segunda-feira, 4 de dezembro de 2006

Estelionatos

Em 89 Collor foi eleito para caçar marajás, nem bem assumiu e já foi abocanhando a poupança da classe média. Em 94 os dedinhos de FHC não falavam em privatização, mas seu primeiro mandato se resumiu quase que à venda de estatais para financiar batatas Pringles a preços acessíveis e as compras em Miami dos novos ricos e da classe média deslumbrada. Dizia querer acabar com o legado getulista, o Estado pai dos pobres. Conseguiu, substituindo-o por um Estado mãe dos ricos (e sócia prioritária dos amigos do presidente). Era para o bem dos brasileiros, que tão bem perceberam esse bem a ponto de hoje a grande maioria da população seguir sendo contra as privatizações. Em 98 veio a reeleição para manter o (falido) plano real, que sequer chegou ao final do primeiro mês do segundo mandato. Em 2002 veio a vitória da esperança sobre o medo, mas Lula se mostrou o governo mais medroso, mais pusilânime da nova república – teve uma política externa mais independente, mas internamente foi completamente subserviente aos donos do poder.
Com esse histórico, já era tempo de aprender alguma coisa sobre o sistema representativo brasileiro, mas muita gente insiste em ter fé no santo do pau oco, e passada as eleições mais do que indignação, o que se vê é surpresa.
Em 2006 Lula assumiu o discurso ou eu ou o caos, utilizado por Serra em 2002 (é certo que Lula foi menos grosseiro, e não apelou para a Regina Duarte): ao pintar diabolicamente Alckmin como O privatista, conseguiu fazer com que o candidato tucano tivesse menos votos no segundo turno do que no primeiro turno. Muita gente – gente ilustrada – engoliu esse discurso. Me criticavam durante o segundo turno por eu dizer que, salvo a política externa, os dois eram idênticos (dois malufistinhas: rouba mas faz, Rota na rua, a imprensa me persegue) e, portanto, tanto fazia quem vencesse.
Mas venceu Lula, e com isso extirpa-se o risco de novas privatizações, certo? Certíssimo, dirão muitos petitas. O que o governo Lula está planejando não é privatizar as rodovias, tal qual noticiado pela imprensa, mas repassar a administração delas à iniciativa privada. Privatizar é coisa do neoliberalismo tucano, o neoliberalismo petista fala em parcerias! E olha que ainda sequer começamos o segundo mandato, nem se trata de nenhum tema espinhoso! Brasileiro está acostumado a pagar pedágio, pode-se mostrar meia dúzia de experiências bem sucedidas feitas pelos tucanos em São Paulo, e estão dissolvidos os mal-entendidos. Imagina o que não pode estar em gestação para o início do ano que vem, quando PT-PMDB chegam unidos no congresso para uma nova legislatura.
É por essas e outras que digo que eleição no Brasil é como ópio: vicia, dá três segundo de alegria, depois vem aquela ressaca gigantesca, e a gente passa o tempo todo correndo atrás daquele primeiro efeito (no caso, do quase efeito do Lula Lá, de 89). Por isso que defendo abstinência – a ressaca é a mesma, mas não há a decepção de se dar conta de ter caído, uma vez mais, no conto do vigário.
Por fim, de que adianta participar das eleições de sistema representativo em que o candidato não cumpre o que promete e faz o que não prometeu?

Campinas, 04 de dezembro de 2006

domingo, 19 de novembro de 2006

Um sistema falido

Há um considerável otimismo com a cláusula de barreira dos partidos que entrou em vigor a partir destas eleições. Pela cláusula somente partidos com um mínimo de aceitação popular terão as benesses dadas aos partidos que (teoricamente) representam anseios da população. Louva-se a medida, pois não há 29 correntes de pensamentos distintas, partidos de aluguel desapareceriam e o espectro político se tornaria mais claro e depurado com um número menor de siglas de destaque. Acredito que tudo isso é válido (só veremos se é verdade depois de acontecer), mas cláusula de barreira, fidelidade partidária, financiamento público, voto distrital e o que mais tem sido não tocam no ponto fundamental da cultura política tupiniquim: o que é um partido no Brasil hoje?
O tipo ideal de partido político no Brasil hoje é, infelizmente, o PMDB. Claro que nenhum chega a tal extremo, mas o que vemos são caciques em disputas internas por poder dentro dos partidos. Alguns chegam a ter determina linha ideológica, qualquer difusa carta de programas, mas é tudo. Os partidos de direita no Brasil sempre foram associados ao fisiologismo. Os de esquerda adotaram a prática ao ascenderem ao poder. Serão os homens todos maus ou será o sistema falido?
O penúltimo grande tombo foi o PT: cria-se ser um partido mais coeso – vide o fato de sua bancada geralmente seguir unida – com um programa para o país, uma forma diferente de fazer política. Os cegos de plantão (no qual se inclui este escriba), ao olharem retroativamente já conseguem perceber algumas falhas da cultura política, de que o PT se utilizou (não sei se deliberadamente) em 2002, assim como em 2006. É grande o fuzuê pelo ministério do segundo mandato: quem irá para qual pasta? Que partido ficará com o que? Que aliado abocanhará que pedaço? Trata-se da mesma conversa de 2002. E é aqui que nos damos conta mais claramente do problema: elegemos Lula em 2006, assim como em 2002, com base no que? Em 2002, em um programa partidário não cumprido? Em 2006, por medo de privatizações? Mas de concreto, o que tínhamos como garantia de que o governo seria assim ou assado? Realizações passadas, promessas futuras? FHC não prometeu privatizações, assim como Lula não prometeu rasgar a carta-programa do PT. Foram reeleitos.
Vamos ao pior da eleição de 2006: a promessa não cumprida. Falo do Psol e de Heloísa Helena. Muitos (como o escriba aqui, por algum tempo) acreditavam que o Psol poderia surgir para renovar a política nacional, criar uma forma nova de fazer política. Simplesmente não seguir ortodoxamente a cartilha da publicidade política não basta para fazer política de forma nova. A maior prova do “más de lo mismo” do Psol vem que o partido não conseguiu, sequer tentou, romper com o personalismo da política nacional. Ora, se o Psol é um partido e não uma aglomeração de interesses mais ou menos convergentes, Heloísa Helena, Plínio de Arruda Sampaio, ou o Zé da Padaria da Esquina deveriam ter basicamente o mesmo programa de governo, as mesmas propostas, independente de quem fosse o candidato à presidência. Mas o Psol preferiu lançar Heloísa Helena, que tinha mais visibilidade, à presidência, o que acarretou como principal conseqüência, que sua cadeira no senado será ocupada pelos próximos oito anos por Fernando Collor de Mello. Mas supomos que o Psol tivesse ganho a presidência, quais projetos para o país foram apresentados em termos concretos: estamos aqui, passaremos por aqui, e chegaremos ali? Mais: quem seriam os ministros, os auxiliares da Heloísa Helena? O que não garante que ela faria um acordo com o PT, por exemplo, cedendo ao partido uma qualquer, mas que acabaria por desvirtuar o pretenso projeto de país do partido?
O Brasil pode ter três, cinco ou 48 partidos. Enquanto não houver partidos sérios, ideológicos, coesos, coerentes (à direita e à esquerda), continuaremos dando ao presidente da República um poder simulacro de Luís XIV, “o Estado sou eu”, com total liberdade para negociar cargos, verbas e políticas com partidos de todo o espectro político, sem que possamos reivindicar legitimamente qualquer postura. Isso para o executivo.
Para o legislativo, acho que poderíamos retomar o modelo da Atenas clássica: os representantes são escolhidos por sorteio. Seria muito simples, evitaria lobby, caixa dois, e todas essas mazelas que afligem os regimes democrático-liberais. O sujeito com mais de 18 anos e ficha limpa ia até o tribunal eleitoral local, se canditaria, e em um domingo, antes do Domingão do Faustão, sentaria com a família no sofá da sala, cruzando os dedos para ser sorteado. Esse sistema daria de fato chances iguais a todos, e ainda poderíamos ter a sorte de não contar com Maluf, Collor, Salvatti, ACM, Clodovil, Russomano, Enéas, Palocci, Virgílio, Barbalho, Sarney e tanto outros boa-pintas que infestam a câmara e o senado.

Campinas, 19 de novembro de 2006