segunda-feira, 31 de maio de 2004

O parlamentarismo extra-oficial brasileiro

Tenho muito pouco conhecimento para dizer o que acho do presidencialismo e do parlamentarismo. Não gosto muito da monarquia, seja ela absolutista ou parlamentarista. No mais, o que sei sobre presidencialismo e parlamentarismo é que no segundo, quando há uma crise no governo, o país não pára, a exemplo do primeiro, porque as funções foram divididas: se o problema é com o primeiro-ministro, ainda sobra o presidente para segurar as pontas e vice-versa.
A constituição brasileira de 88, pelo que dizem, é uma constituição parlamentarista, mas esqueceram de mudar o sistema de governo e adaptar a ela, e o resultado é um certo anacronismo, que as diversas emendas constitucionais tentam consertar. Em meados da década de 90 houve um plebiscito para decidir a forma de governo, e ganhou o presidencialismo, mas isso não intimidou os adeptos do parlamentarismo, como FHC e Marco Maciel, que durante o reinado fernandido trabalharam duro na tentativa de mudar o sistema. Não conseguiram, pelo menos oficialmente.
Extra-oficialmente, entretanto, a impressão que dá é que o Brasil possui na prática um primeiro-ministro, que atende pelo nome de Antônio Palocci, e ocupa oficialmente o posto de ministro da economia. Lula, aparentemente, tem feito um mero papel figurativo no governo: inaugurações, discursos, viagens internacionais; enquanto Dirceu e Palocci são os que realmente mandam e fazem o governo funcionar (sic). Mas a posição de Palocci parece ser de destaque maior do que a de Dirceu, e que a do presidente. Basta acompanhar os desmentidos que Palocci tem feito a Lula. Lula anuncia a correção da tabela do Imposto de Renda, e logo em seguida Palocci anuncia que não haverá correção da tabela. A novela do reajuste (sic) do salário mínimo foi outro episódio em que quem bateu o martelo foi Palocci.
Como disse acima, não defendo nem o parlamentarismo nem o presidencialismo, mas acho que é importante mudar a constituição antes de mudar o sistema político. Se é para o Brasil ter primeiro-ministro, que crie o cargo de primeiro-ministro, com todas as firulas inúteis que o cargo exige, como acontece na Índia. A Índia por sinal, é um ótimo exemplo de como funciona o parlamentarismo: a população elege um partido para a câmara, na esperança de que assuma quem o partido disse que assumiria, os mercados dizem depois se aprovam ou o nome indicado pelo partido (no caso indiano a candidata não foi aprovada), e a câmara depois ratifica a escolha dos mercados.
Agora, monarquia não! Eu não agüentaria passar o resto da minha vida sendo obrigado a ver o Lula fazer discursos demagógicos e inaugurações de carros velhos. Que pelo menos cada quatro (ou oito) anos apareça uma cara nova pra fazer a gente de palhaço, enquanto quem realmente manda no governo realiza seus “meeting” com a finança internacional.

Campinas, 31 de maio de 2004

segunda-feira, 24 de maio de 2004

A volta da política?

Já dizia o velho ditado, há males que vêm para o bem. Assim também é o caso da invasão do Iraque pelo “cute” Bush. Claro que os males não compensam nem de perto os benefícios, mas vale ressaltá-los.
Era percebido antes de Bush assumir um movimento nos países industrializados de questionamento da globalização, principalmente. Com a invasão do Iraque tivemos grandes manifestações de massa em vários países europeus, numa clara demonstração de que os governantes agiam contra o povo que deveriam representar, culminada com os ataques de 11 de março, as marchas contra o terrorismo, e a derrota do partido situacionista na Espanha.
As imagens das torturas nas prisões iraquianas feitas pelos soldados estadunidenses, apesar de não resultar em grandes manifestações como com a invasão, chocaram grande parte dos países do globo. Um dos países menos afetados pelas imagens foram os próprios EUA. Compreensível. O filósofo Peter Singer já alertava que o fato de não se dar um valor igual à todas as vidas (a vida humana vale mais que a dos demais animais), o que autoriza os humanos a realizar experiências desnecessárias com animais, estava a um passo de descambar para o nazismo ou uma ação semelhante. Eu acrescentaria que o valor da vida não está dividida somente entre vida humana e vida não-humana, mas, numa gradação, vai da vida humana de primeiro mundo, não-humana de primeiro mundo, humana de terceiro mundo e não-humana de terceiro mundo. Ou seja, a vida do prisioneiro iraquiano torturado até a morte vale menos que a do cachorrinho do “cute” Bush (o qual não me lembro agora o nome), que possui uma página na internet atualizada diariamente.
Não obstante o fato da vida dos cidadãos de países pobres valerem menos, a indústria cultural estadunidense, desde o fim do comunismo, reforça dia sim, outro também, a imagem dos árabes de destruidores da civilização. Nada mais natural (e justo) que um cidadão que não vale muito e que é malvado por natureza seja torturado ou morto sem qualquer remorso (como atesta a foto sorridente da soldada estadunidense Sabrina Harman ao lado de um prisioneiro morto). Apesar que a tortura de árabes não deveria ser tão chocante assim, afinal a prática era permitida por lei até 1999 no Estado de Israel.
De todo essa merda, eis que parece surgir um mundo mais politizado, pelo menos nas metrópoles. Exemplo disso é a vitória no principal festival de cinema do mundo, o Cannes (festival de cinema entendido como arte e não como indústria, como no caso do Oscar) do filme de Michael Moore sobre o 11 de setembro e seus desdobramentos (com cenas, inclusive, de torturas nas prisões iraquianas), e o filme de Walter Salles sobre a viagem do Che Guevara pela América do Sul, apesar de não ter ganho, ter sido muito aplaudido e considerado um dos favoritos.
As pessoas têm percebido que é preciso mais que as ações conscientes para uma grande mudança no mundo (apesar que sem estas qualquer mudança é impossível), e que devem se interessar pela política institucional, que bem ou mal ainda influencia muito as condições de vida no mundo.
Pena que num país atrasado como o nosso (e não é baixa auto-estima como diz nosso presidente), ainda estejamos longe de qualquer sinal de mudança, seja em relação às ações conscientes, seja em relação à política institucional, mesmo por parte mais ilustrada da população.

Campinas, 24 de maio de 2004