segunda-feira, 10 de março de 2008

O pequeno gênio ou os grandes mentecaptos?

Leio a notícia do garoto de oito anos que passou no vestibular para direito e foi barrado pela universidade, mesmo tendo pago a matrícula. Não que o garoto não possa ser um gênio. Gênios surgem vez ou outra pela história da humanidade e muitos se mostram gênios desde a infância – vide Mozart, por exemplo. Mas não só por hábito cético, duvido um pouco de que seja esse o caso do João Victor Portelinha: fosse gênio e seria aprovado na Universidade Federal de Goiás, na Universidade de Brasília, não na Unip – reconhecida por ser o grande exemplo de McDonald's da educação.

Lembro-me que há dez anos, mais ou menos, quando estava eu na “nóia” de vestibular e a explosão das universidades particulares ainda era novidade, costumava-se chamá-las de “universidades ppp”: papai pagou, passou. Corridos dez anos, tais universidades deixaram de ser novidade, perdeu-se o espanto com essa situação, e mesmo o tal do ppp já não é mais tão real assim: com grande sobra de vagas nas universidades particulares, já nem se examina antes do holerite dos pais, aprova-se direto. Também não estou dizendo aqui que entram na Unip somente alunos fracos, ou que dela só saiam profissionais de segunda categoria. É fato que há uma grande diferença na média dos alunos das universidades públicas ou de ponta e das particulares caça-níquel. E quanto à formação, quem se faz é antes o aluno do que a universidade, é ele quem irá correr atrás de conhecimento extra-classe, extra-campus, ainda que a universidade (aqui incluído o contato com colegas e professores) tenha um peso relevante no rumo do aluno, no grau de conhecimento e maturidade que este irá adquirir ao longo da graduação.

Este um outro ponto: grau de conhecimento e maturidade, já que o pai diz que o garoto está preparado para cursar uma faculdade. É certo que a adolescência tem cada vez mais se prolongado. Se antes ela ia dos 15 aos 20, no máximo, hoje ela começa aos dez (vide a Folha de hoje) e chega aos 30 sem muito esforço (será?, sempre acho que manter esse nível, em qualquer idade, exija um grande dispêndio de energia). O fracasso da escola básica (pública e particular) e a imaturidade da minha geração são perceptíveis nas universidades, mesmo nas de ponta; mas essa imaturidade seria comparável a de uma criança que está começando a trocar a dentição, por mais madura que esta fosse? De qualquer forma, convenhamos que entrar na universidade com 17, 18 anos, para sair com 22, 23 é um absurdo. Por mais que não se seja um adolescente tardio, é só lá para o final da faculdade que um reles mortal costuma se dar conta (quando se dá) de como deveria ter conduzido seus estudos para aproveitá-la melhor, mas já é um pouco tarde, e não convém recomeçar (falo por experiência própria). A tal da maturidade desse eterno ensaio que é a vida, como diz Kundera.

Se os pais do pequeno gênio dizem que ele tem preparo para freqüentar a faculdade, podemos supor que ele tenha conhecimento e maturidade mínimos para tanto, ou seja, equivale a de um adolescente com o dobro da idade dele (não precisamos entrar nos detalhes desse adolescente proto-ideal-típico aqui utilizado). Aqui não se tem muito como levantar dúvidas quanto ao que os pais dizem, apenas hipóteses: estarão os pais do pequeno agindo de ma-fé, mentindo deslavadamente, somente para aparecer; ou serão apenas estúpidos, tão imaturos quanto uma criança de oito anos (normal)? Talvez nem um, nem outro, mas os dois.

O mais divertido em levar essa questão a sério (afinal, para receber tantos dias e tanto espaço no principal jornal do país, deve se tratar de um assunto sério a capacidade do aluno, e não somente a picaretagem da universidade) é que, em se provando a genialidade do pequeno gênio de Goiânia, resolve-se junto uma questão que tem causado discórdias e duelos filosóficos desde Péricles, pelo menos: o conhecimento viria das sensações ou estaria em um outro plano, no mundo das idéias? Se o garoto conseguiu resolver uma prova de matemática, física e química sem chutar e sem ter estudado essas disciplinas, como ele diz, prova-se que a linha defendida por Platão está correta, e o conhecimento nada mais é do que rememoração do que há em um mundo ideal (por favor, sem rigores filosóficos aqui, esta é apenas uma crônica leve em um momento de descontração). E assim sendo, acho que ele deveria ir logo para alguma universidade como Harvard, Sorbonne ou Tóquio, afinal, com esse acesso direto ao mundo das idéias, em questão de minutos ele deve aprender qualquer idioma, vivo ou morto.

Para encerrar. Como dizia aquela música do Marilyn Manson: nós estamos prontos para nossos quinze minutos de vergonha (ridículo). Para aparecer, faz-se qualquer negócio. E o pior é que a imprensa compra esse tipo de baboseira. Afinal, bizarrices são muito mais interessantes do que a miséria ou a vida de marginalizados analfabetos que caçam ratos.


Campinas, 10 de março de 2008

domingo, 24 de fevereiro de 2008

O português da portuguesinha

Apareceu no meu mensageiro instantâneo dia desses uma pessoa desconhecida. Ontem “teclamos” e fiquei sabendo quem era ela. Começamos a conversa, como não poderia deixar de ser, perguntando o nome. Se chamava Ana. Disse que lera algo que escrevi e que gostara. Agradeci e perguntei se ela lembrava qual texto. Disse que não se lembrava, e pedia que a tratasse por tu. Tu?! Pergunta retórica: “és portuguesa?”. Morava em Porto, tinha treze anos. Prosseguimos com a conversa. Conversamos algumas coisas de menor importância, como sói acontecer. Eu tentando lembrar da segunda pessoa do português, confundindo volta e meia com a do espanhol, precisando pedir auxílio a ela. Foi quase uma hora e meia de bate-papo (lembrando que conversa por escrito rende pouco), onde a Ana não me pareceu nenhuma garota super-dotada, ou mesmo muito além da sua idade, enfim, uma garota normal de treze anos (creio).
E aqui minha grande admiração (cheguei a comentar com ela): a Ana tem treze anos. No Brasil, isso corresponde à sétima e oitava série, caso não se tenha nenhuma reprovação. O português da portuguesa era impecável. Fazia as tradicionais abreviações para poupar tempo, como “gst” ao invés de “gostas”, “qt” para “quanto” e outras do gênero, mas na hora de escrever, salvo os de digitação (que ela corrigia a seguir), nenhum erro.
Em compensação, quando se vê os internautas brasileiros... A última flor do Lácio é violentada sem dó, nem piedade, nem consciência (o que é pior). Começa com a linguagem de internet, transferida para celular (telemóvel, como diria Ana), dos x, k e i. “Miguxus i miguxas kebrandu az leix du portugueix i du bom sensu” (não sou muito bom nisso, tentei me inspirar na comunidade “niilismu miguxu”, do Orkut). Coisa de pré-adolescente (que eventualmente, não tão eventualmente, se estende até a idade adulta), dirão alguns, que me acusarão de puritanismo lingüístico. Mas saindo desse extremo, não é difícil – muito pelo contrário! – encontrar “sorrizo”, “fasso”, “simplismente”, “conheçer” em mensagens escritas por universitários! Erros acontecem, é claro (só dar uma passada rápida e desatenta por minhas crônicas para comprovar). Ocorre que no Brasil eles se perpetuam.
Não defendo uma volta ao português estrito e morto de gramática, que serve como alguma referência e para concursos públicos. A língua é algo vivo e vai sendo adaptada conforme as necessidades das pessoas, dos locais, da história. Seria estúpido, por exemplo, falar que é errado, no Brasil, começar uma frase com pronome oblíquo. Outra coisa, porém, é desrespeitar o mínimo da padronização da escrita. Enquanto português falado, a única importância em se falar sorriso, faço, simplesmente ou conhecer é que estejam no contexto, façam sentido. Com a internet, tenta-se transferir a oralidade para a escrita. Poderia ser uma experiência muito interessante – reles mortais como nós tentando fazer o que Guimarães Rosa fazia (tenho um amigo mineiro que escreve “fazenu”, “chei”, “cansadin” e outras oralidades locais). Ocorre que a experiência de leitura do brasileiro é precária, e antes de se transmitir a oralidade se evidencia essa precariedade, em ortografia, em concordância, em pontuação (esquecia de comentar, muito pior que os erros de ortografia costumam ser os de pontuação. As pessoas simplesmente não sabem o que é vírgula! Imagine uma frase como “nao e vc”. Tem horas que nem o contexto explica se é “não é você”, “não, e você?”, “não, é você!”).
Difícil tentar imaginar onde começa o problema. Será isto apenas um problema da escola? Da metodologia anacrônica, dos baixos salários, das sofríveis condições de trabalho, da massificação sem qualidade? Mas não estamos falando só de alunos de escolas públicas, mas de alunos e ex-alunos de escolas de elite, de universitários, alguns de universidades de elite. Culpa da televisão? Mas será que em Portugal não tem tv? Não conversei sobre o quanto de televisão que Ana assiste diariamente, mas não me pareceu que fosse alienada do mundo da telinha. E se é difícil tentar descobrir o problema, o que dizer da solução.


Campinas, 24 de fevereiro de 2008