quinta-feira, 19 de junho de 2014

Dejanir D. [retratos feitos de memórias]

O diagnóstico de um tumor caiu como uma bomba, como um atestado de óbito: aqui jaz Dejanir D. Entre lamentações no futuro do pretérito e o não se conformar que, mesmo fazendo exames periódicos, não tivesem pego a doença em seu início, se deu conta de que a única coisa que lhe restava era não desanimar e encará-la. Saiu da sala de cirurgia sem forças, a ponto de ter perdido a voz - sussurrava. No hospital, pensou e repensou a vida, mergulhou em memórias, deixou aflorar sentimentos e ressentimentos. Assim como aprendeu que não adiantava se lamentar do que poderia ter sido mas não seria nunca, expurgou também ressentimento que carregava consigo há décadas: era o presente, o efêmero e fugaz presente o que ele tinha - e a ele se agarrava. O passado? Como lembrança e não como um peso. O futuro? Como esperança, não como fuga: pois se quisesse viver não podia fugir. Vieram os tratamentos, os efeitos colaterais, e ele insistiu com seu dia-a-dia, seus negócios, seu interesse por política e relações internacionais. Veio a cura. Um ano depois, a volta - da doença. E ele insistiu com seu dia-a-dia. Mudou alguns hábitos, é certo (nem todos para melhor), por causa do câncer, mas tais mudanças serviam como afirmação da vida: que venha a doença, mas ela que se insira em seu quotidiano, porque viver para ela seria admitir que ela é mais forte. Semana passada, ainda que meio enjoado, discutia a crise na Ucrânia.

São Paulo, 19 de junho de 2014.

19 de junho: os bons jornalistas brasileiros [Copa 2014 (toques)]

Distante de uma cidade-sede, tenho, em compensação, um televisor por perto. É a chance de assistir aos jogos – a um, que seja – da copa das copas. Como o ônibus atrasa (são as águas de junho fechando o outono nas terras subtropicais), chego para o segundo tempo de Colômbia e Costa do Marfim. Apesar da derrota, Gervinho marca um golaço para a seleção africana. O narrador exalta o gol e fala que Gervinho é fã do futebol brasileiro. Só se for do futebol brasileiro de antigamente, porque fosse o ídolo tupiniquim atual e teria caído no primeiro esbarrão e o gol não teria saído. Próximo jogo do dia: Uruguai e Inglaterra. Na Globo, o narrador oficial do Brasil, o intragável Galvão Bueno, emérito morador do principado Mônaco – bom exemplo do orgulho de ser brasileiro dos novos ricos do país, restrito à seleção de futebol e um que outro esporte da moda. Na Band, a emissora alternativa, o insuportável Neto como comentarista, fala mais que o narrador e quase tanta besteira quanto o Galvão, com o mesmo estilo de quem sabe tudo, a diferença de que parece que está tendo o saco apertado enquanto fala. Prefiro escutar pelo rádio, que chega com dez segundos de atraso, o que irrita meu pai e meu irmão. Não vou arranjar briga por futebol - agüento um tempo a narração televisiva, logo desisto. Na internet, descubro que a nossa Grande Imprensa segue dando mostras de bom jornalismo: os jornais Globo e Folha de São Paulo publicam entrevista exclusiva com Felipão em avião de carreira, feita pelo jornalista Mario Sergio Conti. Um show de ingenuidade do jornalista, erro que estudante não comete – sejamos compreensivos, assim como é coisa de novato a pose de intelectual que ele ostenta em suas fotos. Também novatos são os editores dos dois jornalecões, que tampouco acreditaram nos fatos (o cartão entregue pelo sósia se dizendo sósia de Felipão) e prefeririam a verdade da versão do jornalista. O jogo entre Grécia e Japão foi, comparativamente, um belo espetáculo, perto da qualidade da nossa Grande Imprensa.

Pato Branco, 19 de junho de 2014.