terça-feira, 17 de abril de 2012

Dizeres e não-respostas


Trombei na PUC com uma conhecida – amiga de uma amiga –, com quem já encontrara duas vezes e conversara algo para além de meia dúzia de frases vagas, sem ter chegado, contudo, a conversas existenciais-banais. Neste encontro de hoje – o primeiro sem mediação da amiga em comum –, ao nos despedirmos, não sei por que cargas d'água resolveu comentar que sempre tivera a impressão de que eu era um cara bacana. Agradeci e deixei por isso, por mais que também tenha uma boa impressão dela: achei que não convinha falar isso só porque ela comentara: se era o tempo dela, não era o meu.

Meu mutismo no que poderia ser uma troca de elogios me fez recordar da minha última "desilusão amorosa", como classificou uma amiga – o que desde o início me fez questionar, por que não "ilusão amorosa"? Pois bem, em esse meu namorico, a guria, sempre bastante sincera, comentou que seu silêncio frente o que eu dizia – e não era nada demais, ao menos para mim –, fruto de uma escolha de não mentir sobre o que sentia, só para atender ao que ela imaginava ser meu anseio de ouvir (ou ler), a causava especial incômodo, a ponto de fazê-la decidir por não mais mantermos nosso relacionamento tal como ele engatinhava. Disse que achava que, caso nossa relação se tornasse séria, seria uma injustiça termos esse desnível.

Esses dois casos – em que em cada um eu estava de um lado – me chamou a atenção para algumas coisas, que para mim, no meu coxear nas relações sociais – ainda sou dos que respondem quando me perguntam "como vai?" como estou, e não "bem, e você?" –, soaram curiosas.

A primeira é a idéia de contrato que parece arraigada em nossa sociedade – esse meu caso não é exemplo isolado –, e que pressupõe uma igualdade mais do que radical, absoluta, para que uma relação íntima – pode ser de amizade próxima – seja "justa", franca, verdadeira. Me fez lembrar a vez que notei que só eu buscava o Paulo – amigo a quem me refiro como "irmão mais velho" – quando em apertos: não havia movimento dele na direção contrária. Me dei conta, tempos depois, que a questão era que ele possuía outros expedientes para trabalhar suas urgências, e que eu, não abusando – se abusasse, ele avisava, de qualquer modo –, não tinha porque me privar de suas palavras, sua acolhida, quando precisasse. Não havia nada de errado nessa dissimetria: apenas formas de se pôr diferentes, que conseguem se harmonizar muito bem (há mais de uma década).

A segunda – derivada da primeira –, foi me questionar: falamos o que sentimentos porque sentimos, ou porque queremos ouvir o mesmo do outro? Se falamos para nos expressar, o calar do outro não é um problema, já que estamos nos exprimindo e não cobrando. Se falamos esperando uma reação na mesma proporção do outro lado, estamos sentindo mesmo, ou estamos tateando até onde arriscar a pele no relacionamento sem nos comprometer com uma futura desilusão?

Isso me fez lembrar de conversa que tive com o Mártin, amigo sociólogo. Ele comentava que um dos ethos de nossa sociedade é "arriscar-se sem riscos" – se pôr em pseudoriscos, para falar mais direto. Bungee jumping, saltar de paraquedas, fazer rapael, tudo seguindo normas de segurança, que garantem que não sofreremos nenhum acidente grave. Se envolver com alguém – se não for pela lógica comercial do networking – parece seguir a mesma lógica, um pseudo-entregar-se, porque feito não conforme o desejo, mas a partir das reações do outro.

Contrato entre iguais talvez deva mesmo ser a tônica, mas para empresas; normas de segurança me soam imprescindíveis para que esportes radicais sejam esportes; relações humanas talvez devessem ser mais fluidas, instáveis, maleáveis, arriscadas. Até chegarmos nisso, fico com a dúvida: não terei sido mal educado ao responder um elogio com tão-somente um sincero obrigado?

São Paulo, 17 de abril de 2012.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Das mortes que morri por estes dias


Pela primeira vez fui pra Ribeirão Preto depois de ter me mudado pra São Paulo – tinha o casamento de um amigo da época do cursinho, Leonardo. A caminho de Ribeirão, terminei de ler Em busca do tempo perdido, cujo primeiro volume, No caminho de Swann, havia começado a ler nos idos 2003. O livro termina com uma série de reflexões sobre o tempo e sua passagem, e eu acabei embarcando nelas, pensando em todos os que passei – todas as pessoas e todos os eus –, ainda mais que me dirigia para a cidade em que comecei minha vida “independente”, em que deixava – finalmente! – de ser filho dos meus pais para ser eu próprio, Dalmoro – até na escola eu era tratado como filho dos meus pais, e não eles como pais do Daniel.

O que me chamou a atenção é que, se das vezes que eu chegava vindo de Campinas, sempre me batia aquela nostalgia, um sentimento confuso de “já foi o meu tempo aqui, mas ele bem poderia voltar”, ou melhor, “não adianta voltar pra cá, simplesmente, pois não estou mais em 2001, mas bem poderia haver novamente a oportunidade de ter um novo tempo em Ribeirão”; desta feita lembrar de tal sentimento soou tão distante que quase não parecia ser comigo, não parecia que eu sentira isso em novembro ou dezembro – não lembro bem quando fui pela última vez para lá – e, confesso, tive até uma certa raiva de pensar que por tanto tempo essa foi minha auto-recepção na então “Califórnia brasileira”, agora “capital nacional do agronegócio”.

Quarta-feira, quando fora à minha consulta mensal com Aílton, sensação parecida já havia me assaltado, por outros motivos. Conhecera Camila não fazia uma semana e parecia sem sentido falar de como havia passado o mês até o dia em que a conhecera. Pior: eu tinha dificuldade em lembrar de como me sentira na semana anterior, e reportava como se falasse de alguém distante.

Em Ribeirão fiquei na casa do Paulo, com quem o encontro é sempre um sentir-se em casa, como já comentei alhures [j.mp/cG090311]. Estamos em 2012, não mais 2001. Paulo já tem cabelos brancos, eu, menos cabelo, a av. Jerônimo Gonçalves não tem mais suas belas e imponentes palmeiras imperiais, o cruzamento dela com a Francisco Junqueira não tem mais uma árvore enorme – está agora limpa, luminosa para a passagem dos carros –, a praça Camões segue aconchegante como há uma década, mas eu agora a freqüento acompanhado do Paulo e de sua cachorrinha, a Faísca (por sinal, fica a dica para encalhados de Ribeirão: passear com cachorro na praça). Fiquei contente com meu descompasso com Ribeirão: parece que depois de mais de uma década, eu me reencontrei em alguma cidade.

São Paulo, 03 de abril de 2012.