domingo, 5 de fevereiro de 2006

Relato de viagem 6

Agora começamos com o turismo de aventura! Foi no trajeto Comodoro Rivadavia - Puerto Deseado. O motorista do ônibus devia ser o neto do Fangio, e o ônibus devia ser o mesmo em que o vovô aprendeu a dirigir. Mas o Phah, com toda a sua sabedoria, me tranqüilizou: "este ônibus deve fazer o mesmo trajeto há quarenta anos; se acontecer alguma coisa justo hoje, é muito azar". Até esperávamos a porta (que não fechava) sair voando, já que o Fanginho fazia dois quilometros em um minuto e dois segundos (quase 120 km/h), e o ônibus pulava e chacoalhava muito, mas não aconteceu nada.
Perdemos todo o dia viajando. Primeiro de Trelew até Comodoro Rivadavia, a maior e mais rica cidade de Chubut. É uma cidade curiosa, que termina onde comeca uma espécie de duna. Talvez por peso na consciência - a cidade produz petróleo - ela invista em energia eólica e proiba o uso de sacolas de plástico nos mercados; que cobram, então, pelo pacote de papel - o que não é de todo ruim, já que faz com que as pessoas reutilizem os pacotes ou usem sacolas permanentes. Chegamos a Deseado depois das 22h. Fazia frio, ventava, tínhamos um mapa esbocado mais ou menos e a cidade é escura com pessoas mal encaradas. Fomos até o albergue: lotado. Descobrimos que havia uma festa anual de não sei o que. Fomos a um hotel: apenas um quarto quádruplo. Como já era mais de 23h, o dono viu que não ia chegar mais ninguém e nos fez pelo preço do quarto duplo. Ao menos desta vez o hotel era confortável, ia dar para, pelo menos, descansar.
No outro dia fomos conhecer Deseado: um fim de mundo ao fim de uma reta. O guia dizia que era uma cidade pesqueira. Imaginávamos pescadores, mas o que há é indústria pesqueira. Sem contar que a Publifolha, na versão brasileira do guia, resolveu retirar alguns mapas, entre eles o de Puerto Deseado.
No segundo dia de Deseado fomos atrás do que deseábamos ao vir até aqui: o Monumento Nacional dos Bosques Petrificados. Não há a menor sombra de dúvida de que a vinda para Puerto Deseado valeu a pena - e ainda temos a Ria por visitar, apesar de não sabermos se São Pedro deixará.
Os bosques petrificados ficam na "meseta patagónica", a chapada daqui. A vista do local é fantástica (parece que para mim tudo é fantástico, mas não é bem assim), com o horizonte de morros desérticos e o céu azul a se perder no infinito. Ao mesmo tempo, bastava ir a um ponto um pouco mais baixo e o céu parecia estar logo ali, tocaríamos as nuvens ao subir o morro em nossa frente. As árvores petrificadas, por sua vez, são impressionantes. Troncos de 150 milhoes de anos (a cordilheira dos Andes tem 60) que parecem madeira, mas são rochas. Os maiores que restam no parque (segundo o Jaime, o guarda-florestal, havia troncos maiores, que na década de 60 foram surrupiados e hoje bem podem estar em algum museu do mundo civilizado) tem 35m de comprimento e 3m de diametro. Não se tratava, portanto, de algo pré-histórico, mas pré-jurássico (havia inclusive pinhas e gotas de chuva pretrificadas)! É difícil, ou melhor, impossível, imaginar que naquele ambiente árido houve um dia uma floresta de araucárias de mais de 100 metros de altura. Enfim, visita obrigatória se alguém algum dia estiver de passagem pela Patagônia.
De quebra, ainda tínhamos como colegas de excursão um simpatico casal portenho (anti-portenhos) que nos deram muitas dicas (e panfletos) sobre Ushuaia, El Calafae, El Chaltén e Esquel. A principal foi a de que tínhamos que fazer as reservas nos albergues com urgencia. E assim o fizemos. Amanha partimos para Rio Gallegos, capital da província de Santa Cruz (a província do Kirchner, se estamos certos), que dizem ser um tanto deprimente. Mas é o que nos resta. Quarta partimos rumo ao fim do mundo. Teremos então cinco mil quilometros rodados desde Buenos Aires. E ainda falta a volta...
Un saludo muy cordial.
2.
Puerto Deseado, 5 de fevereiro de 2006

PS: estamos com algumas fotos digitais. Se alguem tem interesse em receber, podemos tentar manda-las.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2006

Relato de viagem 5

Trelew, mais uma cidade que chegamos e nos perguntamos "o que estamos fazendo aqui?". Porém, desta vez não era hora da siesta nem havia uma praia logo ali. Estávamos cansados - como disse o Phah, caminhamos muito, dormimos pouco, e comemos menos - e, para completar, na ausência de albergues, nos hospedamos em um hotel detonado, o que ajudou a nos abalar.
Mas depois de uma siesta, os animos apaziguados, conseguimos ver Trelew mais positivamente - o que não significa que não continuamos nos arrependendo de ter saído do simpático albergue de Madryn.
Trelew tem seus 90 mil habitantes, mais ou menos, e é uma cidadezinha do interior - apesar de uma das maiores e mais importantes da província de Chubut. Seu interesse para os turistas é o mesmo que teria Pato Branco, ou seja, nenhum. Serve apenas como base para visitar Punta Tombo. Mas foi curioso ver como a cidade se comporta: a cidade deserta por causa da siesta, a praça fervilhando de gente a partir das 18h, em plena quarta-feira, com velhos, criancas e jovens; em outra praça, sessão de cinema ao ar livre, crianças brincando na rua até perto da meia-noite...
Mas vamos ao que interessa. Punta Tombo é uma grande pinguinera que fica a uns 120km de Trelew. Segundo a guia, há lá 800 mil pinguins de magalhães. Não sei se tem tudo isso, mas que tem ave para mais de metro, isso tem. A área que nos é permitido circular possui muitos filhotes, que não estao mais pequenos ao ponto de dizermos "olha que gracinha", mas fazem você se sentir em uma granja quando recém chegaram os pintinhos. Muitos estão no meio da troca de penas - que escurece com cada troca, até chegar ao preto característico -, o que os torna relativamente feinhos pra caralho (desculpem o termo chulo). São bichos desengonçados - talvez por isso eu simpatize tanto com eles - mas que não tomam marola (está certo "tomar"?), não importa o tamanho da onda.
A poluição tem causado mudancas genéticas nos pinguis: não é raro avistar aves de peito verde. Pessoas que não aceitam críticas ao progresso dizem que o peito verde é devido a eles dormirem deitado na merda. Falando sério, o folhetim do parque diz que cresceu muito a mortandade de pinguins, por nadarem entre petróleo e derivados lançados ao mar pelos barcos.
A paisagem de Tombo não é espetacular como a de Valdés - o negócio é mesmo ver pingüim -, mas o vento castigava como lá, com a vantagem de não precisamos comermos areia, por a praia ser de pedra.
Na volta passamos por Gaiman, outra cidade - tal qual Trelew e Rawson - de colonizacao galesa, que se desenvolveu ao longo do rio Chubut, um dos únicos rios em uma área de 200 mil quilometros quadrados. Não tomamos o famoso chá gales, mas vimos outro carro igual ao do pai da Mafalda!
Amanhã é dia de seguir para Puerto Deseado, ver outra pinguinera e o Parque Nacional dos Bosques Petrificados. Odeio chegar aos lugares sem ter um lugar garantido para ficar, mas desta vez, além de nao termos lugar, também nao temos mapa, e chegaremos já no fim da tarde.
Até mais.
2.
Trelew, 02 de fevereiro de 2006