sábado, 3 de fevereiro de 2007

A oportunidade

“O que poderia parecer, à primeira vista, gesto de atenção para com o ensino superior, revela-se, em exame mais atento, operação de controle centralizado, pelo aparelho estatal do governo, das estruturas, funções, recursos materiais e humanos das universidades.” Assim falam acertadamente Alcir Pécora e Francisco Foot Hardman, do IEL/Unicamp, em texto publicado na página da Adunicamp (Associação dos Docentes da Unicamp). Mas esse exame mais atento revela um outro ponto: a rara oportunidade aberta pelas medidas tomadas pelo governador José Serra para o ensino superior. É difícil conseguir juntar no mesmo lado reitores, professores com histórico de luta no Fórum das Seis (Fórum que congrega as associações de docentes e funcionários das três universidades estaduais paulistas) e professores com histórico de “foda-se, me deixem trabalhar”, como agora.
Além das medidas tomadas pelo governador (mudança na composição do CRUESP, contingenciamento de verbas das universidades, necessidade de autorização do governo para mudanças nos gastos das universidades), soma-se a proximidade da data tradicional para reivindicações salariais (normalmente começa em março/abril), que sempre trazem a discussão da necessidade de aumento na participação do ICMS. Ou seja, é a oportunidade das diversas correntes de pensamento discutirem suas idéias sobre o ensino superior público, a relação das universidades com Estado, sociedade e mercado; financiamento, pedagogia e funções de uma universidade pública. Debates esses que nunca acontecem realmente, por só surgir em momentos extremos – como as greves e/ou paralisações por reajuste salarial –, em que os professores ditos de “esquerda” querem greve – antes por hábito do que por ser a melhor alternativa para conseguir os reajustes –, e rejeitam discutir qualquer coisa antes de ter a greve por ponto comum; enquanto os professores ditos de “direita” – alguns por não quererem perder as férias, outros por não julgarem oportuna a greve – são recusados desde o princípio sua entrada no possível debate.
Como o movimento contestatório não sabe agir, apenas reagir (ou então haveria uma discussão ampla sobre ensino superior, com propostas de mudanças, há pelo menos dez anos, e não somente depois da proposta do governo Lula ter sido levada ao congresso), as decisões tomadas pelo governo José Serra dão a chance de uma reação que, se conseguir ir além da mera questão pontual, será de grande proveito para o ensino superior brasileiro – uma vez que as universidades paulistas, com 45% da produção científica nacional, são uma referência no país. Resta saber se os professores das três universidades saberão ir além do estímulo-resposta, e questionarão, para além da autonomia universitária, formas de financiamento, a forma como capital privado tem adentrado a universidade pública, ao mesmo tempo que a população sem capital tem sido privada da universidade. É a hora de se questionar o modelo “consagrado” de universidade: vestibular, modo de ingresso, grades curriculares – a UFBA dá um grande passo além nesse quesito, e já é tempo das universidades paulistas, famosas por sua postura mais aberta, tentarem algo no mesmo sentido –, a prática de resolver os problemas que surgem com arremedos pontuais, como as fundações, cursinhos para alunos carentes, ou pontuação extra no vestibular.
A oportunidade foi dada. Se não for aproveitada, e se a partir de agora o ensino superior em São Paulo continuar decaindo, ou se aumentar sua taxa de decadência, a culpa não vai poder ser atribuída ao governo Serra ou a qualquer fator externo à própria universidade.


PS: é curioso que um partido famoso por defender a autonomia completa do BC defenda o aumento à restrição às universidades sob a alegação de que "as universidades não são ilhas isoladas. Elas devem estar abertas à sociedade, buscar o entrosamento e o governo é um instrumento importante para isso", como disse à Folha Aloysio Nunes Ferreira. Com todas as medidas tomadas, resta a dúvida do que seria essa tal de “sociedade” que o governo quer entrosar com as universidade.

Pato Branco, 03 de fevereiro de 2007

domingo, 7 de janeiro de 2007

Fábrica de escândalos

Acho por bem começar me defendendo de qualquer mal-entendido. Não estou defendendo o congresso, apenas levantando alguns pontos do seu mais novo escândalo. Que o congresso, em especial a câmara dos deputados, é uma instituição completamente falida – ao menos no presente momento –, quanto a isso não resta dúvida. A meia dúzia de bons parlamentares são tão meia dúzia que não têm força sequer para barrar uma mudança constitucional que depende de maioria qualificada – o que dizer então a possibilidade de aprovar qualquer proposta positiva que tente ao menos estancar a desmoralização do poder.

É de grande auxílio nesse processo o papel de fábrica de escândalos que o congresso assumiu e o corporativismo que faz com que a repercussão de tais escândalos se prolonguem além do que seria “normal” e, pior, não sejam dados por encerrados. Bom para aqueles congressistas que foram pegos em atos ilícitos e absolvidos por seus pares, cujos nomes serão esquecidos em, no máximo, duas semanas, e chegarão fortes para concorrer as eleições e se reelegerem, como atestaram as eleições de 2006. Péssimo para o congresso que vai fixando sua fama de local onde só tem corrupto, diminuindo ainda mais o já quase inexistente interesse pelo legislativo – bom para aqueles deputados que vêem na política uma extensão dos seus interesses particulares, mesmo que o façam dentro da lei.

Os dois últimos escândalos que ganharam as manchetes nos últimos dias: primeiro o aumento do salário em quase 100%, com apoio de todos os partidos e de quase todos os congressistas (renunciaram ao aumento somente os seguintes congressistas: NOMES), com o executivo apenas lavando as mãos. Agora o salário que 12 suplentes irão ganhar para não fazer absolutamente nada, pois janeiro é mês de recesso e o novo legislativo assume em fevereiro, enquanto executivo assumiu em primeiro de janeiro. Este escândalo me interessa particularmente, por ter um elemento que o outro não tinha.

Que se trata de uma anomalia um suplente assumir por um mês, o último do mandato, justo em um mês de recesso, e receber por isso, não resta dúvidas. Mas pergunto que culpa tem o congressista de ganhar a eleição para o executivo e não poder acumular cargos? Não vou dizer nenhuma, pois foram por pelo menos quatro anos congressistas e tinham poder para alterar aberrações como essas. Mas a forma como os tais dos “formadores de opinião” repercutiram o assunto mostra, na melhor das hipóteses, certa leviandade para tratar do tema. Parece que falar mal de quem habita Brasília virou um hábito, uma necessidade a priori da profissão, que não necessita maiores reflexões.

O que a mim parece ser o maior problema desse tipo de crítica é o fato dela culpar os mandantes de turno (parece que com o PT no governo federal o fator “mandantes de turno” se tornou mais forte do que nunca na história recente do Brasil) resulta em uma crítica absolutamente estéril. Afinal, se a culpa são dos mandantes de turno, o que nos resta é esperar as próximas eleições e votar certo. Acontece que o povo vota errado e elege e reelege maus congressistas (foi a resposta de um eminente jornalista a um e-mail que envie), o que faz com que a solução só possa ser vislumbrada nas próximas eleições, e assim vai, até que não reste outra alternativa do que um golpe democrático, como o de 1964 – afinal, maioria no congresso e constituinte, como na “Venezuela chavista”, na “Bolívia de Morales”, ou no “Equador com Correa” são anti-democráticas.

Se não é essa chuva de críticas estéreis, o que encontramos na grande imprensa são constatações/propostas tão estéreis quanto, como a “necessidade urgente de uma reforma política que não a proposta pelo governo”, mas a qual não sabemos qual é. E a ausência de um debate mais aprofundado na imprensa advém da própria precariedade das críticas e análises por ela feitas – análises que parecem ter sempre um grande medo de investigar as instituições e as leis para além dos seus mandantes de turno.

No caso específico deste último escândalo, o fato das eleições para dois poderes distintos ocorrerem simultaneamente já é algo que serve apenas para confundir o eleitor menos interessado. Afinal, quando a eleição do mandatário máximo da nação está em jogo, fica difícil prestar maiores atenções a esses quase 600 congressistas, que sequer se sabe ao certo para que servem (o que ajuda no retorno de deputados recém acusados de corrupção). Eleições separadas para executivo e legislativo (como ocorre nos EUA, por exemplo) já seria uma grande sugestão que aqueles que acham que este sistema é o que foi de melhor inventado até hoje poderiam fazer para melhorar o sistema representativo atual, pois ajudaria a deixar claro qual o papel do presidente, do governador, qual o dos senadores e deputados. Mas o medo de se criticar o sistema – ou a preguiça de se avançar a análise para além dos mandantes de turno – faz com que a imprensa não seja capaz de propor uma solução sequer.

Um último detalhe: o que nossa tradição republicana tem de mais marcante é o fato de ser uma “fábricas de escândalos”, seja no executivo, no legislativo ou no judiciário. A questão é saber quem decide quais desses escândalos entrarão no mercado, quais podem continuar ocultos sob os belos edifícios projetados por Niemayer.


Campinas, 07 de janeiro de 2006