quinta-feira, 19 de abril de 2007

Os especialistas e o maluco-assassino-suicida

Era plenamente previsível. Estava lá, bastava olhar para notar o perigo. Suspeitou-se, encaminhou-se para as instâncias legais, mas um juiz falhou, e por causa dessa falha, 32 mortes. Retroativamente, tudo é previsível. Todos os lances levam ao fim que realmente teve. Um determinismo científico que muitas pessoas – pessoas de poder! – não conseguiram notar a tempo. Problemas mentais, idéias suicidas, compras de armas, introversão... Estão aí as peças do quebra-cabeça do massacre do Instituto Politécnico da Virgínia. É o que nos diz a imprensa, ainda que o manifesto de Cho nos dê outras peças. Em quem acreditar? Nos especialistas com seus pós-doutorados ou em um maluco-assassino-suicida?
No maluco-assassino-suicida, sem dúvida. Primeiro porque ele tem a liberdade de falar tudo (ainda que provavelmente não use de toda essa liberdade). Segundo porque os interesses por trás dos especialistas são enormes. Já imaginou a paranóia coletiva ao se afirmar o óbvio: que acontecimentos como esse podem acontecer em qualquer lugar, a qualquer momento, e não há nada que possa prevenir?
Mas quando se mostra que as peças estavam todas lá, à mostra, e por pouco, muito pouco, não se evitou o massacre, as coisas ficam mais tranqüilas: as autoridades zelam por nós. Zelam mas, curiosamente, sempre falham. Talvez, para mostrar que não falham sempre, em breve teremos uma prisão espetacular, mostrada ao vivo em todos os canais dos EUA, repetidos à exaustão no resto do mundo, de um ex-quase-futuro assassino de colégio.
As peças do quebra-cabeça são sempre as mais estúpidas, mas nós acreditamos, pois é mais cômodo aceitar uma mentira boa do que se angustiar com a verdade dolorosa e que exige mudanças e sacrifícios. Problemas mentais, garoto problema, tentativas de assédio, idéias mórbidas, timidez. Se formos monitorar todas as pessoas que têm esse perfil, quanto da população não deverá ser enquadrada no sistema prisional? 20%? E se juntarmos o perfil dos atiradores de Columbine, pessoas que gostam de Marilyn Manson e se interessam por segunda guerra, 30, 40% da população seria enquadrada preventivamente? Mais do que 1984, acabaríamos revivendo O alienista.
"Casos como esse têm de ser encarados como problema de saúde. A grande questão é o estigma da doença psiquiátrica”, diz uma especialista brasileira. A doença psiquiátrica é que é estigmatizada ou a sociedade é que é tabu? A especialista ainda conclui: “é preciso intervir”. Sem dúvida, é preciso intervir, mas onde? No maluco-assassino-suicida que reclama de ser humilhado - óbvio -, e não na sociedade que o humilha. Cho diz no seu manifesto que “vocês tiveram tudo o que quiseram”, Mercedez, colares, propriedades, bebidas, boemia, mas que isso não preenchia as necessidades hedonísticas. A historinha do rei nu é velha, mas atual, e sempre esquecida por quem nós esperamos que lembrasse.
Está claro quem produziu mais esse massacre. Não reclamavam que era um garoto tímido, não popular, que não gostava de aparecer? Um “loser” (perdedor), na classificação corrente nos EUA e nos seus macaquitos amestrados pelo mundo? Pois eis Cho provando o contrário: um vídeo, 43 fotos, 1800 palavras, correndo o mundo todo. Quem é o perdedor?

Campinas, 19 de abril de 2007

terça-feira, 17 de abril de 2007

Quotidiano

Passear pela cidade é, no mínimo, desgostoso.
Nosso quotidiano de pequenos desrespeitos nos faz tentar ser insensíveis para que o mais banal dia-a-dia não nos doa. Mas tem dias que a gente acorda um pouco mais sensível.
E vamos nos revoltando e nos desgostando: é o carro que estaciona na faixa de pedestre, na entrada da ciclovia. A faixa de pedestre, esse desperdício de tinta e dinheiro, já que na maior parte das cidades do Brasil ninguém respeita, e a faixa fica ainda situada em péssimo lugar: o pedestre pode ser atacado dos quatro lados.
É o lixo pela janela do carro, pela janela do ônibus, na calçada. De gente que depois diz "ah, mas na Europa é tudo tão limpo... é que o povo lá é civilizado", como se viver nestes tristes trópicos fosse razão suficiente para se dispensar da civilidade, do respeito.
É a o senhor de idade que tem que enfrentar fila, já que ninguém dá lugar. É a grávida que faz valer seus direitos e é olhada com certo desdém. É a fila do ônibus, que é grande, mas que muita gente não respeita, pois se o fizer vai ter que ir em pé na viagem de vinte minutos. Revolucionários que falam o tempo todo de um mundo melhor, onde todos tenham carro, ou onde todos viajem sentados no ônibus, mas até lá preferem ir em carro próprio com ar-condicionado, ou então furam fila, porque a revolução até pode esperar, mas eles não.
É o sinal que serve só pra carros: o pedestre que se cuide!
Não acha local para estacionar? Que tal a calçada, está ali, à toa, mesmo. Tão irregular que praticamente não serve para pedestre andar. Mas você é um pedestre e quer andar pela calçada, onde carros estacionados o impedem de passar. Pode reclamar ao guarda, que está logo à sua frente, ele também estacionado na calçada.
Mas tudo passa. Uma hora nosso desgosto e nossa raiva também passam. Assim como o nosso quotidiano, que passa. Esses desrespeitos mesmo, quem sabe um dia não passarão? Enquanto isso nos guardamos para os grandes acontecimentos da nossa vida, os quais esperamos, mas que nunca vem.

Campinas, 17 de abril de 2007