domingo, 13 de fevereiro de 2011

Ultrarromantismo e aprovação

Em seu Doutor Pasavento, Vila-Matas conta a história de um escritor catalão que resolve fazer como Agatha Christie fez em 1926: sumir sem avisar. Porém, contrariamente à inglesa, passam-se os dias e ninguém dá pelo seu desaparecimento – a editora francesa ou o porteiro de seu prédio, já que os pais e a filha estão mortos, a ex-mulher o odeia, e sua fama não o faz merecer nota em jornal. Estranha conseguir desaparecer tão fácil, na rua Vaneau, em Paris. Seu próximo passo é conseguir desaparecer de si, encontrar sua própria Patagônia – conforme a descrição do escritor W. H. Hudson –, ou “sentir-me senhor de mim mesmo, sem a carga de um nome”, como se regozijava em suas viagens William Hazlitt – ser seu ídolo Robert Walser, no fundo: desaparecer sendo.

Reconheço que essa idéia de desaparecer me parece muito interessante. Há a vida e os medos, contudo, que fazem com que ela seja interessante apenas em idéia. E um dos medos é justo o de ser esquecido.

Esquecido, certamente serei. Como esquecerei boa parte das pessoas com quem conversei ou convivi um dia. A angústia vem de imaginar que certa pessoa possa me esquecer – me esquecerá, logo ela, tão importante para mim? E não adianta lutar contra o esquecimento, que conseguir arrumar um lugar na memória à força, se plantar como uma estátua na cidade, pode ajudar a não ser esquecido, mas é uma vitória de Pirro – melhor ser esquecido, isso abre chances para ser recordado. Porque as recordações pessoais, elas só tem o colorido que as tornam singulares – não necessariamente positivas – quando espontâneas.

Quinta-feira abro o e-mail e vejo uma mensagem com o título “Ultrarromantismo e aprovação”, de uma Julia que desconheço. Deve ser alguém que se lembrou de mandar material para a próxima Casuística, pensei – sendo que terceira edição, por problemas técnicos e enroscos acadêmicos, ainda sequer foi lançada. Pois não era. A tal da Julia eu conhecia, sim, apenas não me lembrava dela. Havia sido educanda num projeto de educação popular que participamos há quatro anos, e me escrevia para contar que passara em letras na USP – e que eu tinha sido, nos tempos idos, uma das pessoas que redespertara nela o interesse por literatura.

Fiquei feliz pela sua aprovação. Sei que nada ajudei com o vestibular, mas saber que tive lá minha pequena dose de incômodo que a fez escolher letras, a ponto dela se dar ao trabalho de me avisar do seu sucesso, me deixou muito contente. Tentei contar desse meu contentamento na minha resposta a ela, não consegui. Como agora.


Campinas, 13 de fevereiro de 2011.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Utilidades básicas de um celular

Não é novidade para mim que um aparelho novo não é um facilitador da vida apenas, mas um transformador da percepção, da relação do indivíduo com o mundo e, em larga escala, do próprio mundo. Mesmo assim, insisto em me surpreender quando me dou conta dessas banalidades.

Começo com um exemplo tirado dos livros. Conforme McLuhan, o estribo, introduzido na Europa na Idade Média, foi responsável primeiro por maior firmeza sobre o cavalo e, a partir disso, permitiu em combate um tranco muito maior contra o adversário que não se utilizava da pecinha. Quando ambos a utilizavam, a alternativa era se guarnecer. Surge daí a figura do cavaleiro, cujos altos custos de construção da armadura fizeram com que só a nobreza tivesse condições de se dedicar à arte da cavalaria, e apenas parte o fizesse, o que trouxe conseqüências muitas para o correr dos secúlos subseqüentes.

Enfim, pouco entendo de Idade Média e de cavalos, e antes de me enroscar, melhor vir logo para a cidade e os tempos atuais – ainda que cavalos possam ser vistos pela Av. Paulista, sempre com estribos, eventualmente com símbolos medievais.

Ter um carro não significa apenas se mover com mais rapidez e agilidade pela malha urbana. Significa uma outra relação o tempo: o número e a forma de organizar compromissos é alterado de maneira considerável. Significa ver a cidade de outra forma. De início conheci São Paulo por carro apenas, apresentada por meu tio. Desde 2008 resolvi me perder pelas ruas do seu centro e conhecê-la à pé. De uma cidade feia, hostil e que me assustava, ela se tornou uma cidade habitável e bonita, ainda que siga feia, problemática, caótica, às vezes até hostil – não o suficiente para que agora eu não deseje morar nela.

Enquanto me enrolo para trocar de ares, já que Fuvest não ajuda, amigo meu que também resolveu mudar para a capital avisou que um celular ajuda muito na hora de procurar apartamento. Acreditei nele, não via porque deveria desacreditá-lo: não é dos chatos que ficam tentando me convencer que celular é como se fosse um umbigo pós-moderno. Como sobrava um na casa de meus pais, resolvi trazê-lo, ainda que, sinceramente, não soubesse no que ajudaria – isso ele não explicou, por ser muito óbvio. A utilidade mais plausível que consegui imaginar foi a facilidade de um corretor me encontrar.

Pois semana passada, saindo da Unicamp, vejo um rapaz que pára defronte a kitnets com placa para alugar. Do bolso saca o celular. Agil com os dedos, liga rapidamente para a imobiliária e pede informações. Caramba! Então é assim que o celular ajuda?!


Campinas, 08 de fevereiro de 2011.


(na foto, cavalos e vaquinhas, todos com estribo, na Av. Paulista, no dia mundial sem carro de 2010, sobre o qual faço alguns comentários no texto "Dia da piada do dia sem carro", que vem sem esta ilustrativa foto, por eu não ter máquina digital e demorar para revelar os filmes).