. O governo Lula só pode estar de acordo com o que ele pensava já há algum tempo, se ele não havia explicitado essas suas “novas” posições, é porque não dariam voto.
Lula não segue apenas a linha do seu antecessor direto, FHC; segue também a linha de Collor. É certo que FHC não diferia muito de Collor, mas Lula mostra-se menos sutil ao seguir os passos deste. Me refiro agora mais ao plano do discurso, menos do da ação política e econômica. Lembro de quando eu estava na quinta ou sexta série do ensino fundamental. O Collor já tinha sido deposto, mas ainda assim havia uma professora que defendia o seu governo e lamentava a sua queda: Collor passava uma imagem positiva de Brasil no exterior, coisa que o Itamar deixava a desejar. Lula segue essa linha, vender uma imagem positiva do país. Se encontra com líderes internacionais, questiona um que outro penduricalho das relações mundiais, consegue algumas vezes modificações simbólicas e inexpressivas, e não mexe no pontos capitais da política e da economia externa, por exemplo: a dívida externa dos países subdesenvolvidos, o direito de autodeterminação dos povos, a volatilidade do capital especulativo, o estado paralelo formado por corporações transnacionais em países pobres (o caso do subsídio ao algodão estadunidense foi a primeira medida concreta nesse sentido que o governo alcançou).
Mas é no discurso que Lula segue entusiasticamente Collor. O pensador marxista franco-helênico Nicos Poulantzas identifica na política capitalista algumas cisões dentro das classes burguesas e operárias. Na primeira, que detêm o poder, temos a classe hegemônica (que é a fração da burguesia que realmente controla o Estado) e a que se encontra fora do poder. Na classe operária temos os operários sindicalizados e a massa desorganizada. No Brasil atual, a classe hegemônica é a burguesia financeira. Na luta contra essa forma de conduzir a economia, a burguesia alijada do poder e os proletários organizados se unem nas suas reivindicações (CUT e Fiesp defendendo redução dos juros, por exemplo). Para contrapor essa força e se manter no poder, a classe hegemônica, através do seu representante máximo, se utiliza dos proletários desorganizados (denominados por Poulantzas como ‘classe apoio’) para jogá-los contra os organizados. É o descamisado contra o marajá do Collor, o cortador de cana contra o professor universitário do Lula. Trata-se de uma tática utilizada a partir da queda do muro de Berlim. Antes levantava-se a situação marginal dessa grande massa e prometia a ela os benefícios assegurados pela constituição: promessa de carteira assinada, aposentadoria, férias remuneradas, etc. Collor, FHC e Lula ao contrário, levantam a situação marginal da massa e acusam os trabalhadores que possuem direitos de privilegiados. Jogam a classe apoio contra o proletário organizado. E esse discurso tem por objetivo acabar com os benefícios adquiridos pela classe trabalhado e não a inclusão dos excluídos neles. A última pérola de Lula nesse sentido foi dizer que quem paga imposto no Brasil é privilegiado. Ora, privilégio, segundo o dicionário, é a “vantagem que se concede a alguém com exclusão de outrem e contra o direito comum”, e não há na constituição qualquer artigo que diga que somente x% dos brasileiros podem receber um salário suficiente para pagar imposto, para dizer que se trata de um privilégio, responsável pela exclusão do resto da população. Agora os novos privilegiados são os aposentados que ganham um salário mínimo sem trabalhar. O governo já estuda projeto que o reajuste do mínimo seja somente para os salários e não para as aposentadorias.
Diante disso alguma surpresa com o aumento ridículo do salário mínimo? No máximo a surpresa é de que o governo Lula tem conseguido a proeza de reajustar o mínimo abaixo dos índices pífios de FHC (4,7% contra 1,2% do atual). Esse descaso com o populacho (o mesmo que Lula usa para atacar os ‘privilegiados’) é ainda mais revoltante quando se sabe que o governo economizou, só no mês de março, 10,3 bilhões de reais, o suficiente para cobrir por doze meses um aumento de R$ 40,00 no salário mínimo (de R$ 240,00 para R$ 280,00) e ainda sobraria 5,2 bilhões para serem gastos em obras que o país tanto necessita.
Na Argentina, onde o governo não é muito melhor que o nosso, Kirchner deveria ter economizado 1,1 bilhão de pesos mas economizou 3,9, mas pelo menos parte desse dinheiro será gasto no aumento de salários e aposentadorias.
Diante disso, vamos correr pra onde?

Campinas, 05 de maio de 2004