quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Além da faixa amarela

Estação da Sé, sete da noite de uma terça-feira com alguns problemas no metrô (nada comparado ao dia anterior, quatro da tarde, na Barra Funda). Estou com uma amiga espremidos na baia, esperando pelo próximo carro. Chega um, já lotado. Somos arrastados até próximo do embarque, pessoas se socam lá dentro. O trem parte, ficamos esperando pelo próximo. A tal faixa amarela – que, segundo o metrô, “é para a sua segurança” – há muito foi desrespeitada por um sem número de pessoas. Enquanto compartilhamos do calor dos corpos alheios, resolvo contar a minha colega de aperto histórias ouvidas de uma outra amiga, metroviária, sobre casos de pessoas que não respeitaram a tal faixa. O caso que mais me impressiona é o de uma pessoa que, ao que tudo indica, espirrou justo na hora em que o trem passava. Resultado: o trem bateu em sua cabeça e ela morreu. Comentei de um vídeo do metrô em Praga, em que uma mulher passa mal, desmaia e cai no meio dos trilhos na hora que o trem se aproximava. “E aí”, pergunta minha amiga. Se encolheu e o trem não a pegou. “Que sorte”. Sim, sorte, mesmo, porque quando desce pra via, há o risco de morrer eletrocutado pelo chamado terceiro trilho – ou seja, não é só o trem o perigo. “Onde fica esse terceiro trilho”, ela pergunta espichando o pescoço. Também não sei e, claro, não consigo mostrar. Enquanto comento esses casos, vejo duas mulheres – depois da faixa amarela – me observando, checando qual a credibilidade do rapaz que comenta histórias escabrosas de mortes no metrô. Reparo que devem ter me dado por alguém sério, tentam dar um impossível passinho para trás. Seguro o riso e conto um caso mais. O trem chega e, independente da nossa vontade, somos assardinhados para nossa viagem.

São Paulo, 07 de agosto de 2013.


sexta-feira, 12 de julho de 2013

Cálamo e a cidade ao fundo

Cinco pessoas – três homens e duas mulheres – paradas na entrada principal do edifício Domingos Fernandes Alonso, de frente para a avenida São João. Uma luz forte ilumina eles e parte da calçada – imagino que o transeunte poderia ter a impressão de algo como uma vitrine, apesar de faltar o vidro que distancia o espectador da rua do que é apresentado, e apesar da luz vir de trás e não da frente. Chamam a atenção de quem passa. Algumas pessoas param para ver do que se trata – ficam um tempo e seguem seu rumo. Vinte metros longe, dentro do edifício, sentados nas escadas que levam ao Cine Olido, os espectadores que foram para ver “Cálamo: novos experimentos”, da iN SAiO Cia de Arte. Os quatro dançarinos (uma dos integrantes da apresentação é guitarrista, e fica no meio do caminho, tocando guitarra junto ao amplificador) circulam pelo saguão, sobem as escadas, descem-nas se arrastando, abrindo espaço por entre o público acomodado, trombam com pessoas que se dirigem aos caixas eletrônicos que há no caminho, saem do edifício, dançam na sua entrada – ou próximo dela –, onde se dá boa parte da apresentação, distante do público específico – no início ela ainda se focou um pouco mais nas escadas. A rua ao fundo ganha ares de cenário, numa apresentação com fortes características de performance, de muito chão e pouco ar, muitas quedas e poucos saltos. A cidade e seu ritmo ao fundo compõe com os corpos que caem, com as pessoas que remexem a roupa compulsivamente, que se jogam e ficam estáticas. No reflexo do vidro vejo o sinal para pedestres alternar vermelho-verde-vermelho. Dois policiais passam bem debaixo da luz, com a impressão de estranhamento. Estranhamento é a impressão de muitos dos que param para assistir. Um carroceiro passa indiferente. Ônibus e carros seguem seu trajeto na avenida. Um grupo de quatro garotas pára para ver, se assustam quando uma dançarina se joga aos seus pés – tomam distância, ficam um tempo mais assistindo à apresentação, e seguem. Os dançarinos puxam da rua algumas pessoas que estavam assistindo – ao que tudo indica, pelas roupas e desenvoltura, pessoas que estavam ensaiando em uma das salas da Galeria até pouco tempo atrás –, se tocam, se enroscam, se confundem. Quando estão próximos do “público”, nas escadas, uma senhora moradora de rua resolve entrar no saguão e dançar também. Foge quando um dos bailarinos se aproxima. O público ri. Duas pessoas circulam por entre os dançarinos, encarregadas de documentar a apresentação, como se fosse possível ter idéia dela por meio de foto ou vídeo. Perto da metade, já quebrado meu deslumbre inicial do recorte da cidade como parte da apresentação, começo a ficar incomodado com o fato d'ela acontecer tão longe. Decido inverter minha perspectiva. Atravesso o saguão em meio a um rapaz que rola no chão e uma garota que interage com duas crianças de cinco anos, se tanto. Na rua não tenho mais o cenário urbano, mas também não há mais coxia: a apresentação que temporariamente se encerrava com a saída dos dançarinos do saguão continua na calçada. O público espectador, passivo, ao fundo, longe dos bailarinos, não causa a mesma impressão como possível cenário: uma massa amorfa e, em certo sentido, desprezível – reagirão no final, se os dançarinos quiserem saber das suas reações. Fora do prédio, próximo do espaço onde os dançarinos desenvolvem por mais tempo a “coreografia”, encostado num orelhão, sei que então faço parte do cenário. Quando, por duas vezes me vejo cara a cara com um dos dançarinos, descubro ser cenário mais do que cenário: por mais que guarde alguma distância da entrada, não estou distante: sou parte da cena – mesmo que eu esteja só assistindo, segurando o queixo com cara de entendido. Corro o risco de ser levado pro centro do “palco”, ou de ser alvo de intervenção mesmo distante – assim como eles correm o risco de eu intervir na sua apresentação. Eles encerram “Cálamo” na entrada, distante do público espectador. Agradecem, agradecem quem aplaude da rua. Ali, próximos, a impressão de estarem numa vitrine continua: a questão é que a vitrine não é para a rua, mas para o público passivo distante.

São Paulo, 12 de julho de 2013.