quinta-feira, 31 de maio de 2012

Da alegria de voltar a bandejar

Tendo as aulas na UFABC começado, finalmente, pude voltar a bandejar – atividade que não realizava desde janeiro, quando me desliguei da Unicamp. Além de bandejar ter seus interesses sociais – que seja ver o movimento –, há, é claro, a questão financeira, a enorme economia que representa. Em uma semana de bandejão na UFABC gasto o equivalente a um almoço nas quebradas em que vinha almoçando um P.F. (se não ia a um por quilo, onde gastava mais). É certo, eu poderia ter economizado nesses quatro meses de São Paulo-sem-bandejão cozinhando em casa. Porém, além da preguiça e da atual falta de inspiração culinária, o fogão de casa é um tanto paciente – ou ao menos exige paciência -, levando, por exemplo, mais de cinco minutos para preparar um café expresso.

Retomando minha alegria acadêmica do voltar bandejar. Depois de meia hora na fila, sob o sol do meio-dia, para pôr créditos no cartão, adentro esse mítico local – que desconheço em suas particularidades. No cardápio, estrogonofe. Me recordo do bandejão da USP-Ribeirão, onde tal prato era a iguaria máxima, motivo para festa. Na Unicamp a festa – e que festa! – ficava por conta da feijoada – e que feijoada!

Unicamp
Ainda sem me enturmar, almoço sozinho – o que fazia também na Unicamp, apesar de bem enturmado por lá. O bandejão da UFABC dá a impressão de ainda ser provisório – ainda que um provisório caprichado, feito para provisoriar por longo tempo. Decepcionante mesmo que a bandeja não serve para pôr a comida, mas sustentar o prato, talheres e etecéteras. Como a entrada não se dá num nível superior, como na Unicamp, para as pessoas saírem a la “Another brick in the wall”, só que com bandejas, e não dominós (esses temos que ter já colado ao rosto para conseguir entrar na universidade), não há o interessante passatempo de almoçar vendo quem está entrando – quem sabe futuras Ruths ou paixões platônicas (Karinas, Carines... ao que tudo indica sou alguém que não gosta de grandes variações nominais). A comida não é ruim, mas o estrogonofe, cheio de gordura, deixa a desejar. Penso na economia que estou tendo, no rito mítico de bandejar, e engulo.

Na saída, ouço dois alunos comentarem: hoje o estrogonofe estava bom, que milagre! Vejo se não estão tirando sarro, não parece. Então digo a mim mesmo: é uma questão de adaptar o paladar! É só adaptar o paladar!


Santo André, 31 de maio de 2012.

ps: quando fui pela segunda vez ao bandejão, o que no da Unicamp é lenda acadêmica (aparece no cardápio mas nunca na bandeja), na UFABC é realidade: lasanha de beringela.

domingo, 27 de maio de 2012

As greves políticas e as greves justas.

Venho cá chutar cachorro morto e chover no molhado: é o que se faz quando se fala da imprensa nacional. Salvo os detalhes do momento, o que se tem é um movimento regular, contínuo, bem estruturado da mídia contra um partido que ela ainda vê como esquerda demi-comunista – isso vale tanto para o protofascismo de Veja quanto para o partidarismo não-assumido mas evidente de Folha.

O assunto desta semana foi greve.

Há várias na principal cidade do interior do Estado, talvez os leitores de Folha não saibam: Campinas, além das crises sobre quem ocupará a cadeira de prefeito na semana seguinte, vive caos na saúde, já há muito é um zero na cultura, teve há pouco greve no transporte que se serve do público, e segue com boa parte dos servidores públicos em greve. É onde fica a Unicamp, uma das principais universidades do Estado e do país, talvez perdendo só para a USP.

Vamos para a capital, onde as coisas acontecem, dizem. Onde oito milhões de almas são tidas como decisivas para o futuro dos dois principais partidos do país – em contrapartida, os dois principais partidos do país pouco se mostram interessados no futuro da cidade.

Na quarta, tivemos uma “greve política” do metrô, conforme editorial da Folha (“Greve contra São Paulo”, 24/05/12). Adoro quando falam em “greves políticas”! De uma redundância maior que subir pra cima, tão esclarecedor quanto dizer que a cor vermelha é vermelha, que a água é molhada, que o sol é quente, e assim vai. O dia que me apresentarem uma greve apolítica – até a das mulheres de Atenas foi política –, farei questão de aderir. Até lá, terei de suportar um jornal que se diz a serviço o Brasil utilizar política como sinônimo direto de coisa ruim. Porém, pior do que falar em “greve política”, só os argumentos do editorial.

Primeiro, conforme a Folha, quem recebe salário acima da média brasileira não deve reclamar (se fosse acima do PIB per capta do Qatar, cerca de US$ 90 mil, eu até poderia concordar). Fica a dúvida porque quem recebe estímulos estatais bem superiores aos dos milhões de miseráveis do Bolsa-Família teria o direito: se a Folha pretende ser tão independente como apregoa, que comece recusando todo patrocínio de governos, empresas estatais ou que tenham ligação com o Estado.

Segundo: a determinação da justiça de 100% de funcionamento do sistema no horário de pico. Há alguma coisa errada numa no conceito de “greve” quando todo mundo é obrigado a seguir trabalhando. Contudo, a novalíngua da Folha não vê nenhuma contradição nisso: deve o jornal, então, reivindicar a mudança do artigo nos dicionários, que insistem em dizer que greve é “cessação voluntária e coletiva do trabalho”, a justiça do trabalho, de fato, rejeitou a possibilidade de greve – tenha tido razão ou não, é outra história. É fácil defender o direito de greve quando greve não implica em nenhuma mudança da rotina, em nenhum custo aos patrões.

Terceiro: Folha ignora que os metroviários fizeram uma contraproposta a essa estapafúrdia decisão da justiça: 100% dos funcionários trabalhando, mas com as catracas liberadas. O governo recusou, ameaçou usar a força policial contra os grevistas, caso isso ocorresse. Fica a dúvida: quem trabalhou para prejudicar os usuários foram os trabalhadores ou o governador Alckmin?

Outra greve são as das universidades federais. Essas, para Folha, não são políticas – logo, há de se acreditar que sejam justas. A acreditar que a Folha não use dois pesos, duas medidas, um professor universitário ganha menos do que um motorista de ônibus, assim sendo, tem direito a fazer greve – se não for, hora de chamar a polícia para pôr ordem (fiquei esperando um editorial e não veio).

Ao invés de apresentar um panorama com os pontos positivos e negativos das IFES – como fez um outro jornal do grupo, dedicado à elite e não à classe média inculta, que sequer sabe quem foi Hegel (ao menos assim pensa a Folha de seus leitores) –, o jornal se centra na Unifesp, que, pelo que dá a entender a reportagem, seria uma das piores universidades do país, sem qualquer infra-estrutura. Pior: se centra na Unifesp de Guarulhos, ignorando os outros sete campi. Por que será? Se a infra-estrutura do campus de Guarulhos é realmente péssima – se é que não soa ridículo falar em infra-estrutura para o campus de Guarulhos –, o mesmo não se pode falar do de Diadema, para ficarmos num exemplo de campus novo. Neste campus, o problema está na assistência estudantil, como ausência de bandejão, e não na qualidade dos prédios e laboratórios – equipados com o que há de melhor, conforme me disse um amigo que estuda lá (e é do comitê de greve).

Os motivos de não terem ido ver as condições da UFAM, UFCG ou de outra federal perdida nos rincões do Brasil, e ter se fixado no pior campus de uma que está praticamente na capital paulistana tem motivo bem evidente: atingir Fernando Haddad, atual ministro da educação e pré-candidato petista à prefeitura de São Paulo. Faltou só eles falarem “se Haddad não é capaz de dar condições a uma universidade, o que dizer a uma cidade?” Quer dizer, do jeito que vai, logo eles falarão isso – só o Haddad sair dos 3%.

O relativismo da Folha é aviltante a qualquer pessoa que não coadune com a burrice e a má-fé; de qualquer forma, sinaliza do que se pode esperar para as eleições municipais.

São Paulo, 27 de maio de 2012.