quinta-feira, 22 de maio de 2008

American way of live x manière française de vie

Se os Estados Unidos tem o american way of live para vender ao mundo, calcado na competição e no self-made man individualista; os europeus têm também seu modo de vida para consumo externo (e interno), pretensamente superiores: social-democracia, humanismo, alta-cultura, com seus escritores, intelectuais, orquestras, artistas. E, assim como tem os otários que compram a propaganda estadunidense, há também os otários, como este escriba, que compram a propaganda européia. Está certo que nos justificamos por justificavas que aparentemente são melhores do que as do modo estadunidense, mas os defensores deste acham que possuem a mesma razão, ainda que por razões diferentes. De qualquer forma, pouco importam as razões, elas não justificam a opção praticamente passiva por um ou outro modelo.
É sempre alentador quando um filme consegue fazer uma boa crítica de qualquer um desses modelos. Do american way of live temos mais facilidade em encontrar exemplos, do que do modelo europeu, já que é o modelo predominante. Às vezes é difícil achar uma crítica a ambos, ou pelo menos uma crítica a um dos modelos que não tragam escondida a defesa do outro. Pois é justamente o que Julie Delpy faz em seu filme Dois dias em Paris, na qual ela também interpreta a protagonista. Na verdade, esse tom do filme foi uma agradável surpresa. Ao ler a sinopse no jornal, que falava de um casal nova-iorquino que tenta recuperar o relacionamento em Paris, a cidade natal da protagonista, imaginava um drama, com diálogos existenciais. Não que o filme não tenha sua profundidade, mas ele quebra justamente com essa aura de seriedade. Na sinopse do cinema, falava em comédia romântica, termo que imediatamente me remete a Sandra Bullock e Julia Roberts, o que me trás arrepios. Se realmente se trata de uma comédia romântica, felizmente não segue o american way of romantic comedy.
Logo no início do filme, Jack, o namorado da parisiense (Marion), um americano que não sabe francês, paranóico com ataques terroristas e hipocondríaco, reclama do fato de ter que ficar na fila sob um céu nublado para tomarem um táxi, na saída da estação de trem. A mulher sai em busca de alternativa. Enquanto isso o grupo que está à sua frente na fila se apresenta como um grupo de cidadãos estadunidenses e pergunta se Jack não sabe onde está o Louvre. Ele diz que sim, que é ali perto e indica o caminho. A americana que pediu a informação agradece e confessa o quanto os franceses são metidos e pouco confiáveis. O grupo parte e quando Marion volta Jack já é o segundo da fila. Rebate a crítica de Marion por ter indicado o caminho errado - até porque o Louvre ficava há milhas de distância, segundo ela - dizendo que “os mais fortes sobrevivem”, logo, não pode ser acusado de ter feito nada de errado. Esse início é a chave para não imaginar que o filme, que no seu desenrolar vai se centrar na crítica aos pretensos círculos intelectuais e artísticos parisienses, irá fazer apologia do modelo estadunidense.
E o que se desenrola a seguir é uma sarcástica crítica aos ideais franceses – e europeus – que atacam de 68, na figura dos pais de Marion, como no próprio comportamento desta, aos ataques contra a globalização, feito por um gay-exotérico-lunático. Boa parte do desenrolar da história se dá em torno de temas sexuais, cantadas, encontros com ex-namorados, amantes, com algumas pitadas de preconceito, grosserias, falta de educação, racismo e rebeldia adolescente por parte dos personagens – e o filme se passa em círculos de artistas, escritores, fotógrafos, etc, teoricamente a nata do manière française de vie.
Enfim, uma sugestão para mais do que dar umas risadas, quebrar uns paradigmas.


Campinas, 22 de maio de 2008

quarta-feira, 23 de abril de 2008

A campainha

Cheguei em casa ontem no meio da tarde. Não deu cinco minutos e tocou a campainha. Olhei pela janela o pedaço de rua que me é permitido ver e não vi ninguém. Nesses casos, geralmente, não atendo: ou é para a casa da frente (cuja campainha é somente para os iniciados, tão escondida fica), ou é alguém vendendo algo que não preciso e não comprarei. Se fosse algum amigo meu, deveria saber que ou fica no pedaço que enxergo, ou liga para avisar que está tocando a campainha e quer ser atendido. Se é do correio, nunca falei nada, mas também ficam nesse pedaço que me é visível. Voltei ao meu afazer do momento, que era ler o jornal (saíra cedo e sequer tivera tempo de folhear antes de ir para uma aulinha na universidade). Mais dez minutos, e novamente a campainha. Repito a operação anterior, e não vendo ninguém, não atendo. Suspeito que talvez fosse as três meninas – na casa dos seus dez anos, não mais – que estavam sentadas em frente a casa ao lado quando cheguei, que estivessem fazendo uma das mais tradicionais traquinagens da sociedade contemporânea, tocar a campainha e correr (ou se esconder). A idéia me diverte, pois lembro de quando eu tocava a campainha e me escondia, quase ao lado dela: era evidente que era eu quem tocava e não era difícil me achar (se não me engano, uma vez me acharam, e tomei um pito). Será que ainda há isso em pleno século XXI? Volto ao meu jornal.
Por um longo tempo não fui incomodado pela campainha. Não contei, mas creio que deve ter dado uns quarenta minutos. Mas ela toca novamente. Novamente, ninguém a vista. Passo a suspeitar que, como já aconteceu uma vez, ela fora tocada há um certo tempo e o botão meio que enroscou, passando a tocar automaticamente de vez em quando, sem necessidade de ninguém para pressioná-lo. Saio com a cara fechada (não sei porque), para ver se é isso mesmo o que está acontecendo. Vou seguindo a passos duros pelo corredor que me separa da rua. Escuto, na casa ao lado, certo fuzuê. Ao abrir o portão que me leva ao pátio da frente consigo escutar uma das garotas, bastante eufórica, falar num sussurrante alto “ele abriu o portão! ele abriu o portão!”.
Vou até a campainha, verifico se não era mesmo problema nela. Na verdade, vou para não perder a viagem. Ainda tento manter no rosto o semblante fechado, de gente séria, de gente adulta, que não admite ser perturbado e ter seu tempo perdido por conta de uma besteira como essa, como a dizer “crianças irritantes! Não entendem que um adulto é ocupado demais para isso?”. Mas não consigo. Tenho um sorriso já estampado no rosto. Me seguro para não gargalhar alto e estragar a brincadeira das meninas. Volto a passos leves pelo corredor. Retomo o jornal. E me decepciono com as meninas terem cansado da brincadeira tão cedo.

Campinas, 23 de abril de 2008