Isso nunca tinha me acontecido antes. É verdade. Foi neste carnaval, e o fato de ser em meio a essa festa é apenas uma coincidência sem qualquer significado. Eu ia de São Paulo a Pato Branco. Eram seis e meia da manhã, o ônibus chegara na garagem, em Ponta Grossa, para reabastecer e trocar de motorista. Eu não sei com o que sonhava; sei que dormia gostoso, na profundidade que o excesso de estímulos me permitia: a música em meus fones de ouvido, tentando abafar a música que vazava potente dos fones de ouvido de meu vizinho de viagem - uma versão tampinha do Cássio, goleiro do Corinthians -, com quem eu tivera uma pequena disputa pela demarcação de território antes da viagem começar de fato; o ruído do motor, o barulho do ar-condicionado, a luz que entra de fora pela cortina escancarada; o foco de luz de meu vizinho, o Cássio baixinho, que parece ter medo de escuro; o pra esquerda e pra direita das curvas da estrada, e o próprio "balancinho do ônibus", como diz minha mãe - que me faz perguntar por que alguém paga para usar aquelas cadeiras massageadoras na rodoviária. Pois era esse o ambiente que me rodeava quando (soube disso depois, é claro) o ônibus adentrou a garagem, foi até um canto escuro, onde fica a bomba de combustível e o motorista desligou motor e tudo o mais. De repente me vejo privado de estímulos: há tempos a música havia acabado em meus fones e do meu vizinho, sem motor ou ar-condicionado, sem esquerda-direita nem balancinho, sem luzes de fora e de dentro, diante dessa escuridão silenciosa, desse silêncio escuro, acordo assutado: Putaqueopariu, morri! Ainda grogue de sono, abro os olhos, vejo onde estou e me certifico que, apesar de por um instante achar que não, sigo vivo, sim. Mesmo com todo o alívio, uma sensação desagradável perdura.
rEflexões aleatórias sobre questões aleatórias. nÃo são exatamente opiniões, são antes tentativas de entender o mundo que me habita.
sábado, 14 de fevereiro de 2015
domingo, 1 de fevereiro de 2015
Eleições 2014, ainda - ao menos na Grande Imprensa.
Dois
mil e quatorze acabou, as eleições, não. É o que dá para deduzir
do artigo da diretora adjunta de redação do Valor Econômico,
Claudia Safatle, em uma análise carente de lastro na realidade
publicado na edição desta sexta-feira, que vocaliza como única
verdade os desejos dos donos dos poderes - apresentados na Grande
Imprensa como "opinião pública", "opinião de
especialista" ou singelamente como "o país".
Diz
ela que "Dilma não pode, ao final de dezesseis anos de governo
do PT, entregar a economia pior do que Lula a recebeu em 2003, sob
pena de condenar o partido à inanição e à morte". O fim do
PT é o que canta a oposição desde o chamado Mensalão, mas o que
se viu foi o desaparecimento do DEM e o enfraquecimento do PSDB.
Achar que o Partido dos Trabalhadores corra perigo de desaparecer é desconhecer sua
história e ignorar o presente. Ainda que perca as eleições, o PT
conta com uma base forte, ainda que menos coesa e engajada do que na
década de oitenta, e por ora nada no horizonte ameaça sua hegemonia
dentro do espectro "progressista" da política tupiniquim
(por favor, entender esse "progressista" em termos
relativos frente as demais forças políticas do país). A explicação
para os reiterados erros de previsão é simples: o Brasil, apesar de
seus milionários e novos ricos com casa em Miami, de seus coronéis
religiosos e midiáticos, segue um país feito de trabalhadores e
trabalhadoras que labutam muito e ganham pouco, cuja preocupação
maior é de suas contas fecharem no fim do mês, e não as do país.
Os "desajustes macroeconômicos" - cuja idéia assume
implicitamente que os modelos neoclássicos correspondem à
realidade, apesar de cada vez mais desacreditados pelos grandes
economistas do mundo -, apresentados como desastrosos, porque
dificultam a transferência de renda aos donos dos poderes, são
secundários, ao brasileiro médio, diante do emprego recorde e do
aumento real dos salários - isso ajuda a explicar a vitória
petista, ano passado. Além disso, os porta-vozes dos poderosos são
incapazes de compreender a diferença que as políticas sociais
petistas fazem, preferindo acreditar na grosseira tese do
bolsa-família como curral eleitoral, enquanto os verdadeiros novos
coronéis da política - os pastores evangélicos e os barões
midiáticos - passam incólume, apenas aumentando seu rebanho de
almas-votantes e zumbis-raivosos.
Quem
corre mais risco com o segundo governo dilmista é a própria: ao
adotar o receituário conservador-reacionário, depois de ter ganho
as eleições com um discurso à esquerda, Dilma corre o risco de ser
abandonada, no fim de seu governo, pelo partido e pelos movimentos
sociais - dizia Maria Inês Nassif, no mesmo jornal, ainda antes da
primeira eleição de Dilma, que ela seria a primeira presidente
menor que o partido desde o início da Nova República. Sob fogo
cerrado da Grande Imprensa, da direita hidrófoba, dos movimentos
sociais e das esquerdas, não será surpreendente se o partido da
situação apresentar um candidato de oposição, tal como o PSDB e
José Serra, em dois mil e dois. O ministério de Dilma dá algumas
pistas nessa direção.
Enquanto
isso, âncoras, colunistas e formadores de opinião da Grande
Imprensa seguem noticiando o que não passa de desejo de seus
patrões, na esperança que uma alucinação coletiva traga de volta
os bons tempos em que eles não eram incomodados pela malta que serve
seus canapés.
01 de fevereiro de 2014.
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