sexta-feira, 4 de maio de 2012

Franjas, entradas, saídas e outras bossas do gênero

Deve ter sido há uns vinte anos que eu fizera isso pela última vez (também a primeira). Estava na praia, no litoral paranaense, meu pai avisara: hora de cortar a franja. Naquela época devia ser moda isso: para economizar no cabeleireiro, salão, barbeiro, cortava-se a franja da pobre criança e assim dava para passar um mês mais com o cabelo comprido – lembro de ter visto foto de infância de uma amiga, a mesma franjinha de pais pão-duros.

Se meu pai tinha avisado, não tinha como fugir: a franja seria cortada, quisesse eu ou não. Para manter o mínimo de orgulho que me restava, resolvi eu mesmo cortar minha própria franja. A primeira tentativa saiu errada, torta. A segunda, também. A terceira, já quase sem franja, pior ainda. Me desesperei: já é daquela época que roupa, em geral, não me incomoda, mas cabelo... impensável sair de casa com um teco arrepiado. Para me ajudar: não era moda, ninguém usava cabelo raspado – situação que se inverteria uns dois anos depois – e eu não era lá adepto do boné – nunca fui, na verdade; de boina, nos últimos tempos. Fomos até um salão, onde uma mulher fez uma gambiarra com o que me restava de cabelo.

Eu era feliz nessa época, pois o “me restava de cabelo” era uma situação pontual, bem diferente da de agora, em que o que me resta de cabelo, estou quase passando cola pra que sigam na cabeça os parcos fios. E pior é pensar que cheguei nesta situação porque ninguém me explicou que quando me diziam que meu cabelo estava afinando, isso era o prenúncio da queda. Poderia ter evitado – ou tentado, ao menos. Lembro de uma crônica do Antônio Prata, em que ele dizia que preferia tomar finasterida e arcar com problemas de ereção: afinal, brochar seria algo que só ele e uma mulher precisariam saber, enquanto a careca refletindo a luz do sol poderia atrapalhar a visão de todos os que estão no tobogã do Pacaembu – inclusive diz ele que a tal da impotência causada por finasterida é lenda: toma desde os dezenove e pratica sexo todos os anos, sem nunca ter tido problemas.

Deixo o Prata com sua quase cabeleira a base de finasterida e volto à minha grande aventura dos últimos dias.

Da última vez que cortei o cabelo (no salão), dei as indicações de sempre: dá uma aparada não muito grande, mas o suficiente pra disfarçar a careca que se anuncia. Assim foi feito, mas a cabeleireira esqueceu das entradas, e o corte as deixou muito maiores do que realmente são. Essas entradas falsas me incomodavam, já fazia mais de mês, até que terça tomei uma decisão drástica: cortar minha própria franja. Depois de vinte anos, me aventuraria novamente. Tesoura em punho, sem ter achado nenhum pente ou escova pra dar uma arrumada antes (abandonei esse tipo de apetrecho há uma década, o que não implica em cabelo arrepiado), cortei aquele enganoso trecho da franja. E digo mais: não sei se dá pra dizer que ficou bom, mas ficou melhor do que antes.

Me olhei no espelho, orgulhoso do meu feito, e vi um pouco daquele garoto que há vinte anos chorava o cabelo mal cortado no banheiro: rá! Você não sabia fazer direito!, disse a esse piá que me olhava do outro lado do espelho. E, realmente: se soubesse, teria corrido atrás de algo pra calvície quando ainda havia cabelos em abundância.


Pato Branco, 04 de maio de 2012.

terça-feira, 1 de maio de 2012

O reajuste do salário mínimo e o silêncio da Grande Imprensa

A proposta é de aumentar em 17% o salário mínimo. Depois, indexar o reajuste à inflação anual. Mirian Leitão e outros intelectuais (porque economista da Grande Imprensa sempre se crê um intelectual, por mais estreita que seja a viseira) do mesmo quilate devem saber da notícia, que saiu no último dia de abril de 2012, mas preferem não dizer nada. Conseguiu o governo comprar até esses independentes arautos da responsabilidade?

Não, desta vez não se trata de mais uma medida disparatada, inconseqüente e populista do governo petista (lembrando: Lula não é mais presidente do Brasil). A proposta é para Nova Iorque, nos Estados Unidos, e o silêncio dos formadores de opinião tupiniquins é óbvio: foram desditos pela própria matriz do pensamento que papagueiam. Se se souber que o salário mínimo no Reino do Liberalismo é indexado à inflação, como criticar o governo brasileiro de irresponsável? Se uma proposta de reajuste de 17% está para ser aprovada nos EUA, como justificar que reajustes menores no Brasil irão custar a volta da inflação, o emprego de milhares e trazer a miséria novamente (?) a estes tristes trópicos?

Há diferenças de contexto, é certo: lá, pretende-se que com o salário mínimo possa uma família de três pessoas viver acima da linha da pobreza – é pouco para o país mais rico do mundo –; aqui, que um salário mínimo garanta às empresas a competitividade no mercado externo – competitividade que elas não conseguem ter por não aplicarem em pesquisa e desenvolvimento, por exemplo. Ah, sim, há um trabalhador que ganha R$ 622,00 por mês, e deve sustentar uma família com isso, mas é detalhe.

Para uma imprensa engajada, mais importante do que informar é desinformar. Para os veículos e colunistas de "respeito", nada de mentiras, apenas singelas omissões.

São Paulo, 01 de maio de 2012