sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Coisas quotidianas quaisquer em SP.

Como não moro em Cruzeiro (DF), não me deparo com nenhum pacote de presente com dinheiro na porta de casa, mas ao sair, na minha frente caminha uma mulher de cabelos castanhos. Pelo caminhar, desconfio que seja oriental. Ao alcançá-la na esquina, onde parou para o sinal fechar, confirmo minha impressão. No Center 3, três homens de terno e grava e com um gestual muito solto para a sisudez do traje dão a impressão de uma cena a la Pulp Fiction (nenhum parece Travolta, e o negro do grupo tem apenas um bigodinho, nada de costeletas, como Samuel Jackson). Ficam um bom tempo parados, dois apoiados, conversando, o outro ao celular. Até que surge um quarto homem, esse de terno cinza, carregando uma sacola com sanduíche, e os três vão atrás dele. Se não é Pulp Fiction é outro filme. Na entrada do shopping, três homens – sem terno, mas com gravata – terminam, lado a lado e concentrados, seus sorvetes de casquinha. Não conversam, apenas degustam da sobremesa. Parecem três crianças deslocadas no tempo e nas roupas. À noite, em frente ao mesmo local, vejo duas garotas de top e shortinho minúsculo atravessarem a avenida Paulista com o sinal aberto para os carros. Uma delas, mais ousada (no sentido de se meter na rua), vira a bunda e rebola quando o carro pára para não atropelá-la. A cena me pareceu meio David Lynch, demi-absurda, com a pegada de pop-art da decadência de Arthur Bispo do Rosário. Descendo a Augusta, há dois homens de idade na minha frente. Um deles faz um gesto qualquer e imagino que sejam ingleses – o do gesto, ao menos. Não sei se vem realmente da Inglaterra, não reconheci o sotaque, mas ao passar por eles falavam em inglês. Quase chegando em casa, me vejo no meio de uma fila de mulheres – são três na frente, quatro atrás – andando em fila indiana atrás de um homem. Sigo meia quadra assim, um tanto constrangido por parecer que também estou atrás do macho alfa. Eles atravessam a rua, vão para o bar, eu subo as escadas e entro em casa. Na sala São Paulo é proibida a entrada de pessoas trajando bermudas, shorts e chinelos. Pessoas trajando fantasias bufas de nobre (ou bobo, não soube identificar) da corte estão proibidas de usarem perucas Luis XIV durante o concerto.

São Paulo, 08 de fevereiro de 2013.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

Conquistas, encontros e solidões

Um espetáculo solo numa coreografia que pretende tratar do encontro amoroso, da relação com o Outro. Soa curioso, mas a escolha de Sílvia Geraldi em Todas as tardes está longe de qualquer absurdo: podemos até ser uma inexperiência crônica na arte da conquista (como este que escreve), porém estamos longe de sermos virginais no encontro com o Outro: seríamos antes síntese dessa infinidade de encontros que foram nos formando, conformando, transformando no correr da vida, desde (via de regra) o encontro com o Outro-mãe.

Encontrar o outro é perder-se um pouco de si. Contudo, perdido de si é possível encontrar o Outro? Essa perda que parece tão sintomática da atualidade. Que encontros nos permitem as receitas dos manuais de sedução, que “dão dicas” (porque “ensinar” seria chamar claramente o leitor de ignorante) de flerte, de postura corporal, de frases-chave, de olhares cronometrados?

Não há muitos elementos de palco em Todas as tardes: um gravador portátil e três molduras de tamanhos variados, com rodinhas – com as quais Sílvia interage em alguns momentos. Numa dessas interações, com a moldura um pouco mais larga e alta do que ela, põe-se a correr com o acessório, deixa se levar por ele, apóia-se nele como se apoiasse no ombro de alguém – e a moldura escapa, evitando a entrega completa. Ao fim, dançarina e Outro-moldura acabam frente a frente, como em um espelho: encarar o Outro talvez seja encarar o reflexo de si mesmo. E Sílvia hesita se deve atravessar esse espelho: seria que isso seria a superação de si em direção ao Outro? Ou seria o consumo de si pela própria imagem? Seria o enquadrar-se? Ou seria a descoberta que para além não há nada – ao invés de um país maravilhoso, o deserto do real? Sílvia atravessa para logo retornar, desencontrada.

Táticas de guerrilhas, gestos ensaiados, ordens de não planeje como conduzir a conversa a abordagem: a exigência de confiança e firmeza, e a realidade de hesitações e insegurança. O fato da intérprete não ser uma jovem reforça a sensação de que não há fórmula pronta, de que cada encontro é um ato solitário de atirar-se até o Outro – ou pode ser um estar sozinho a dois, como diante da imagem fria no espelho.

São Paulo, 02 de fevereiro de 2013.