quinta-feira, 6 de maio de 2010

Os suspeitos de sempre

O ônibus estava na rodovia Castello Branco, menos de cem quilômetros de São Paulo, quando teve que parar para revista da Polícia Rodoviária Federal. Normal, é trabalho da polícia, ainda mais quando o veículo vem da região de fronteira com Argentina e Paraguai. Mas os policiais pareciam desconhecer esse detalhe, a rotina era de rotina. Normal, de qualquer forma.

Estávamos em uns vinte e cinco passageiros. No meio do ônibus, dois policiais se detêm diante do primeiro suspeito: um negro. Pedem documentos, mandam ficar em pé, revistam, abrem a bagagem de mão, perguntam o que faz da vida, o que pretende fazer em São Paulo. Outros dois policiais entram e seguem para o fim do ônibus, em busca de novos suspeitos. Encontram-no no banco ao lado do meu: um rapaz moreno. Mesmo procedimento acima descrito. Para não parecerem preconceituosos, repetem uma vez mais, agora com um branco, amigo do moreno. Os dois são obrigados a descer, para uma geral mais bem dada.

Nisso um dos policiais vê um volume suspeito em meu bolso e põe logo a mão. Era um spray de mel com própolis para a garganta. Pergunta se sou brasileiro, o que levo na mochila, o que faço da vida, se fumo. Respondo secamente. Sim, pertences pessoais, estudante, não. "Nem do fumo bom". Me recuso a responder tal pergunta, ainda que a vontade fosse devolver com outra pergunta "por que, está com vontade", e ele se afasta. Os dois amigos voltam, pouco depois recebem seus documentos, eram joões ninguém sem nada suspeito. A viagem segue, "vai com Deus", diz o policial que devolveu os documentos aos dois, não sei se numa tentativa de consertar a antipatia ou se por mero cacoete religioso, mesmo.

Falta de respeito, de educação, de cordialidade, grosseria, preconceito, escárnio (esqueci de contar que os policiais se divertiram com a foto em um documento do primeiro suspeito). Isso que era Polícia Federal abordando pessoas de classe média. Não preciso tentar imaginar o que não seria a Polícia Militar na favela. Muito se fala em melhorar a imagem das polícias frente a população. Não sei se o percurso é longo ou curto, sei apenas que não começaram sequer o óbvio.


Campinas, 06 de maio de 2010.

sábado, 1 de maio de 2010

Control Z

As novas tecnologias influenciam para muito além do seu raio de ação o dia-a-dia das pessoas, reverberando até em seus sistema de crenças. Uma delas, por exemplo, é a crença - a esperança, ao menos - na universalidade do "control z". Porque se o "backspace" foi uma evolução, ao permitir que se apagasse o que se digitara errado, o control z foi uma revolução que permitiu desapagar o que fora apagado sem querer. E se expandindo para além do editor de textos, se tornou ferramenta essencial ao computador. O sonho de muitos é que a vida possuísse um control z, de forma que voltaríamos ao estágio anterior a um equívoco, pronto para tentar novamente, sem qualquer vestígio a apontar as tentativas frustradas.

Mas a vida não possuí control z, assim como ele não funciona para tudo num computador.

Fui instalar a nova versão do Ubuntu no meu pc. E eis que, ao invés de mandá-lo para o espaço no HD já reservado para ele, fiz não sei o quê que mandou tudo o que eu tinha no HD para o espaço. Ao ver a ca...racterística do que tinha feito, abortei a instalação, voltei ao estágio anterior. Tarde demais. A me...dida feita anteriormente não permitia control z ou similar. Resultado: perdi meus arquivos - dos quais possuo cópia da grande maioria, felizmente -, e já mais de doze horas nessa brincadeira, sem conseguir consertar o coiso.

Quem me conhece deve estar se perguntando qual a novidade em eu apagar o HD, sendo que as primeiras vezes eu ainda fazia isso em um winchester. Novidade há, sim: pela primeira vez faço isso em meu computador, e não no do meu pai, que perdeu a conta de quantas vezes teve que respirar fundo quando eu chegava para avisá-lo que acontecera qualquer coisa inesperada e... e os computadores são assim, sem control z para tudo.

Se computadores são assim, o que dizer da vida. E parte dela - doze horas, por enquanto - vai-se à toa, por conta, por exemplo, de paus em computadores, sem controls zês salvadores.


Campinas, 01 de maio de 2010.