sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Tonolec: de quando a cultura indígena não está morta

Uma coisa que aprendi logo que mudei para Sampa foi não me limitar ao consagrado - às vezes acabo por evitá-los por conta das filas ou dos valores -, e arriscar atrações desconhecidas, motivado pela descrição, pelo cartaz, ou por escolha aleatória. Às vezes - a minoria - me dou mal. Outras poucas, me dou muito bem. Foi este o caso nesta sexta, quando fiquei conhecendo a banda argentina Tonolec, dos músicos Charo Bogarín e Diego Pérez, que se apresentaram na Galeria Olido, na Avenida São João.
A proposta da Tonolec é arriscada: misturar música dos povos autóctones do norte argentino (toba, mbya guarani, etc) com música eletrônica. Calcados em mais de uma década de pesquisa e respeito não-museológico pela cultura indígena, o resultado é de alta qualidade: músicas envolventes - mesmo as mais diferentes do que estamos habituados pela indústria cultural -, cantadas pela bela voz de Charo - não só em castelhano, como nas línguas locais -, reforçadas pela presença de palco marcante dos músicos, principalmente de Charo.
Tonolec não se limita a trazer cultura exótica e música folclórica engessadas em alguma sacro-santa forma primeva para o consumo de turistas. À pesquisa da música tradicional segue-se o trabalho sobre esse material enquanto cultura viva - aberta, portanto, a mudanças, de onde a junção com a eletrônica. Cultura viva porque tampouco a mata ao encaixá-la em fórmulas prontas para pasteurizar o diferente em um produto para consumo rápido e descartável - a exemplo da Axé Music e Tchê Music, ou da música chaabi enformada (e deformada) em um dance-pop a la Festa no apê. (Parênteses: não sou grande entendido de música, mas numa puxada rápida pela memória, só me vem o disco Roots, da banda Sepultura, fazendo recentemente trabalho parecido, de incorporação e fusão com músicas indígenas).
Como Charo explica em certa altura do show, Tonolec é o nome em língua toba para uma ave local - a caburé -, famosa pelo seu canto hipnótico: não vejo nome mais apropriado! E tenho certeza que as pessoas presentes na Olido, sexta, assim como eu, esperam por um retorno breve por estas paragens.

São Paulo, 29 de agosto de 2014

Para saber mais: www.tonolec.com.ar ou no Fakebook

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Notas sobre o primeiro debate [eleições 2014]

Escutei apenas aos dois primeiros blocos do primeiro debate entre os presidenciáveis, organizado pela rede Bandeirantes de comunicação (sic). Pelo que conversei com meu pai e li alhures, não perdi muito ao preteri-lo por Norwegian Wood, do Haruki Murakami. Meu pai achou que Genro foi a mais clara nas suas falas, nas suas posições, nas suas críticas e propostas. Em algum canto da internet li um texto perplexo por Boris Casoy ter feito casoyzadas nas suas perguntas (desta feita não era sobre Deus, que quanto a isso todos os candidatos são ferrenhos religiosos). De minha parte, do pouco que acompanhei, não esperava nada de nível elevado, e não me decepcionei - o que considero positivo, dado o estado do debate político conduzido pela nossa Grande Imprensa. 
Levy Fidelix foi além do aerotrem e defendeu propostas fascistóides. Pastor Everaldo, acreditando ter alguma chance, evitou aplaudir a violência homofóbica (deveria considerar isso positivo, ou não há ponto positivo nesse tipo de hipocrisia?). Luciana Genro eu classificaria entre o insosso e o precário. Perdeu a oportunidade de apresentar e defender bandeiras de esquerda na pergunta sobre segurança pública - como desmilitarização da polícia e os direitos humanos - para se apresentar ao público, e quando quis fazer alguma piadinha a la Plinão - ao comentar que ninguém perguntara para ela - acabou soando uma criança mimada. Suas críticas - à predominância das finanças, por exemplo -, ainda que não as julgue inválidas, me parecem equivocadas, visto que, dado sua abstração, seu caráter demasiadamente macro, não geram qualquer reflexão ao eleitor, servindo tão-somente de discurso aos convertidos: favorecer os bancos é ruim por que? Se a vida do eleitor médio melhorou, e ele conseguiu até mesmo comprar um carro ou mobiliar a casa graças ao financiamento de algum banco ou financeira, o que há de ruim com eles? Os que já aceitam essa visão mas tem um pé na realidade, a questão é como fazer: Dilma tentou baixar os juros e se deu mal, sendo bombardeada por todos os lados. Enfim, se a partir do terceiro bloco Genro conseguiu mostrar seriedade na sua participação, foi por conta de mudança radical frente os dois primeiros blocos. O destaque nesses blocos, na minha opinião, foi Eduardo Jorge, do PV. Trazendo à tona questões micropolíticas de esquerda, como legalização das drogas (ponto fundamental para a redução da violência e criminalidade, segundo ele) e a legalização da interrupção da gestação. 
Dilma fez o que era de se esperar de quem busca a reeleição, é líder nas pesquisas e favorita, e está num cenário hostil a ela e ao seu partido: vestida com o figurino de gerente que a elegeu em 2010, cuspiu números tentando se defender. Aécio mostrou que como herdeiro de FHC, só defende seu legado à direita: quando questionado por Jorge sobre aborto, seguiu a linha do PSDB paulista e optou por disputar com Marina, Dilma e pastor Everaldo o voto mais reacionário. Perdemos todos com essa posição. 
Marina foi o outro destaque do trecho a que assisti. Para além do discurso publicitário, a candidata mostrou não possuir nada. A primeira coisa a ser notada na ambientalista que acha que o código florestal é secundário diante da tentativa de assumir o poder do PV, é que ela equivocou ao mudar para o PSB: nem de direita, nem de esquerda é o partido do Kassab, o PSD. A seguir, chama a atenção sua humildade: depois da "providência divina" que escolheu matar seu colega de chapa para que ela concorresse, se propõe a uma tarefa que Jesus não alcançou: agradar a todos e governar com os melhores - sejam seus amigos ou inimigos. Sua modéstia é perceptível quando fala em ser eleita e não ungida. Piadas à parte, o que me chamou a atenção nas três falas da candidata da providência divina foi que ela sempre se remeteu ao falecido companheiro de chapa: ficou claro que é sua estratégia explorar a desgraça alheia para angariar votos. Ademais, sua retórica se mostrou desprovida de plano de governo. Resta, então, a dúvida: quanto tempo ela consegue sustentar seus índices nas pesquisas com base no discurso de emoção e vazio de conteúdo? Não me surpreenderia um fenômeno a la Celso Russomano, que, em 2012, quando saiu da abstração retórica para propostas concretas caiu mais rápido que subiu. É certo que Marina não é Russomano, possui longo histórico de política e de propostas (majoritariamente vinculadas à questão ecológica, o que é ótimo para um representante legislativo, não para o executivo), mas engessada pelos acordos firmados por Campos, sua tentativa de não rompê-los com estardalhaço pode lhe custar caro - tanto quanto mantê-los ou rompê-los com alvoroço. Marina se pôs a difícil tarefa de explicar porque é a nova política quando seus acordos e seu séquito são da velha política.

São Paulo, 28 de agosto de 2014.