domingo, 7 de dezembro de 2014

K-popers no CCSP

Passando pelo Centro Cultural São Paulo ouço gritos histéricos vindos da sala Adoniran Barbosa. Dão a impressão de haver ou um astro pop a la Michael Jackson, Beatles, ou uma gincana de colégio muito empolgante e disputada. Na entrada da sala, um cartaz me diz que é algo nesse meio termo: "K-Pop Tournament", torneio de danças cover de bandas e cantores e cantoras pop da Coréia do Sul. Não sei muito detalhes, se é monopólio como a brasileira, ou olipólio, sei que Coréia do Sul possui uma forte indústria cultural, com novelas com ótimo nível técnico exportadas para os países vizinhos, e uma série de boys e girls bands e artistas solos que cantam um pop super redondo, com clipes e coreografias que impressionam pelo rigor - e, a exemplo de Nova Iorque, essa indústria cultural forte acaba por criar uma cena independente interessante. O CCSP é um lugar que reúne pré-adolescentes e adolescentes empolgados com bandas de k-pop: diariamente é possível ver grupos ensaiando, e aos finais de semana é impossível não vê-los. Por mais que considere as danças (e as músicas, via de regra) do estilo antes ginástica hiper-coreografada e tenha torcido o nariz quando escutei, certa feita, uma discussão ao meu lado em que três rapazes já acima dos vinte anos se diziam artistas por dançar k-pop, acho interessante se reunirem para dançar - desde que não exagerem no volume da música. Nutro a esperança desses jovens serem menos homofóbicos (há muitos gays, alguns que tenho visto lentamente se montarem para dançar como mulheres) e num futuro se dedicarem a uma dança mais que técnica e bonitinha, mas significante e causadora de tensões no público.
Enfim, à competição, que acompanhei brevemente, cinco músicas incompletas. Coreografias (as coletivas) muito sincronizadas, de precisão coreana, a sucessão entre os competidores praticamente sem pausas - tempo para o anúncio (impossível de ouvir por causa dos gritos) da próxima atração e já está a música rolando, os adolescentes pulando, a platéia gritando. Mais interessante que os dançarinos é o público, que não apenas canta junto (em coreano), como acompanha a coreografia, sentados, com gestos contidos. Isso para não falar nos gritos histéricos, de homens e mulheres, nos momentos oportunos: notei que as músicas possuem uma ou duas pausas, em instantes propícios para os gritos dos fãs. E não é torcida: é quase todo mundo gritando para todas as apresentações (o que me leva a perguntar por que fazer uma competição, e não apenas um dia de apresentações). Às vezes alguns cartazes, feitos de canetinhas e folha de caderno, são levantadas. Quem se apresenta segue impassível a tudo isso, concentrados na coreografia. Um casal (piá e guria), ao que tudo indica, vai além da coreografia oficial e se beija ao fim da apresentação - o público alucina. Eu dou risada, volto para casa, além de já me dar por satisfeito, tenho coisas na mochila pra guardar na geladeira. Me pergunto como não deve ser um show de um astro do k-pop, como anunciado em uma mesa perto da saída da sala. Acho graça, mas ao mesmo tempo minha jugular crítica me faz ter um quê de profundo incômodo com tudo isso.

São Paulo, 07 de dezembro de 2014.

Ps: uma coisa que admito ser muito legal, mesmo estando nessa lógica de mercadoria é a t-girls band (isto é, transexuais), Lady (레이디)
Adicionar legenda

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Praça San Martín

Caminho até o fim da calle Florida e acabo na praça San Martin. Abro o mapa, estudo que rota seguir: não tenho ponto de chegada. Um homem chega oferecendo ajuda, muito simpático. Diz que o senhor da estátua é Dom Pedro I. "O do Brasil", pergunto intrigado. Não, mas seria o equivalente argentino, ele explica. Ora pois, ou é ou não é. Ensina que para um lado é a Recoleta, para o outro, San Telmo, fala rapidamente de um ou dois pontos turísticos de cada lado. Não consigo me desvencilhar, explicar que não estou perdido, nem em dúvida do que visitar: apenas estudo um caminho qualquer a seguir, um caminho que tenha me chamado a atenção no mapa por seus cruzamentos, suas curvas, ou seus ângulos de noventa graus em cada esquina. Depois disso, me pede ajuda para não sei que instituição - está até com um jaleco verde com uma cruz vermelha e um crachá. Lembro da história do meu irmão em Berlin, lembro das histórias quotidianas dos pedintes da estação Tatuapé, que tiveram ontem a mesma tragédia de anteontem - a morte da filha, a internação da esposa -, contadas pela Misson (minha favorita, depois das muitas dos valorosos moradores de calçada (e antes que alguém enxergue, não há qualquer ironia aqui) era a ceguinha que enxergava). Resisto, ele insiste, cedo. Vasculho moedas, mas lembro que na Argentina moedas valem quase nada e dou uma nota de cinco - valor de uma viagem de metrô. Ele pede pelo menos uma de dez, recuso, explico que trouxe pouco dinheiro e troquei no oficial. Só faltou me chamar de burro por não ter trocado no "negro", mas me deixa em paz. Recordo de quando esperava Camila, a moreninha da balada, em 2012, no cinema na Augusta, e um pedinte me pediu uma ajuda; dei-lhe uma moeda que tinha no bolso, cinqüenta centavos, ele reclamou: pó, dá ao menos um real! Eu já estava p da vida aquele dia, e não fosse o encontro nos próximos minutos, teria pego a moeda de volta. Depois disso, nunca mais dei esmola, saio com meu "hoje não rola". Pedintes aqui, há vários, em geral com crianças juno, o que muito me entristece e preocupa - já comentei sobre isso em outra crônica. Ao meu lado se senta um senhor bem cinematográfico, garboso em seus cabelos brancos, sua begala, paletó e sapatos azul marinho, um lenço vermelho. Atrás de mim, um homem vomita novamente. Cansarei de escutar seus despejos gástricos dentro de outras duas ocorrências - o porre ontem foi grande. Dou um giro pela praça. As construções que a circundam se harmoniza, dialogam entre si, apesar de serem de épocas e estilos muito diferentes: é antagônico ao cada um por si e foda-se a cidade dos prédios em São Paulo - do Martinelli e do Copan aos últimos apartamentos de kitnetes lançados na República. Há o museu nacional de armas, mas desconfio que ficarei deprimido em visitá-lo, melhor caminhar a esmo. Buenos Aires tem suas altas torres, banais edifícios pós-modernos de vidro verde que dão um ar de não-lugar aos grandes centros urbanos. Em Palermo, alguns prédios de alto padrão - na avenida Libertador, mas também na Coronel Díaz - já recusam a convivência em seus térreos: recuos frontais ao invés de comércio - e porteiros para garantir a segurança. Eis, talvez, um dos pontos mais decadente que vi de Buenos Aires.

Buenos Aires - São Paulo, 03 de dezembro de 2014