sexta-feira, 26 de junho de 2009

17 breves considerações sobre a greve 2009 na Unicamp (e nas estaduais paulistas)

1.
Sobre a greve dos funcionários, estopim das mobilizações 2009: começar praticamente de cara com uma greve para lutar por migalhas e esmolas é demonstração de incompetência: uma paralisação no dia da matrícula e outras demonstrações de organização e mobilização no correr do semestre e dificilmente seria necessário o apelo a um recurso extremo como greve por tão pouco.
O problema é estar organizado e mobilizado.

2.
Não resta dúvidas que a greve 2009 foi tocada por profissionais. O que se esquece de se perguntar é a serviço de quem estão esses líderes grevistas.

3.
Talvez eu esteja me tornando desatualizado também em política, nestes tempos de flash mobs, petições online e congêneres. Porém sempre tive que uma greve fosse fruto de mobilizações e não as mobilizações fruto da greve.

4.
A greve dos estudantes é o que há de mais patético e imaturo. O principal motivo para a greve 2009 é que não houve greve em 2008. A etérea pauta de reivindicações foi necessária porque, por mais que se queira, greve ainda não consegue se justificar por si só, como o carnaval ou as bienais de arte contemporânea. Apesar que a greve dos alunos já é quase uma "Bienal do vazio B".

5.
Elegeram a Univesp para tema da greve, como se ela tivesse sido criada e posta em funcionamento com um ato performativo, assinado em 29 de fevereiro de 2009. A Univesp é um projeto que está sendo elaborado e sobre o qual se trabalha já há um bom tempo. No IFCH ele é sabido desde 2005, pelo menos. Poderia ter havido mobilização desde então. Isso implicaria, contudo, em uma desculpa a menos para uma futura greve, ou ela tardaria mais para começar, porque precisariam buscar outro motivo (até porque já não temos mais a Alca e o FMI para gritar contra).

6.
Até agora não vi nada que condene a Univesp a ponto do projeto necessitar ser abortado. Há falhas problemas erros, mas passíveis de serem sanados. Como a Unicamp tem falhas erros problemas que pode(ria)m ser resolvidos, sem necessidade de fechar a universidade.
Brigar por correções no Univesp seria bem mais simples e realista do que contra o projeto todo, mas isso implicaria um mínimo de responsabilidade pelos seus atos por parte do sindicalismo estudantil (e dos professores).
As críticas mais contundentes à Univesp acabam por desabonar todo o sistema universitário brasileiro.

7.
O principal motivador dos alunos contra a Univesp é o medo. Primeiro o medo do novo (o sindicalismo estudantil é conservador, não esqueçamos). Segundo é o medo de que a formação de um aluno baseada em teleaulas com possibilidade se serem ministradas bons professores seja melhor do que sua formação baseada em aulas presenciais com pesquisadores sem didática, que odeiam dar aulas e só o fazem porque são obrigados.
Quais fins atende um uma formação baseada nessa relação professor-aluno? E que fins deveria ter uma universidade de pesquisa e uma universidade de ensino?
Querem educação de verdade mas nunca pararam para pensar em educação. Ou no que for.

8.
As reiteradas alusões a maio de 68 por parte dos militantes do sindicalismo estudantil mostram mais do que um saudosismo retrógrado e anacrônico, demonstram ignorância: as condições da França em 68, com um sistema de produção de produtos entrando em crise e um estado de bem-estar social engasgando, são sensivelmente diferentes das condições do Brasil em 2009, com uma crise aberta do sistema de produção de lixo, um proto-estado de bem-estar social mutilado e a ideologia neoliberal (temporariamente!) em descrédito geral. Depois, as irrupções de maio de 68 não surgiram de repente, por geração espontânea. Foram um longo processo de mobilização e gestação, do qual participaram pessoas minimamente inteligentes. Estrasburgo 66 talvez seja o mais famoso evento pré-68. Certamente não foi o primeiro. Mas serve para ilustrar que maio de 68 não foi organizado a partir de 21 de abril do mesmo ano.

9.
A greve de 2009 é conseqüência da greve de 2007.
Há dois anos dizia-se que se todo o poder não estivesse dentro da universidade, isso seria o fim da autonomia universitária. Esqueceram de ver como esse poder pode ser exercido aqui dentro. E os grevistas de 2007 venceram. E aí está a defendida autonomia universitária: a reitora da USP chama a polícia para "negociar" com os grevistas.
A reitora agradece aos militantes do sindicalismo estudantil e demais grevistas por 2007.

10.
Pior foi ver os militantes do sindicalismo estudantil da Unicamp comemorando a ação da polícia. Porque depois da ação finalmente havia um "bom motivo para entrar em greve", como disseram reiteradamente na assembléia.
O sindicalismo estudantil e o gado que o segue agradecem à reitora por 2009.

11.
Para não ficar tão na cara que uma mão lava a outra nessa greve de aparências, agora pedem a saída da reitora, como solução para os desmandos que o reitor tem o poder de cometer. No máximo questionam a eleição para reitor, nunca a hierarquização e a estrutura de poder que rege a universidade - de dentro e de fora.

12.
A ingerência externa na universidade é hoje o que sustenta a universidade, e é aplaudida e buscada, mesmo pelos conservadores esquerda. Se criticam a presença de empresas ou qualquer coisa voltada para o mercado, aceitam bovinamente, religiosamente tudo o que vem das agências de fomento à pesquisa. Que são, pouco importa as diferenças, instâncias externas à universidade e regidas sabe-se lá por que interesses. Ou melhor, é sabido por quais interesses, mas basta pôr um pouco de dinheiro na mão de alunos e professores que eles aceitam esse suborno sem peso na consciência e calam qualquer crítica - sua ou alheia.
O máximo da crítica é que o conceito do programa de pós caiu a quatro.

13.
E em meio a acaloras e bastante estéreis discussões sobre se a reitora da USP deveria ter chamado a polícia ou não, coube a um professor declaradamente de fora do meio sindical, Vladimir Safatle, lembrar-nos que havia uma questão um pouco mais fundamental do que a do "chama-não-chama": quais as raízes do problema que levaram ao ponto de se discutir PM ou não PM?
A resposta é simples, ainda que não simplória: é impossível dialogar (quanto mais negociar) com uma porta.
Sem querer ser saudosista, ainda mais de um tempo que sequer vivi, mas Figueiredo ao menos era um pouco mais sincero, talvez até um pouco menos bronco. E por não ser do meio acadêmico ele até conhecia o cheiro de povo!

14.
Pior do que a greve, só as manifestações anti-greve. Um bando de imbecis ultra-reacionários que tentam produzir factóides, porque sabem que não tem razão: o sindicalismo estudantil pode ter pouca legitimidade, mas tem mais do que esses precários alunos. Se tivessem realmente interesse em acabar a greve, utilizariam seu poder de flash-mobilização, se organizariam para ir à assembléia e fazer vencer a proposta do fim da greve (porque a maioria dos estudantes, isso é perceptível, é contra a greve, por diversos motivos).
Vencer o sindicalismo estudantil com suas próprias armas o poria em aporia: ou acata a decisão da maioria, ou dá razão às críticas de que é autoritário e acaba de vez com sua parca legitimidade.

15.
A depender do sindicalismo estudantil, sabemos o que acontecerá depois da greve. Poremos um Chico na vitrola e cantaremos todos juntos "Mas para meu desencanto/ O que era doce acabou/ Tudo tomou seu lugar/ Depois que a banda passou/ E cada qual no seu canto/ Em cada canto uma dor/ Depois da banda passar", preocupados em reposição de aulas ruins, em tirar boas notas, em agradar aos professores e em preencher corretamente os formulários da Fapesp.

16.
Porém, a depender de certo sentimento difuso entre muitos estudantes, pode ser que voltando à normalidade, retorne-se à busca por novas formas de ação e organização, que experimentem e polemizem, que passem ao largo do sindicalismo e que tomem o espaço deste. Ótimo exemplo desse tipo de experimentação foi o Departamento de Estética Marcel Duchamp. Sem dúvida há espaço para mais.

17.
Em tempo: não sou contrário ao recurso da greve. Me oponho à sua banalização, à sua transformação em pastiche de mobilização, usado para encobrir os objetivos de desmobilização que regem as ações do sindicalismo estudantil, representantes de uma pretensa verdade política que só eles conhecem e não conseguem expôr ou explicar ao grande público.
No fundo, sua defesa da democracia e autonomia na universidade se resume à máxima do Millôr: "Democracia é quando eu mando em você, ditadura é quando você manda em mim."


Campinas, 22-26 de junho de 2009


ps: http://comportamentogeral.blogspot.com/2009/05/mediocridade-e-conservadorismo-na.html

quinta-feira, 25 de junho de 2009

O consumo da infância

Dia desses comprava algo em uma cantina da universidade, e a televisão ligada no jornal do meio dia da Rede Globo berrava a reportagem. Falava sobre o primeiro beijo, o qual hoje costuma ser dado aos cinco, sete anos de idade, dizia a repórter. Não me detive para assistir à reportagem. O tom até então era apologético dessa precocidade dos pequenos em “demonstrar o afeto” caçando o sexo oposto.

Diante desses absurdos (o assunto da matéria e o tom da reportagem), na hora me lembrei do autor situacionista Raoul Vaneigem, que na década de 1960 já escrevia em seu livro A arte de viver para as novas gerações que “a própria infância é lentamente colonizada pela sociedade de consumo. Os menores de dez anos já são uma categoria como os teenagers na grande família dos consumidores: consumindo a infância ao invés de vivê-la, a criança envelhece em tempo recorde” (p. 228). A reportagem trazia isso bastante evidente: havia ali crianças, mas não infância. Mini-adultos-adolescentes que aos dez anos terão sua primeira ruga; aos doze, cabelos brancos e aos quinze já terão experimentado (consumido) tudo o que dizem que há no mundo para experimentar (consumir), sem nenhuma vivência de fato. E que aos trinta continuarão se portando igual aos dez, mas com o próprio dinheiro.

Lembrei também de um amigo da infância. Deu seu primeiro beijo bem depois dos cinco anos, mas desde cedo aprendeu a ser um adulto responsável, cumpridor das suas tarefas. Sempre teve todos os seus horários para o dia bem estipulados pelos pais: tal a tal hora, estudar; tal a tal, brincar; depois, aula; na volta, brincar; aos doze anos, tomar Prozac; tal a tal hora, treinar caligrafia; a seguir, estudar flauta; depois, tomar banho e jantar; a tal hora, ler a Bíblia e rezar, e por aí adentrou a idade adulta, sempre eficiente (apesar de não conseguir estipular minimamente uma rotina pra si). A última vez que o encontrei estava com a vida bem encaminhada e feliz… como só o Prozac é capaz de deixar.



Campinas, 25 de junho de 2009
Publicado em www.institutohypnos.org.br