terça-feira, 19 de setembro de 2006

O vírus de Brasília

Acho de bom tom interditarmos Brasília logo, antes que, diante da nossa inércia, EUA, Otan, UE, Cuba, China ou quem for resolva intervir militarmente com o aval da ONU.
Brasília parece ter algum vírus poderoso, que provoca lesões – ao que parece, irreversíveis – no cérebro, danificando não somente a memória como a capacidade cognitiva de quem troca São Paulo pelos secos ares da cidade. Ficasse restrito somente a essas pessoas e o problema não seria tão grave, a solução tão drástica: bastava voltar para o Palácio do Catete. Ocorre que esse vírus (ou será a maldição de JK?) se espalha como fogo no cerrado: ataca pessoas que tinham contato com o infectado antes dele ir para a cidade amaldiçoada.
Já virou praxe iminentes intelectuais fazerem malabarismos verbais, empenhando diplomas e títulos na busca de justificativas para o injustificável, na tentativa de fazer o absurdo se transformar em bom-senso, tendo em vista salvar o mandante de turno. A novidade no governo Lula foi que toda imprensa também foi dominada pelo vírus. Na era FHC tínhamos a grande imprensa que, assim como a classe média, achava o máximo um presidente poliglota – ainda mais quando seu maior rival era um operário troglodita – e seguindo os preceitos liberais ensinados por Stuart Mill, faziam o uso do velho sistema “dois pesos duas medidas”.
Ainda que Lula tenha mostrado que não é um troglodita, graças a generosos e mais-do-que-generosos auxílios a ela, a imprensa manteve em parte seu sistema dois pesos duas medidas. Até aí normal. Por mais que o sabonete vendido por Duda Mendonça dizia combater todo tipo de vírus e frieiras, e o próprio sabonete se achasse um enviado dos deuses (apesar de que, convenhamos, trata-se, sem dúvida, de um dos mais inteligentes sabonetes já produzido na história), era pedir demais para ele transformar o sertão em mar e ainda pular carnaval sobre as águas. No final, nem o sertão virou mar, nem ele andou sobre as águas, mas sim, ele chafurdou na lama, assim como seu predecessor, o Príncipe das Astúrias.
Voltemos à imprensa. Na grande imprensa, nenhuma novidade. O problema foi na dita imprensa de esquerda, “livre”. Tomemos a agência Carta Maior (www.agenciacartamaior.com.br) como exemplo. Até o estouro dos escândalos do governo, mantinha-se firme na linha que o caracterizava nos anos FHC: crítica ao modelo econômico vigente (aliás, se tem uma coisa que “nenhum outro presidente fez neste país”, como Lula sempre adora falar, foi manter ipsis literis exatamente a mesma política do governo anterior, nem FHC manteve no seu segundo mandato a política do primeiro), defesa da res publica e da independência entre os poderes. Diante do estouro dos escândalos, essa imprensa se contrapôs, como deveria mesmo ter feito, ao “dois pesos duas medidas” da grande imprensa, que mandava chumbo grosso por atos que tinham sido cometidos igualmente no governo anterior, mas que não receberam nem décimo da atenção voltada no governo Lula. Da crítica ao “dois pesos duas medidas” à defesa do governo Lula, contudo, vai uma diferença grande, enorme, gigantesca, que essa imprensa simplesmente se esqueceu.
O resultado é que o governo Lula, que até maio de 2005 seguia a política neoliberal do FHC, passou a ser um governo “com pendores populares”, comparado aos de Vargas e Goulart, como nos diz Marco Aurélio Weissheimer; e que o sopão ampliado (uma esmola necessária, que eu defendia desde antes de 2002, mas que serve de paliativo e deve ser acompanhada, sim ou sim, de políticas de geração de emprego não-precarizados e melhoria de renda, o que o governo Lula não faz) se transformou em “solidariedade para com os excluídos”, segundo Mauro Santayana; entre outras camaleonices do gênero.
Como eu disse: ainda é tempo de interditarmos Brasília e mandarmos políticos, intelectuais e jornalistas para a parada do leprosário. Se esse vírus se espalhar para além de nossas fronteiras e correr o risco de se transformar em uma pandemia, não haverá argumento contra uma intervenção externa.

Campinas, 19 de setembro de 2006

sábado, 2 de setembro de 2006

O patrono da política brasileira

Como um vazamento de gás, ele foi se aproximando sorrateiramente. Todos sabem da sua existência, conhecem sua fama, suas políticas, rejeitam comparações, mas repetem-no no discurso e na política. Não falo somente dos políticos, mas também dos eleitores – até mesmo os tais ilustrados.
A política brasileira hoje é pautada pelo malufismo.
Se em campanhas presidenciais passadas causava certo constrangimento receber seu apoio – é certo que não constrangimento suficiente para rejeitar o apoio e ter fotos de FHC, Lula e Marta estampadas ao lado da de Maluf –, hoje, mais do que nunca, não causa constrangimento algum seguir sua política e discursos. Há apenas alguns pudores em admitir a paternidade das idéias – talvez por medo de um processo por plágio, já que o mesmo ainda se encontra vivo.
Vale lembrar que em 2002, para a campanha de São Paulo, o candidato do PT, José Genoíno, para se contrapor à política apelidada de “neomalufista” do candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, entoou o famoso bordão “Rota na rua”. Muitos encararam o Rota na rua de Genoíno de maneira diferente da de Maluf: “veja bem, não é bem assim”. Outros preferiram ver como uma artimanha para ganhar eleitores, assim como viam tal artimanha na “Carta ao povo (sic) brasileiro”, que Lula assinava na mesma campanha. Quatro anos depois de PT no Planalto não sei se ainda existe alguém que acredita que o “Rota na rua” não queria dizer outra coisa que o tradicional “Rota na rua”.
Mas estamos em 2006, Genoíno seria cachorro morto se vivêssemos em um país sério, e a eleição segue a pauta malufista. Mensaleiros, sanguessugas, ex-presidente (mesmo sem ser candidato) seguem o discurso por nós já conhecido e até há pouco rejeitado de que “nada foi provado”. Na disputa pela presidência, de um lado Alckmin acuado com os recentes ataques do PCC, querendo achar algum culpado no PT (lembra o Maluf?), se preciso, algum culpado nos partidos aliados (lembra o Pita?), enfatizando o quanto seu governo fez pela segurança (a tal política neomalufista), seja em números de presídios, seja em número de presos, se defendendo de acusações de corrupção por culpa da “imprensa parcial” que o persegue. De outro, artistas e personalidades apoiadoras de Lula bradam o mais que conhecido “Rouba mas faz”, em uma linguagem um pouco mais grosseira (por incrível que pareça!), apenas para não ter que pagar direitos autorais ao ex-prefeito.
Como eu disse, Maluf vinha se sobressaindo na política nacional já há quase uma década, pelo menos. Pelo espólio eleitoral que possuía (e ainda possui), pelo abandono pelos partidos de qualquer ideologia que não o poder pelo poder (o sonho de se tornar um PRI brasileiro, que vem desde FHC), pela acomodação passiva e acrítica do eleitorado tido por informado (por mais que apresentem ao distinto público uma pseudo-crítica para justificar seu apoio), não é de se admirar que os partidos se esfaqueiem na busca dos eleitores malufistas, adotando posturas, discursos e políticas dessa sinistra figura da política brasileira.
Getúlio Vargas, que FHC e Lula tanto adoram citar – seja para o bem, seja para o mal –, não passa de um expediente retórico que visa dar qualquer profundidade a discursos e políticas vazias e burras. O verdadeiro norte da política nacional de hoje é Paulo Maluf.

Campinas, 02 de setembro de 2006