Pergunto à leitora e ao leitor que acompanham os acontecimentos políticos destes tristes trópicos: quantas vezes ouviram da boca de políticos, nestes últimos atribulados meses, que algo era o melhor para o povo - ou melhor, para não pedir muito -, o melhor para o Brasil? Em algum momento foi usado o argumento de que a vitória do candidato oficial ou do candidato oposicionista nas eleições das casas legislativas - tanto da cidade de São Paulo, quanto do estado, quanto a câmara federal - traria maiores melhorias para os babacas, digo, eleitores, que costumam participar da grande farsa da democracia brasileira? Alguém lembra do Lula ou de algum de seus ministros falando da grande experiência que o deputado Greenhalgh possui e que seria de vital importância para a votação de medidas que atendessem aos anseios expressados por mais de 50 milhões de brasileiros no longínquo ano de 2002 quando votaram em um partido e um candidato que falavam em "mudança, ponto"? Ou do FHC enumerando a nobres qualidades, sempre a serviço do povo, que justificaram o seu apoio logístico e o peso político usado para eleger Severino Cavalcanti?
É certo que um dos objetivos de um sistema representativo é justamente manter a rafuagem a uma saudável distância do poder (não preciso explicar pra quem essa distância é saudável, preciso?), mas a política no Brasil conseguiu atingir um nível de desdém para com o povo, um nível de abstração da realidade existente fora das esferas estritas do poder, que é de uma violência chocante. É um tal de partido X tentando enfraquecer partido Y, que se cobra no partido X com a ajuda do partido Z, que barganha mais poder com partido Y, sob ameaça de ajudar a fortalecer o partido X, caso esse acabe não aceitando a barganha do partido W, que pra se fortalecer precisa enfraquecer o partido V, que mesmo apoiando X barganha com Y; tudo discutido em termos de ministérios, secretarias, cargos, comissões e alianças para as próximas eleições. Projeto para o Brasil? Quem sabe depois de um desses partidos conseguir se tornar um PRI tupiniquim sobre tempo para pensar em um.
Esta semana a política deu mais uma pista para procurarmos em que dimensão ela se encontra: na eleição da câmara dos deputados para a escolha de um representante da casa para o órgão fiscalizador externo do poder judiciário, entre o candidato do governo, Renault, que tinha como a maior qualidade o fato de ser a opção do governo, a câmara preferiu eleger Alexandre de Moraes, cujas "qualidades" são ser do PFL, secretário do governo Alckmin e presidente da Febem. Mesmo que este ano você não costume se informar sobre o que aconteceu no dia nem duas vezes por semana, é bem provável que você tenha se deparado mais de uma vez com alguma das quase 30 rebeliões na Febem, se não com algo sobre tortura, transferência de menores para prisões, entre outras provas de boa governança da Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor (sic) que o sr. Moraes deu continuidade.
Não vou me alongar muito para dar outros exemplos batidos, como a reforma ministerial, os relatórios do ministério da fazenda, que falsifica dados para tentar provar que gastar em programas sociais não alivia a pobreza; a provável substituição do procurador-geral da república, Cláudio Fonteles, por alguém do estilo de Geraldo Brindeiro (o engavetador-geral nos reinados FHC), já que Fonteles tem posto os interesses da república acima dos do poder.
Mas não se preocupe, ano que vem é ano de eleição, e se os Dudas Mendonças e Nizans Guanaes fizerem bem o seu serviço a gente pode até fingir acreditar que no fundo, no fundo, nossos políticos fazem tudo isso por estar sempre pensando no bem estar da população em primeiro lugar.
Campinas, 14 de maio de 2005