domingo, 12 de junho de 2011

Homossexual: um doente da cabeça.

Há uma coisa que assusta mais do que as vitórias políticas do movimento reacionário encabeçado pelos evangélicos – mas que conta com amplo apoio de setores do catolicismo, não convém esquecer, a diferença está que estes são mais discretos. São as vitórias ideológicas, sutilmente presentes no discurso. Pois as derrotas dos projetos de avanço dos direitos civis podem ser revertidas, por mais que isso exija mobilização e pressão. Não é tarefa fácil, mas é facilmente identificável.

Quando se adentra a esfera do discurso, tudo se torna mais esfumado: difícil de perceber, difícil de saber até onde vai essa luta ideológica, difícil de se organizar de tal modo que a oposição tenha efetividade. Por exemplo: qual linha divide o combate aos preconceitos presentes na fala comum do patrulhamento de um politicamente correto pernicioso ao que se pretendia defender?

Quando falo em discurso, falo do discurso quotidiano, meu, seu, de qualquer um do dia-a-dia, e não aquele encampado na última eleição por José Serra (PSDB) do “Brasil, o país do aborticídio” ou, ainda que sem a mesma verve de fim de mundo, pela candidata paz e amor (e moralismo) Marina Silva (PV). É aquele discurso que ainda acha graça em piadas as mais batidas com minorias, como um certo ex-presidente da República filiado ao PT um dia fez sobre Pelotas, é o discurso que vê na figura do diferente uma ofensa, como para o senador Roberto Requião (PMDB). Enfim, é o discurso que corre de boca em boca e de tão banal praticamente não notamos.

E o que tem passado despercebido é a volta da homossexualidade como doença. Não apenas nos círculos moralistas, onde nunca deixou de ser doença, pecado, coisa do demônio, como na grande imprensa – que inconscientemente tem incorporado esse discurso reacionário. Botulismo é provocado por bactérias, raquitismo, por má alimentação, hipertireoidismo é uma doença do metabolismo, e homossexualismo? Seria do caráter? Da moral? Ou é genético? Quais as formas de transmissão? Contato visual, respirar o mesmo ar, a simples existência do gay? Um filme institucional estadunidense dos anos 1950 já alertava:Homossexualismo é uma doença, cuidado. Uma doença que não é visível, como sarampo. Mas não menos contagiosa, uma doença da cabeça”.

Não me surpreenderia se em breve na Record, no horário do pastor RR Soares, na missa do Padre Marcelo, na Rede Canção Nova, no horário eleitoral de algum partido, aparecesse uma nova versão desse filme, atualizado para o século XXI, mas com a mesma mensagem – reacionária já em meados do século XX.

O que me surpreende, de qualquer forma, é seguir havendo esse mesmo discurso, esse mesmo pensamento, e essa gente continuar achando que é ela quem está bem da cabeça.



Campinas, 12 de junho de 2011.


ps: peguei a referência do filme do blogue do Marcelo Rubens Pavia.

http://www.youtube.com/watch?v=v3S24ofEQj4&feature=player_embedded

quarta-feira, 1 de junho de 2011

O direito ao preconceito e à intolerância

Acho que já é passada a hora do PSDB mais do que fazer um mea-culpa, agir para tentar reparar todo o obscurantismo que seu candidato à presidência de 2010, José Serra, autorizou e fortaleceu sobremaneira.

Aproveitando-se do momento de fragilidade do ministro da casa civil, Antônio “pepita de R$ 20 milhões” Palocci, a frente parlamentar evangélica, liderada por Anthony Garotinho (PP), mostra bem a interpretação bíblica sui generis que esse grupo de eleitos representa: ao invés do “ofereça a outra face”, o “é dando que se recebe”. Poderia ser só na política, na negociação de verbas e migalhas de poder, tal qual se espera de um político padrão brasileiro; porém a pressão contra o kit anti-homofobia e agora contra a lei que criminaliza a homofobia mostram que esse pensamento vai muito além da esfera parlamentar, ele é um pensamento conseqüente do que isso traz de implicações na sociedade.

Porque Realengo pode não ser rotina, mas não foi algo sem causas, e a bancada evangélica lava as mãos para o fato inconteste de que o assassino foi influenciado antes e acima de tudo pelo ideal ascéptico tão característico do cristianismo e pelo uso que os “homens de bem” fazem dele nas suas pregações. Pode ter havido bullying, desequilíbrio mental, e mais outras tantas causas; quem juntou tudo isso e ofereceu como solução a chacina purificadora foi a religião cristã.

Quem se opõe à criminalização da intolerância só pode ser o intolerante. E o discurso da intolerância, nunca é demais lembrar, é o discurso do ódio, do assassinato, da morte.

Como disse no início, o PSDB tem sua grande dose de culpa, ainda que não seja, claro, responsável pela eleição ou formação da bancada evangélica. Se quer agir como oposição conseqüente e como partido progressista que um dia foi – ao menos nos costumes e direitos civis –, é hora de reconhecer o momento e perder uma boa oportunidade de encurralar o governo para evitar que a mentalidade mais reacionária encurrale o país.

Contudo, Alckmin continua no partido, José Serra continua no partido, FHC defende que o PSDB busque as novas classes médias, essas que votam em Bolsonaros, Enéas, xerifes e pastores. Talvez nossa esperança deva ficar mesmo fora da política, no STF. Até porque se formos tentar fazer política com as próprias mãos, a polícia fará a dela, que é a da repressão autorizada pelo Estado Democrático de Direito – esse que democraticamente autoriza o direito ao preconceito e à intolerância.


Campinas, 01 de junho de 2011.