quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Esperando o sinal abrir

São sete e quinze da noite. O sol se pôs no horizonte, tingindo de diversas cores as nuvens de um dia cálido. Ele não aparece mas sua claridade ainda está presente, forte o suficiente para que as luzes da cidade sigam apagadas. É aquela hora que, de alguma forma, por alguns instantes, compartilhamos o destino de Peter Schlemihl e estamos sem sombra – a diferença é que não a negociamos com o diabo. Por via das dúvidas, algumas pessoas se antecipam à noite iminente e desafiam deus e o diabo com os faróis de seus automóveis. Um deles está parado na esquina da Dona Antônia com a Consolação, esperando o sinal abrir. O motorista gesticula espaçosamente enquanto conversa com o passageiro. A conversa parece interessante, não sei se repara no pôr-do-sol ou no garoto moreno, mais baixo que o carro, que com o rosto tristonho faz malabarismo com três bolas sob a luz amarela que o carro emana. Ele se retira da frente do carro antes do sinal abrir, deixando o caminho livre para a cidade seguir seu fluxo rumo à noite.

São Paulo, 13 de novembro de 2013.

ps: foto de Julia Teles Baptista, 12 de novembro (dia da cena).

terça-feira, 12 de novembro de 2013

O frescor do verão [memórias feitas de saudades]

Levo uma amiga para conhecer o restaurante árabe da Cracolândia que tanto gosto. Apesar de ser quase oito da noite, faz calor. Pedimos um sugog e um shawarma. A cerveja é preciso comprar no bar ao lado. Minha amiga se levanta e vai. Está com um vestido leve, que a cada passo deixa a expectativa de que suba, mostrando um pouco mais suas pernas (depois me explicaria que se trata, na verdade, de um shorts). “Ah, o frescor do verão”. Lembro da frase tantas vezes trocadas com você, pessoalmente ou por sms. Algumas lágrimas me sobrem aos olhos, são poucas, mas vêm com tamanha força que não consigo segurá-las. Foi algo parecido, só que mais intenso, quando você me abraçou por conta de um desentendimento com essa mesma amiga – havia vários motivos, fazia tempo que eu precisava chorar e não conseguia, até sentir seu toque. As lágrimas me fazem lembrar de trecho de sonho que tive no final de semana, em que eu tentava segurar o choro – por sua ausência – até não conseguir mais. Essa cena tem sido recorrente em minhas noites. Minha amiga volta com a bebida e dois copos. “Que foi? Por que está chorando?”. Conto da memória que me aflorou. Vocês invertem papéis, agora ela quem me consola. “Ela deve estar num lugar melhor, rindo de você – bobo – estar chorando assim”. Poderia ser, eu adoraria que você estivesse em qualquer esquina ali perto, invisível, apoiada em uma mesa, segurando um cigarro, uma Coca-Cola, um suco, uma copo de cerveja, uma água, comentando das garotas que se aproveitam do calor para o trazer às nossas vistas o frescor de seus vestidos sobre a pele convidativa. Você olharia para mim, um sorriso nos lábios, suspiraria e diria “ah, o frescor do verão”, antes de cairmos na gargalhada.

São Paulo, 12 de novembro de 2013.

[para Patrícia Misson e nossos comentários sobre o frescor do verão]