domingo, 28 de novembro de 2004

O que esperar do Brito como diretor científico da Fapesp

Recentemente o atual reitor da Unicamp, o físico Carlos Henrique de Brito Cruz, foi escolhido pelo governador Geraldo Alckmin como diretor x da Fapesp. Não sei sobre os outros nomes da lista de postulantes ao cargo enviada ao governador, mas sem dúvida alguma a escolha do Brito é uma temeridade àqueles que defendem a universidade pública brasileira, em tudo o que a instituição universidade abrange, e no que pode haver de mais público no ensino superior brasileiro.

Escutando a conversa numa mesa ao lado, em uma cantina da Unicamp, um professor do instituto de economia explicava o porquê de se deixar o cargo de reitor de uma das principais universidades brasileiras pelo de diretor de uma agência de fomento à pesquisa. As razões principais enumeradas pelo professor são: o tempo de permanência no cargo de diretor científico da Fapesp não se restringe a quatro anos; e o ocupante de tal cargo é quem dá as diretrizes das bolsas oferecidas pela Fapesp, a principal agência de fomento à pesquisa do Brasil. É um cargo de menor visibilidade na imprensa, mas sem dúvida muito mais poderoso nos subterrâneos da academia.

Analisando a gestão do Brito na reitoria da Unicamp podemos ter alguma idéia de como poderão ser as diretrizes da Fapesp nos próximos (sombrios) anos.

Brito fez valer na Unicamp o princípio constitucional de que a universidade é um local de ensino. Segundo o filósofo Fausto Castilho, ao comentar esse princípio norteador das universidades brasileiras, ressaltou que esse princípio se encontrava um pouco atrasado frente àquele que norteia as universidades francesas e alemãs, por exemplo, em que as universidades são locais de estudo. Pode parecer mera picuinha lexical, mas entre ensino e estudo a diferença é abismal. É certo que esse atraso, de cerca de dois séculos, não é tão grande quando comparado à maturidade intelectual de muitos “intelectuais” brasileiros a seus pares estrangeiros. Com base nesse princípio, para Brito, tudo o que foge do tripé sala de aula-laboratório-artigos para revistas é desperdício de tempo e dinheiro público. Neste aspecto, portanto, não precisamos nos preocupar, pois não devemos ter nenhuma surpresa, no máximo o aprofundamento das exigências que a Fapesp já vinha fazendo para a concessão de bolsas.

Esse aprofundamento, por sinal, deve vir mesmo. Se hoje alunos que têm uma reprovação qualquer no seu histórico escolar encontram enormes dificuldades para conseguir bolsa (pouco importa que seja um aluno de artes cênicas que um dia resolveu fazer cálculo I e reprovou), o que esperar quando entra alguém que tem a capacidade de vincular as bolsas de auxílio a alunos carentes da Unicamp (como bolsa-alimentação, bolsa-trabalho, bolsa-moradia) ao “desempenho” acadêmico, medido sob a forma de nota média (sendo que não é algo tão incomum a “perseguição” de professores a alunos, que pode resultar em reprovações ou notas baixas, independente do real aprendizado do aluno).

A visão estreitamente gerencial, técnica e positivista do senhor Brito também enche de desesperança o pessoal da ciências humanas - como o escriba -, cujos trabalhos não costumam possuir gráficos nem dados empíricos quantificáveis, de que não será tão cedo que a área será valorizada e estimulada.

Por fim, é de assustar a concepção que o senhor Brito possui do que seria algo público. Tudo leva a crer que ele acredita que as empresas são as legítimas representantes da sociedade civil, e por estarem em contato com a realidade do país, tem sempre em mente a pesquisa visando sanar os problemas por ela detectados. Claro que isso não é problema, afinal todos sabemos que o capital é bonzinho, sempre que sobra dinheiro ele dá gratuitamente e sem esperar qualquer contrapartida àqueles que podem melhorar o conforto dos seus clientes, ou abrir novos mercados consumidores.

Não foi ele quem começou, mas sem dúvida a cara de puteiro que a Unicamp possui hoje é obra dele. Na Unicamp hoje quem tem dinheiro pode fazer o que entender. Salas de aulas adotadas por empresas e de acesso restrito, como a sala Ajinomoto e a sala Microsoft (curiosamente a Unicamp reluta em utilizar programas livres, como o Linux, apesar de ter um grupo forte que mexe com isso dentro da universidade). Tenda de revenda de carros no pátio da universidade. Tenda de venda de seguros e de consórcios. Os bancos, então, têm o Brito como grande aliado (ou será o contrário?). Agências de bancos privados no campus, muito bem localizados (Real, Santander e agora Itaú), sendo que bancos estatais ou não possuem agência no campus (como a Caixa Econômica Federal), ou estão em locais menos nobres (como a Nossa Caixa). A carteira estudantil é fruto de uma parceria entre Unicamp, Banco Santander e Visa - inclusive era para ter a logomarca das duas empresas, não fosse a pressão da comunidade universitária, em especial do movimento estudantil. Semana passada, por sinal, era difícil andar pelo campus sem ser abordado por alguém do Banco Real, do Bando Santander ou da Credicard, querendo vender seus produtos. Estavam mais à vontade do que nas próprias agências, todos numa boa, sem serem incomodados por nenhum dos seguranças da universidade. Ocorreu o contrário quando, semestre passado, eu quis distribuir panfletos chamando voluntários para um grupo de alfabetização de adultos fora da área permitida.

Para aqueles que acham que estou exagerando, que o Brito na Fapesp não será assim, vale ler a entrevista dada ao “Jornal da Unicamp”, na página
http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/novembro2004/ju274pag03.html, em que o futuro diretor científico enumera os três pilares da pesquisa científica em São Paulo, a formação de recursos humanos, a pesquisa acadêmica e a pesquisa empresarial, a qual, segundo a visão do senhor Brito, é deixada em segundo plano pela Fapesp, e que ele pretende corrigir esse equívoco, “articulando” os três pilares, dando uma “pequena” ajuda à pesquisa empresarial, enfim, liberando a grana pra quem sabe fazer grana com ela; afinal, não dizia Marx que o objetivo do capital era fazer capital? Temos com Brito na Fapesp as idéias do livro I do Capital num posto de enorme importância!

Uma amiga minha tem como mote que para o pior não há limites. Paulo Renato tem se mostrado até agora imbatível nos seus afazeres institucionais ligados à educação. Brito mostra disposição a superar o ex-reitor da Unicamp, e eu vou ter que acabar mudando minha opinião e concordando com a minha amiga. Será a vocação da Unicamp produzir incompetentes para cargos públicos de relevância (não que o Paulo Renato e o Brito sejam incompetentes no que se propuseram a fazer, mas o são no que se espera de pessoas que ocupam cargos da relevância que eles ocuparam ou ocuparão)? 

Perdoem-me o palavrão, mas estamos fudidos!



Campinas, 28 de novembro de 2004

sexta-feira, 19 de novembro de 2004

Como confundir estudantes com a elite reacionária ou Lula, o autista.

Quando na eleição do Lula, parte elitista da sociedade brasileira (não necessariamente a elite) reclamava que ele não possuía instrução, seria um troglodita no governo, sem classe nem finesse. Mas quem diria que Lula não apenas não era rude, como mostraria ter muito mais classe que FHC, o doutor letrado, cosmopolita de maneiras aristocráticas. Enquanto FHC desqualificava seus opositores de uma maneira um tanto raivosa, indelicada e vulgar, chamando-os de neobobos e termos afins, Lula, com a serenidade de um lorde frente a uma cara feia de uma de suas empregadas, chama seus opositores de meninos. E toda essa classe numa resposta de improviso a estudantes que o vaiavam num ato dia 15 de novembro!

Não sou muito adepto a teorias conspiratórias, mas começo a pensar se por acaso o mesmo grupo que seqüestrou FHC, deixando-o desde 94 até hoje nos porões do Palácio do Planalto, e colocando um sósia seu na presidência não fez o mesmo com Lula. Inclusive desconfio que tal grupo não tenha posto um sósia - nem de FHC nem de Lula - na presidência, mas a mesma pessoa com máscaras diferentes. Dizer que o PT federal e PSDB seria a versão tupiniquim do bipartidarismo indistinto estadunidense não me parece muito condizente, pois dizer isso seria dizer que ambos são “faces da mesma moeda”, onde o mais correto seria dizer que são “a mesma face da mesma moeda”. A mesma política econômica, baseada em juros altos e controle do crescimento; a mesma política social, baseada em bolsas-esmolas que aliviam mas não alteram a situação dos marginalizados pelo nosso capitalismo; a mesma prática política - o que faz o fato do congresso estar completamente parado por conta do fisiologismo não ser surpresa alguma; o mesmo discurso de desqualificação dos opositores; o mesmo blábláblá de defesa da nossa democracia capenga e mutilada, dizendo que ela está consolidada e enraizada no “povo brasileiro”.

Esse discurso democrático esteve também na resposta do Lula às vaias recebidas em Maceió, dizendo que as vaias eram a prova que a “democracia no Brasil veio para ficar”. Como falar em democracia em um país em que alguns grupos detém a quase totalidade dos meios de comunicação (para ficar apenas em um exemplo mais crasso)?

Convenhamos que apesar da elite dizer que o PT é um partido autoritário, ele é bem menos truculento que seu irmão gêmeo, o PSDB: na manifestação contra o Lula policiais militares e seguranças cercaram os manifestantes, isolando-os, enquanto que poucos dias antes a Polícia do governador de São Paulo, o tucano Geraldo Alckmin, descia o cacete contra uma manifestação pacífica de estudantes da PUC, taxada de perigosa (!?). Infelizmente para o governador, dessa vez a grande imprensa cobria a manifestação e as imagens acabaram nos noticiários da tv e nos jornais, que deram a notícia pela metade mas deram: ocultaram por exemplo, que os policiais estavam sem identificação, conforme informou a página do Centro de Mídia Independente - Brasil (www.midiaindependente.org) - diga-se de passagem, prática comum da PM paulista, como pode ser visto em fotos tiradas de outras manifestações (como a da assembléia legislativa de São Paulo.

Mas se o Lula é mais bonzinho que seus irmão do PSDB ele não é menos cínico: alegou que desqualificou os estudantes que faziam protesto porque imaginou que eles fossem da elite alagoana protestando contra seu governo. Teatro do absurdo: estariam protestando por que? Como disse a senadora do PSol Heloísa Helena: “A elite alagoana faz parte do governo”. Se eles tivessem algo para reclamar não iriam passar calor num protesto na rua, iriam direto para a sala com ar-condicionado do presidente.


Campinas, 19 de novembro de 2004