quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Sta. Cecília - Luz - Liberdade - Paulista

Combinei de encontrar um desconhecido às 13h na estação Santa Cecília. Ele vinha de Barão e tinha um presente que uma amiga me dera: babosa – desde que a Anvisa proibiu a comercialização de derivados da planta, anda difícil achar o concentrado que tomava, e o último que encontrei estava com ágio de 50%. Me entregou o pacote e fomos a um restaurante ali perto, almoçar e conversar um pouco – brasilianista, faz doutorado e é professor (no sentido português do termo) na Universidade de Nova Iorque. Conversamos sobre São Paulo, viagens e algumas questões acadêmicas, políticas, marxistas – ele conhece meu orientador da monografia.

De lá fui à Pinacoteca do Estado, onde vi as exposições de Eliseu Visconti, Joaquín Torres Garcia e “Percursos e Afetos – Fotografias, 1928/2011” – a única que realmente me interessou, em especial as fotos do fotógrafo Boris Kossoy –, além do trabalho Mausoléu, de Carlos Bunga, que me trouxe algumas reflexões.

Da Pinacoteca, aproveito o ensejo para saciar minha índole consumista, e dou um passeio pela famigerada região da Luz, em busca de um fone e uma extensão para ele, na Santa Ifigênia. Antes, uma rápida volta pelo Parque da Luz, que eu nunca tinha ido – me lembrou o passeio público, em Curitiba, mas não tão bem cuidado.

Cruzo a Estação da Luz, o piano, como sempre, sendo tocado, com uma pequena platéia em volta – não páro, e de passagem não consigo identificar o que está sendo tocado. Do outro lado, noto menos mendigos à porta da estação - mas seguem lá. Enquanto transito pela região, não tem como não lembrar do polêmico projeto da Nova Luz e seus últimos desdobramentos: a política higienista para limpar a área dos nóia e do populacho, para deixar o terreno livre à especulação imobiliária. Dizem que se trata de "revitalizar". Realmente, há locais ermos e mortos, mas em uma boa parte possui vida – e muita – pulsando nas ruas. Passeio pelas galerias da av. Santa Ifigênia, em busca dos tais fones, mas pensando que eu bem poderia ter dinheiro pra comprar umas câmeras de segurança pra fazer o filmete que uma vez tive idéia – a câmera de segurança apenas pela questão estética. Noto que se coço a barbicha ao entrar nos locais me abordam com mais freqüência: abandono o expediente. No caminho, uma senhora trova um policial militar, que a trata de uma maneira bem diferente da imagem que a PM paulista tem conseguido passar – conversam sobre o Big Brother, se bem entendi. Na loja onde vou comprar o fone, a mulher conversa sobre seus planos de fazer lipo e pôr silicone – com o médico da Mulher Samambaia, sabe. Comenta que já teve dois filhos, agora pode se dedicar a isso. Seu interlocutor diz que tem um contato melhor, que ao invés de 16 faz tudo por 12 mil, e ainda parcela em seis vezes.

Saio da Santa Ifigênia, pela Av. Ipiranga chego à São João. Ali páro pra tomar um mate e descubro onde comprar erva-mate argentina – a um preço nada argentino. Não compro porque acredito ainda ter um pacote na casa dos meus pais. 

Meio perdido de onde estou – sei que em algum canto eu devo dar na Consolação, que vai dar na casa do Cássio –, decido tentar chegar à Sé, como sempre. Sigo em frente e me deparo com a Galeria Olido, ao lado a Galeria do Rock, que uma vez entrei e nunca mais achei. Desta vez não acho a camisa do Paraná Clube a preço interessante, mas descubro que ela fica bem mais perto da Sé do que eu imaginava – e saio de lá desconfiado de que da próxima vez vou ter dificuldade em encontrá-la de novo, se não pesquisar no mapa antes.

Já no centrão de São Paulo, me vem aquele espanto de sempre: como a cidade é bonita! Ao menos enquanto tem gente – e acho que é isso que faz a beleza de São Paulo –, pois a vez que passei ali já depois do expediente, soava quase uma cidade deserta, não era bonita. Decido ir até o Patéo do Colégio – nunca passara por lá. No caminho, uma pedinte, já com mais de sessenta anos, cabelos brancos, me chama atenção pela beleza e garbosidade. Atrás da Sé, enquanto espero o sinal pra pedestre abrir, um homem berra num megafone que foi roubado pelo Bradesco, isso pode acontecer com você também. Uma prostituta compra café de um vendedor ambulante de bolos e afins.

Na Liberdade, entre a Galvão Bueno e a São Joaquim, uma mocinha, seus dezessete, dezoito anos me abora, está vendendo canetas. Já a imagino voluntária de alguma instituição de recuperação de drogados. Na verdade é voluntária do CAIC – não, não se trata da escola inspirada nos CIEPS da dupla Brizola-Darcy Ribeiro, e sim de uma instituição que quer salvar os valores da família. Não, obrigado, não concordo com os valores da família – lembrei da minha babosa na hora: será que em breve serei eu um novo drogado a atentar contra os valores da família e da sociedade? Quer dizer que não concorda com os valores normais? Então tá, e já se vira para oferecer caneta a outro passante – me arrependo de ter sido tão breve, poderia ter enrolado um pouco mais a moça, só para deixá-la em contradição.

Passo pelo Centro Cultural São Paulo, ver a programação. Na entrada, um homem me lembra o Hugo, que mora comigo, mas um pouco mais maduro – na casa dos seus trinta anos. Descubro a parte de teatro que está fechada para reforma. Presencio a cena de um senhor em “roupas de aposentado”, que dava pinta de morar pela região do Paraíso, Aclimação, jogando xadrez com um hippie – um fazedor/vendedor ambulante de artesanato.

Atravesso a ponte da 23 de março. Pouco à frente, rio com um namorado que beijava insistentemente sua garota, e dá uma pequena pausa, apenas para ver se não vai trombar em poste algum e se depara com uma loira bronzeadíssima, de belas formas que andava na minha frente, e não consegue disfarçar a olhada. Antes de voltar aos beijos insistentes na namorada, ainda a observa de rabo de olho. Espero o sinal abrir para atravessar a rua e chegar, finalmente, à Paulista. Dali escuto de algum canto sinos badalando as dezoito horas. Uma madame, num carrão, acompanhada de um homem e um cachorrinho, resolve não esperar pelo próximo sinal e pára em cima da faixa de pedestre. Me dou conta de que só corro perigo se a mulher estiver disposta a sacrificar seu carro, não acredito na hipótese, e enquanto serpenteio pelo carro pra atravessar a rua, singelamente a cumprimento com o dedo médio – tomo apenas cuidado para ver se não vai mesmo jogar o carro pra cima de mim, não presto atenção em nada mais dela: uma boa desfeita deve ser feita sem se preocupar com a reação. 
 
Atravesso a Paulista quase inteira, desço a Haddock Lobo, cruzo com algumas mulheres bonitas no caminho, nenhuma parecida com a Carla Bruni.

São Paulo, 15 de fevereiro de 2012.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Da USP à Paulista

Um amigo meu, o Wlad – que é também meu editor, diga-se de passagem e sem propósito outro que disfarçadamente dizer que em breve lançarei um livro –, pediu pra dormir aqui em casa: tinha reunião de serviço e depois iria para uma festa na FAU-USP. Me chamou pra ir junto (à festa), o que aceitei sem muito titubear – até porque era recepção aos ingressantes, e eu poderia conferir in loco o que estava perdendo, por ter ido, como sempre, mal na prova de aptidão.

Não chegou a ser uma “festa estranha com gente esquisita”, como o Festival de Apartamento, ao qual eu fora – o Wlad também – no final de semana, em Campinas. Na verdade, estava uma festa universitária banal, com o diferencial de que tocava uma banda ruim e havia alguns cartazes, fora Rodas, fora PM, GREVE! A outra diferença, mais marcante, foi não trombar com ninguém conhecido lá – o Wlad ainda encontrou dois, que estavam trabalhando no bar. Uma sensação estranha, que a mim incomodava, e o Wlad tentava encarar com a receptividade dos velhos tempos. Tentava, mas não conseguiu. Nem duas horas depois de chegarmos, tomávamos o caminho de volta: que tal flanar pela Paulista e Augusta, convidou-me. Convite que aceitei de pronto.

Descemos na estação Consolação. Na plataforma de embarque, uma mulher na casa dos seus trinta e poucos, muito elegante – de uma elegância que lhe assentava muito bem – passou por nós. Não havíamos sequer saído da estação quando cruzamos com duas gurias bonitas. Na rua, mal adentramos a Augusta, um mendigo anunciava, Acabou o show, agora é hora d'eu ir catar lixo. No caminho, um rapaz, acompanhado de mais dois, nos abordou pedindo dinheiro pra pinga – não vou mentir que é pra comer. Demos, por conta até da inferioridade numérica – apesar do tom não ter sido ameaçador. Mal passaram por nós, dois PMs atravessaram a rua em direção a eles – e de outros dois que estavam na mesma calçada que nós. Fodeu, lá vem truculência, pensei. Os três seguiram seu caminho sem titubear e a polícia não os incomodou. Eu, em compensação, não tive como não deixar escapar um puta, que medo!, diante de uma metralhadora que um policial entregava a outro. Que ignorância, comentou meu companheiro de passeio, pouco depois. Uma breve pausa num bar, gol!, onde assistimos ao segundo tento do Palmeiras. Prosseguimos. Mais à frente questionei: as pessoas que faziam ponto ali, eram mulheres ou travestis. Dúvida compartilhada pelo Wlad.

No caminho de volta para a Paulista, uma prostituta nos avisou que a Augusta termina naquela esquina. Também nos contou que fazia direito e que queria ser promotora: nada é pro curto prazo, é preciso ser persistente. Mais pedintes – esses sozinhos –, pessoas se apertando nas áreas para fumantes dos barzinhos, três baianos – a acreditar no sotaque e na camisa de um deles – nos pararam para pedir informação, aqui ainda é a Augusta, uma garota que esperava o ônibus, e do outro lado da rua um rapaz munido de guitarra e amplificador tocava um pop-rock romântico qualquer – tenho a impressão de que não daria certo, a moça estava suficientemente irritada ao celular, e alguém pra atrapalhá-la era tudo o que ela não devia querer.

Na Paulista, um mendigo dormindo não com o cofrinho, mas com a bunda exposta. Sob o vão do MASP, dois carros da PM estacionados; próximo a eles, num canto, um homem vendia artesanatos. Se punha ao lado dos seus produtos, peito estufado, como orgulhoso da sua mercadoria. Questionei ao Wlad expunha, vendia a quem, se praticamente ninguém passava lá àquela hora. E não seria louco de vender drogas na cara da polícia, se acaso aquilo fosse só um disfarce – não parecia. No meio do caminho, o Wlad ainda encontrou um conhecido da cidade dele, que interrompeu sua manobra de skate para convidá-lo para uma festa do vinil em Socorro. Cola lá, leva as bolachas!

Passamos no mercado e voltamos para a Augusta – agora mais movimentada –, comer um pedaço de pizza. Diante da frieza da rede de fast-food, nos animamos mais com uma “pizza de padoca” de um bar. Um homem ainda não bêbado, mas já suficientemente chato, insistia que a cerveja estava quente: molha e põe no freezer, junto com aquela que você vai beber depois. Ali terminamos com poucas palavras a última conversa que vínhamos tendo, sobre questões existenciais e afetivo-existenciais.

No caminho de casa, na parte de auto-atendimento de uma agência do Itaú, três mendigos dormiam o sono dos justos (zelado pelo vigia do banco?). Na FAU, a festa era prometida até às cinco.


São Paulo, 09 de fevereiro de 2012.