quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Boatos, acusações e interesses

Sobre as novas acusações de Marcos Valério, divulgadas em manchete de primeira página pelo jornalecão O Estado de São Paulo, um pouco de desconfiança não faz mal a ninguém. Não há provas de que aquilo que o empresário disse à procuradoria-geral da república sobre o ex-presidente Lula é verdadeiro, mas há evidências significativas de que existem interesses fortes por trás de mais esse episódio de tentativa de desmoralização do PT e do ex-presidente Lula.

Há uma perceptível disputa pelo poder, entre um grupo – não apenas político – alijado do executivo nacional desde a eleição de Lula, e o que está no governo desde então. Há quem veja nisso um cerrar fileiras contra um projeto político do PT de enfrentamento de desigualdades históricas. Tenho cá minhas dúvidas se se passa por algo tão elevado – o confronto parece, antes, pelo butim estatal. E a grande questão que levanto aqui não é a de que o PT não tenha suas culpas, mas da forma como está sendo tratado em relação aos seus opositores. Em tempo: se o partido colhe o que plantou, uma das suas semeaduras foi o republicanismo do governo Lula na escolha do Procurador-Geral da União e dos ministros do STF (sob o PSDB fernandista, com Geraldo Brindeiro, Nelson Jobin, Gilmar Mendes e afins, qualquer suspeita de corrupção do executivo seria rechaçada).

Ainda que um presidente da República não tenha como saber de todos os atos de seus subordinados – mas não por isso deva ser isentado de responsabilidade –, é difícil acreditar que Lula não soubesse do principal esquema de articulação política do seu governo, que não o tenha avalizado. Porém, fica a dúvida: por que alguém que tinha suas contas pagas pelo partido, depois pela presidência – além do salário –, precisaria de cem mil reais para pagar despesas pessoais? Não que seja impossível, mas não faz muito sentido, convenhamos. Os caciques do Brasil desenvolvido, o sul-sudeste, sabem que podem fazer dinheiro dentro da lei, sem se exporem a esse tipo de corrupção baixa. Se não é mera bravata, onde estão as provas? Fazer jornalismo baseado em boatos e ouvi dizer não soa muito sério.

A explicação para a exposição desse factóide pode estar na capacidade média de raciocínio de leitores de Veja, Folha, Estadão e afins. Talvez com as novas denúncias, uma parte da nossa “classe média ilustrada” (leitora e crente na Grande Imprensa), não sensibilizada pelos ataques ao partido, se sinta ofendida quando avisada de que o desvio de recursos era para enriquecimento próprio do governante. E não é difícil a essa parcela crer que Lula, que não era professor universitário, mas um ex-operário, tenha desejos de se tornar milionário a qualquer custo – sabe como é, pobre é sempre suspeito.

O novo herói da ética no Brasil, o presidente do STF, Joaquim Barbosa, foi interpelado sobre as denúncias. Mesmo admitindo que só as conhecia oficiosamente, cedeu e admitiu que elas precisam ser apuradas. Pode ter sido ingenuidade do magistrado. Isso pouco importa à Grande Imprensa, que pôs em sua boca, na capa do jornal, que ele “quer Lula investigado no mensalão”.

Trata-se de mais um episódio da verdadeira disputa atual da política tupiniquim – evidente mas velada –, que passa por um pseudo-combate à corrupção. Já disse alhures: se o interesse fosse mesmo por moralizar a administração pública, junto com a discussão de episódios, deveria ser levantado também (principalmente) a questão do nosso sistema político e de representação, de como está estruturado. As relações entre interesses públicos e interesses privados, as relações entre executivo e congresso nacional, as relações entre Grande Imprensa e grandes interesses. Apontar o dedo para Dirceu ou Lula, responder apontando o dedo para Azeredo ou Perillo, nada resolvem – antes colaboram para a descrença na política institucional –, são apenas condições iniciais para um debate, muito longe de qualquer mudança efetiva na prática da corrupção no país. Não é arranjando julgamentos com eleições que se vai moralizar a política – mas é arranjando reportagens em grandes revistas que se cria políticos moralizadores de fachada (a interesse de quem?).

São Paulo, 12 de dezembro de 2012.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Executivos de argila atrapalham o fluxo na Paulista

Na esquina da avenida Paulista com a rua Augusta, um grupo de pessoas munidas de poderosas máquinas fotográficas. Conversam animados, mostram suas capturas, buscam um novo alvo. Deve ser mais um desses grupos de aula de fotografia que se tropeçam pela Paulista. Quando minha câmera quebrou (era uma simples, ainda da época do filme) e pensei em comprar uma nova, me dei conta de que se a máquina fosse determinante pra qualidade da foto, teríamos Sebastiões Salgados em série. Não me parece o caso. Desisti de gastar muito numa máquina – na verdade, ainda não comprei uma substituta à minha velha Nikkon sugadora de baterias.

Palhaçada. Parecem múmias do Egito. Encheção de saco. É um protesto. Mas estão protestando contra o que? É um bando de viados, isso sim. Parecem aqueles soldados chineses.

Pouco depois da rua Padre João Manuel, vem caminhando lentamente na direção contrária à minha uma horda de executivos de argila. Argila da cabeça aos pés – digo, sapatos –, em suas pastas, celulares, óculos. Nos olhos, venda. Reações diversas. A primeira e mais comum é sacar o celular para fotografias e pequenos filmes – depois pensa-se sobre o que é aquilo. Há os que param para assistir, tentam entender – pra que isso? Estão protestando contra o que? –, outros xingam por atrapalhar seu caminhar apressado – e não deixa de me chocar terem usado o argumento de que eram “viados” para menosprezar a performance, isso um dia depois de outro homossexual ter sido agredido por cometer o crime de ofender as pupilas puras de pessoas de bem com sua existência –, outros olham, tiram uma foto e seguem, abrindo espaço por entre a argila dos corpos (com cuidado, para não se sujarem); há os que vêem, se surpreendem e seguem; alguns acompanham o cortejo por alguns metros.

Admito, ser pego de surpresa por uma performance é mais interessante do que ir pra Paulista em busca dela – a relação com o ato é muito diferente. Mas não há sorte que garanta sempre se deparar com performances sem querer, às vezes é preciso ir atrás.

Na avenida Paulista, árvores de metal e vidro foram plantadas no canteiro central. Podia ser uma performance, mas é a decoração de natal. No cruzamento com a Padre João Manuel, forma-se uma pequena fila de carros, obrigados a parar pelo grupo que segue seu lento caminhar. Ao liberarem uma das pistas, um motorista faz o motor roncar mais forte, para mostrar sua viril indignação por terem feito perder tempo. É vaiado. Ignora (ou se faz de cego às vaias), e segue com a cara fechada, pondo medo e impondo respeito a ninguém. Em frente à entrada principal do Conjunto Nacional, uma mulher trabalha como estátua viva, faz pose por moedinhas em sua brancura clássica. Algumas pessoas a observam (e tiram fotos) quando vêem os executivos de argila se aproximarem. Fotos para registrar o encontro. O branco neoclássico com o barro anti-pós-moderno. A pureza de um passado idealizado e a sujeira de um presente ignorado. Os homens de argila não querem moedinhas, nem podem parar para contemplar a estátua viva em seu modelito greco-romano. Passam – lentamente.

O grupo munido de poderosas máquinas segue na esquina com a Augusta e se anima com a aproximação da performance: tiraram a sorte grande, algo inusitado para treinarem suas técnicas de fotojornalismo artístico! Menos dois que, cegos para os Cegos, quase de gatinhas, quase enfiando suas objetivas na bunda da mulher, perseguem uma senhora de bengala que atravessa a rua.


São Paulo, 05 de dezembro de 2012.

ps: mais informações sobre a performance Os Cegos podem ser encontradas em j.mp/QL0MhZ