quarta-feira, 26 de outubro de 2005

Neocon.br

Algumas reflexões sobre o referendo da proibição de venda de armas:
O Brasil finalmente aponta no caminho de se tornar uma república democrática e não um simulacro bananeiro de. Claro que para chegar a tal ponto a distância pode ser contada em anos-luz. É preciso uma série de reformas (política, dos meios de comunicação, da educação), é preciso um aprendizado por parte dos eleitores, de que eleição presidencial é diferente da de prefeito, que é diferente de plebiscito; é preciso que a política recupere seu discurso, seqüestrado pela publicidade.
A vitória maior foi do individualismo. A defesa do "não" era a defesa do direito do indivíduo, não da sociedade.
Creio que não se faz necessário maiores explicações porque o "sim" teve seus melhores resultados em cidades que tem ou tiveram altos índices de violência.
Na esteira do individualismo, se a democracia e a república estão anos-luz de distância, o brasileiro mostra que a civilidade está ainda mais longe. Civilidade, cidadão - do latim civis, civitas, civilis - vai bem além de estar presente fisicamente em um determinado espaço citatido: é pensá-lo, participar da sua organização, da sua gestão; cidadão é aquele que tem bondade. O recado do "não" era bem claro (na verdade de ambos os lados, mas o "não" se centrou mais): salve-se, azar dos outros. O desemprego alto, salário baixo, a publicidade agressiva estimulam a criminalidade, ao mesmo tempo que a polícia não funciona? Compre uma arma e defenda-se. As instituições estão podres, melhor do que consertá-las é ignorá-las. Foi assim com a saúde pública, foi assim com a educação pública, é agora com a segurança pública.
Demorou, mas o Brasil finalmente deu mostras de estar adentrando na onde neoconservadora que já há um tempo tomou o mundo (e inclusive dá sinais de cansaço em alguns lugares). É certo que o conservadorismo sempre foi marca forte do Brasil, mas se tratava mais de um conservadorismo econômico, anti-revolução, anti-reformas, anti-povo. O neoconservadorismo vai além, é um conservadorismo de costumes. Começamos pelo discurso: a dicotomia simplista e burra "cidadãos de bem x bandidos" é repugnante. É exatamente o mesmo princípio usado por Bush na sua guerra contra o mal. Tem, inclusive, as mesmas falhas. Uma delas é a incapacidade de se analisar o contexto em que surgem os "bandidos". A outra é como definir "cidadãos de bem". Certamente o deputado Fleury, que dentre outras façanhas no seu currículo tem aqueles 111 assassinatos no Carandiru, é um cidadão de bem. Maluf também deve ser, afinal, o deputado fascista Bolsonaro não defenderia atirar no Maluf, agora em preto pobre...
O presidente da frente parlamentar Pelo Direito da Legítima Defesa, Alberto Fraga (PFL), criticou a "covardia" do congresso de ter posto um assunto técnico para ser decidido pelo povo. A revista Veja fazia crítica semelhante. O curioso é que sendo "técnico" apelaram o tempo todo para a "emoção" e não para a "razão". Também é curioso como se esquecem rápido de que quem puxou o referendo foi justamente a "bancada da bala", depois da derrota no congresso. Também se esquecem de que escolher um presidente também é uma questão "técnica", afinal o maior mandatário do país precisa ser bem preparado, ser capaz, ter liderança. Vai deixar para o povo escolher? É uma questão até mais complexa do que um referendo sobre armas! Bem, vendo a procedência da bancada da bala, talvez não esqueçam não que escolher presidente é questão "técnica"...
Mas apesar das críticas ao referendo, os neocon.br já vão pondo suas asas para fora. O próprio Fraga já fala em referendo pelo fim da maioridade penal, pela proibição total do aborto e pela prisão perpétua. Creio não ser surpresa para ninguém, afinal, essa foi a linha - bastante clara - do discurso do "não": todos sabiam que esse era o seu desdobramento natural. E se depender da classe média tais propostas ganham. Talvez não consigam os mesmos 64%, mas ganham. Por enquanto acho que ainda não ganha ensinar criacionismo ao invés de evolucionismo nas escolas. Por enquanto.
Por fim, uma notícia que saiu na Folha desta segunda, no mesmo caderno que falava do desarmamento e que serve de alívio para quem votou "não": "Ex-diretor do Carandiru é assassinado em SP - Responsável pela Casa de Detenção na época do massacre de 111 presos, em 92, José Ismael Pedrosa foi morto com 6 tiros". A partir do momento que deixamos a solução coletiva para segundo plano não temos mais qualquer medida para dizer o que é justo o que não é. Por que temos que ser nós, classe média, branca, escolarizada, os cidadãos de bem? O somos porque o declaramos. Se o líder do tráfico assim se declarar, como contrapor nossa visão? Que a justiça está do nosso lado, porque não roubamos e a lei... Mas, que justiça que estamos evocando? Aquela podre e decrépita que não nos demos ao trabalho de discutir a sério e reformar?
"Ex-diretor do Carandiru é assassinado em SP". Eis a "justiça" que 64% dos brasileiros apóiam.

Campinas, 26 de outubro de 2005

sábado, 8 de outubro de 2005

Sacrifícios pela arte!

Vida de crítico não é fácil (e olha que eu ainda nem me tornei incompreendido nas críticas profundas e muito bem embasadas que sempre faço). Mesmo gripado fui assistir à mostra noturna de bandas do feia 6, o sexto festival do Instituto de Artes. "Mostra noturna de bandas" é o eufemismo usado para festa desde que estas foram proibidas dentro da Unicamp. Mas já deixo avisado que fui por causa das bandas e não por causa da festa, atividade a qual não me apetece.
Seis bandas se apresentariam, assisti a metade delas. Sobre a primeira comentou um amigo: "esses caras não desistem nunca!". Como não desistem nunca, creio que terei outras oportunidades para falar (mal) dessa banda, que hoje não merece sequer ter seu nome mencionado aqui neste espaço.
A segunda foi Brás Cubas, um trio que toca surf-music, e faz cover de Los Hermanos e Radiohead. Segundo minha amiga entendida em surf-music, as músicas por eles tocadas devem ser composições próprias. E são boas. Mais calminhas que as do The Violentures, por exemplo, mas muito boas. Sobre as músicas cantadas o que sempre digo: o japonês baixista-vocalista tem vergonha de cantar, apesar de não cantar (muito) mal. Logo, imagina-se que a voz fique um pouco apagada, o que é recomendado em certas passagens. Ao fim do Brás Cubas o japonês baixista foi para a bateria e subiu ao palco um maluco à Wally, da série "onde está Wally?", que assumiu o baixo e os vocais. Dizem que essa banda é uma de nome estranho que eu lera o cartaz no estúdio da Rádio Muda. Tocaram duas músicas e mandaram bem: uma versão de Peito Vazio, de Cartola, e House of Jealous Lovers, do The Rapture, com direito a voz estridente e tudo. O único porém é que o Wally deveria cantar Rapture longe do microfone. Depois dessa banda pós-Brás Cubas subiu ao palco a banda que eu queria ver: Del-O-Max. Sim, a mesma que eu fui assistir há menos de uma semana. Banda com pegada, sonoridade já bastante característica e estilosa sem ser mala ou "poser". Bateria, guitarra e dois baixos. Desta vez começaram já tocando e cantando, o que foi uma pena: no Bar do Zé a banda começou meio que sem querer, pareciam estar afinando os instrumentos, começava uma batidinha mais ritmada na bateria, o baixo e a guitarra iam fazendo uma base, e estavam já tocando, à espera do outro baixista e vocalista. Terem começado como começaram agora não é ponto negativo, apenas não é ponto positivo extra. A apresentação correu bem, composições próprias e o único cover ficou por conta de Paint in Black, dos Rolling Stones (no Bar do Zé haviam tocado também uma do Velvet Underground).
Mas nem tudo são flores, há sempre algumas rãs para se engolir (mesmo sem a participação da tal da Isa K.). Vamos a elas. A festa só aconteceu no gramado do IA porque o Centro Acadêmico do IA (CAIA) consegue ser mais incompetente do que pelego. Dependesse do CAIA e ali haveria uma agência do banco Itaú. Ops, esqueci que se trata de uma crítica de arte, e que neste campo é coisa totalmente "out" falar de política (eu preferiria dizer "demodé", mas "out" é mais "in"). Prosseguindo, não falarei da festa, porque não gosto de festas. Mas a discotecagem estava uma bosta! Apresentações de bandas alternativas, legal! Custava por rock alternativo enquanto se passava o som? Ficava tocando reggae e um pouco de forró, o que desagradava a praticamente todos os que estavam ali por causa da música. Mas isso não é tudo. A primeira banda (aquela que não desiste nunca), escalada para tocar às 23h, começou a tocar à 0h15. O que é um avanço, claro: o IA já está começando a ser mais pontual. A quarta banda, por exemplo, começou a tocar lá pelas 3h30, horário previsto para a sexta! Mas isso não é o pior. As caixas não tinham potência, mas ainda assim se insistia para ver se o pessoal do fundo conseguia escutar algo. Não conseguia, mas para o pessoal da frente o som ficava muito ruim. Mas o pior de tudo foi a passagem de som. Guitarras e baixos que sumiam conforme o guitarrista e o baixista se viravam, bateria que só tinha o som de uma caixa captado, e ainda assim captado muito mal; microfones baixos: o "backing vocal" da Del-O-Max, por exemplo, quase não se escutava; e o trompete, que foi uma grande sacada da banda, ficou fingindo que tocava, porque não se escutava absolutamente nada! O microfone do vocalista, então, além de que caía sempre, ficando baixo (no outro sentido), fazendo com que o vocalista ficasse em posições um pouco desconfortáveis, já deixava a voz rouca e ruim de antemão. Em todos esses problemas, nada de novo. Mas custava fazer algo que prestasse? Onde estão os músicos do instituto? Se fosse para fazer algo porco, melhor não fazer nada. Fim.

Campinas, 08 de outubro de 2005