terça-feira, 30 de setembro de 2008

Chama tua mãe

Não sei bem quando me veio a iluminação (até agora) esclarecedora. Acredito que foi ao fim da minha primeira graduação, quando me deparei com a indefectível pergunta sobre o futuro. O diploma era uma desculpa a menos para seguir fora do “mercado de trabalho”. Mas achei um álibi para permanecer mais tempo fora, me preparando.
Me preparando para o que? Para o mercado ou para a vida?
Foi aí que me dei conta de maneira mais nítida da distinção entre envelhecer e amadurecer. E desde então minha briga tem sido em nadar contra a maré e fazer com que à passagem do calendário eu amadureça e não me encaminhe para ser um velho (no sentido pejorativo do termo).
Isso não significa – eu não precisava dizer, mas faço questão de ressaltar – que eu vá tentar esconder as marcas que o tempo traz, pelo contrário: quem acabou de me conhecer já nota os cabelos um tanto ralos, e os de longa data, já me comentaram a marcante alteração nos traços. Inclusive tenho notado que são essas marcas que formam a beleza da idade (e da pessoa que as carrega): uma pele mais lisa é bonita em uma moça de dezoito anos, não em uma mulher de trinta, quarenta anos, ainda mais que da pele lisa pode-se imaginar que ela traz consigo uma razoável falta de maturidade e certa inexperiência – ainda que essa conclusão não seja necessária, ao menos quanto às moças de dezoito anos.
Todo esse preâmbulo porque hoje eu, com um quarto de século nas costas, desde 2000 morando fora da casa dos pais, os cabelos ralos e dois dias de barba por fazer, vou atender a alguém que toca a campainha. É uma mulher que munida de um Ford Fox vende travesseiros. Não me interessei. Mas voltei pensando nos meus amigos: boa parte empregado, muitos já casados ou em vias de, nenhum com filhos ainda – mais por terem “boa cabeça” e camisinhas sempre à mão –, todos já ganhando ou entradas, ou rugas, ou dores, ou peso, ou seus primeiros fios de cabelo branco, ou, como eu, perdendo cabelos. Pensei a quantos costuma ocorrer – ou há a possibilidade de acontecer – de, ao atenderem uma vendedora, escutarem: “chama tua mãe e pergunta se ela quer comprar travesseiro”?

Campinas, 30 de setembro de 2008

domingo, 28 de setembro de 2008

Um futebol de domingo

Era para ser uma pelada de domingo de manhã, nada mais. E dava a impressão de que assim seria. Estávamos em cinco e esperávamos por mais gente, para completar dois times e começar a jogar. Batíamos bola – uma bola de futebol society – enquanto isso. Foi quando chegaram duas pessoas mais, uma delas trazendo uma bola de salão (não por acaso mais apropriada para quando se joga futebol de salão). Trocamos de bola para continuar aquecendo. E quando a bola de salão parou nos meus pés, senti que o que eu tinha ali não era uma bola, mas meus doze, treze anos. A partir desse instante, pela próxima hora, aquele não seria mais um simples jogo de domingo de manhã, mas meus velhos jogos de fim de tarde, de segunda à sexta, quando a chuva não caía bem na hora e tirava o ânimo de subir o morro.
Olhei para o lado, onde estavam o Pilati, o Fido, o Tobias, o Rodolfo, o Odená – que tinha um fusca pintado igual ao do filme Se meu fusca falasse, e, por ser mais velho, se sentia no direito de não jogar no gol –, o Cristiano (que tudo mundo queria pro seu time, já que não se incomodava em jogar de gol), entre outros?
Esperamos um tempo mais, ver se chegava mais alguém. Não chegou. Chamamos algumas pessoas que também procuravam mais gente para jogar. Olhei um tanto receoso: na minha experiência de mais de uma década atrás, gente que vem de fora costuma jogar mais sério, dar mais porrada, reclamar mais. Foi isso que acabou com aquele grupo que por três (ou seriam quatro?) anos se reunia quase religiosamente às 17h30 na quadra do meio do Patão, de segunda à sexta.
Contudo, os tempos são outros, e o grupo é outro também. Não é só uma década que me separa daquele grupo, como uns mil quilômetros de distância, em média. Mas alguma coisa ali me fez me sentir que eu era o mesmo. A bola pesada na quadra de cimento, na qual é bom não cair para não se ralar? Eu na ala esquerda lamentando que não sei rodar e tentando ver se alguém no meu time tinha afinidade ao jeito que eu jogo? De qualquer forma, tratei de jogar como jogava antigamente (e como ainda jogo atualmente): para me divertir, desestressar e não para arrumar briga. Coisa que aprendi com o tempo e não sabia aquele tempo: tratei de ignorar e mesmo fazer piada e rir do colega de jogo que não parava de reclamar: estava lá para brincar e nada mais. E como toda brincadeira, jogava sério o suficiente para marcar gols e descontraído o bastante para não me incomodar em perder ou ganhar. Perdi o jogo, mas saí me achando o melhor em campo, como todo mundo.
Na volta, voltei tentando encontrar a escola onde estudei na pré-escola, a Associação de Pais e Mestre, onde casais mais ou menos na mesma idade que eu se escondiam para subverter os costumes – ou ao menos assim pensavam fazê-lo –; a casa onde morava uma família de negros (isso é marcante em uma cidade onde praticamente todo mundo é branco de ascendência italiana ou alemã), a casa onde tinha um são bernardo, a outra em que um dia eu tinha entrado para ver um tucano; a casa dos padres, quase caindo aos pedaços, e a dos Nezelo, que tinha um carrão antigo, banheirão, com velocímetro em milhas e marcha do lado do volante, e um porão cheio de peles (e pulgas). Eu me pergunta se iria assistir tv ou jogar mega-drive ao voltar para casa. Quem sabe passar na locadora alugar uma fita?
Porém não foi isso que encontrei pelo caminho. Encontrei uma avenida vazia, que pelo silêncio até lembrava o caminho de outrora até minha casa. E foi tudo. Pouco depois de vencer essa avenida, ao me deparar com ruas mais movimentadas, me deparei também com os pequenos desrespeitos quotidianos que preciso engolir diariamente. Eles foram me trazendo de volta para a casa de agora. Quando finalmente abri a porta, senti uma dor nas costas – antigamente eu não me contundia a cada jogo que jogava –, e me vi preocupado com o que fazer para o almoço. Eu voltava a 2008. 1995 ficava perdido em algum canto da minha memória, esperando ser iluminado por uma próxima bola de salão em uma quadra de cimento sob o sol de primavera.

Campinas, 28 de setembro de 2008