quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Para além da técnica

Saiu na Folha de domingo uma reportagem que promete esquentar um pouco mais as discussões entre aqueles que acham que a solução da educação está em aumentar o salário e pronto, como, por exemplo, a Apeoesp, e aqueles para quem a precariedade da educação nacional se resolve com metas quantitativas e métodos eficientes de controle e punição, como para o Paulo Renato e o PSDB e o movimento Todos pela Educação. Enquanto esses dois grupos disputam para ver quem tem mais razão e menos bom senso, eu vou falar de enfermagem.
Mais especificamente, falarei dos técnicos em enfermagem, ou melhor, técnicas – já que homens na profissão são raros, principalmente por conta do preconceito. Linha de frente no hospital no contato com os pacientes, a enfermeira, óbvio, precisa ter o conhecimento técnico da profissão na ponta dos dedos. Achar veia aplicar injeção limpar o paciente fazer inalação trocar roupa de cama ministrar remédio pôr sonda. Se não souber fazer isso não pode ser enfermeira (ao menos assim esperam os pacientes). Ocorre porém que se esse conhecimento é necessário, somente ele não é suficiente para ser uma boa enfermeira – por mais que tenha primor na técnica. Uma enfermeira precisa também saber aplicar injeção de ânimo, fazer ventilar do quarto o clima pesado de hospital, ministrar doses corretas de atenção. Umas fazem isso de maneira mais tagarela, outras mais silenciosas, porém precisam ir sempre além dos procedimentos. Em outras palavras, enfermagem exige uma técnica, mas é também uma arte: depende muito do lado humano da pessoa, de estabelecer uma relação de confiança entre ambos, de sentir qual é a do paciente e trabalhar de maneira sutil e intensiva para sua recuperação, para que o paciente saia dali o quanto antes.
Falo de técnico de enfermagem, porém um raciocínio semelhante pode ser aplicado a qualquer profissional de saúde. Como também a qualquer profissão que trata diretamente com pessoas. Políticos, administradores, burocratas e tecnocratas lidam com planilhas, números, gráficos.

Pato Branco, 08 de outubro de 2009.

Publicado em www.institutohypnos.org.br

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Álcool e direção: responsabilidade social?

Ao fim das corridas, comemora-se com champanhe. Nas pistas e nos carros desfilam marcas de vermute e uísque. Na transmissão da tv Globo, o anúncio de uma marca de cerveja. O circo da Fórmula 1 é custoso e é preciso bancá-lo. Pagando bem, que mal tem, se pergunta hoje em dia. Non olet, dizia há muito tempo Vespasiano. Enquanto isso, as estatísticas de acidentes de trânsito também non olet, ao menos enquanto não for alguém próximo o atingido por um motorista bêbado querendo mostrar que poderia ter sido mais rápido do que o Barrichello.

É de conhecimento geral que quanto mais rápido, pior a pancada. Como é de conhecimento geral que os reflexos ficam prejudicados sob os efeitos do álcool. Felizmente quase todo motorista é tão bom que mesmo a 200 km/h não há risco algum de acidente – quem bate são aqueles barbeiros da F-1. Assim como quase todo motorista, por um efeito rebote ainda não explicado – sequer diagnosticado – pela ciência, dirige melhor levemente alcoolizado. O resultado dessas felicidades é que o excesso de velocidade e o efeito do álcool são as duas principais causas de acidentes automobilísticos no país.

A F-1 é um esporte, corre em locais específicos, sob regras específicas que devem ser respeitadas pelos participantes, ficando claro que se trata de algo diferente de ruas e estradas, onde as regras são também diferentes – daí porque um F-1 chega a 300 km/h e um carro não deveria passar dos 100 km/h. Mas de qualquer forma são carros em alta velocidade correndo em meio a propagandas de bebidas. Alguma coisa errada há. E o duro é que estamos tão acostumados que sequer nos damos conta desse absurdo que é pinga patrocinar esporte a motor – até porque o vilão da vez é o cigarro.

Pior é ver jornalista rodado, professor acadêmico – sem entrar no mérito das universidades em que leciona -, dizer que marca de uísque pôr nome de bebum em capacete de piloto é programa de responsabilidade social. Está no blog do Erich Beting. Ele compara essa ação à da equipe Honda, que havia vendido espaços em seus carros para foto de torcedores, destinando o dinheiro arrecadado a uma causa social. Se a indústria de bebidas quisesse ter um programa de responsabilidade social verdadeiro, bastaria parar de fazer propaganda. Temos aí o exemplo da maconha. Não há qualquer propaganda – salvo quando a polícia resolve prender banda de rap, acusando-a de apologia, mas isso faz tempo que não acontece mais – e o consumo segue crescendo. E olha que fumar maconha dá problemas com a justiça, enquanto tomar um pileque só dá ressaca no dia seguinte.

Beting termina seu texto dizendo que tal ação “é uma boa forma de mostrar como o esporte pode ser aliado a questões de responsabilidade social”. Da minha parte, parece ser antes uma boa forma de mostrar que os jornalistas necessitam de um pouco de crítica antes de reproduzir os comunicados de imprensa que recebem das empresas.


Pato Branco, 02 de outubro de 2009.

Publicado em www.institutohypnos.org.br