segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

PSDB, choque de gestão, gestão de choque e omissão de notícias

Um dos bordões mais usados pelos políticos do PSDB é o tal "choque de gestão". Acompanhando as recentes notícias nos estados e rememorando alguns governos de antanho, começo a perceber com mais clareza que o tal choque de gestão tucana é antes uma série de fios desencapados ao alcance do cidadão do que uma blitzkrieg na forma como o Estado é governado.
Fernando Pimentel, em Minas Gerais, reclama da herança maldita de vinte anos de tucanos à frente do estado. Alguém pode dizer que é retórica vazia copiada do ex-presidente Lula; convém lembrar, contudo, que a inflação - esse mal impiedoso que Leitões da vida falam como se fosse a única importância do mundo - estava acima de doze por cento quando o PT assumiu o governo federal. No Paraná, bastaram quatro anos para que Beto Richa montasse a bomba que explodiu em seu próprio colo. Tem agora menos de quatro anos para evitar que aconteça com ele o partido no estado o que aconteceu com o PSDB gaúcho após o choque de gestão da ex-governadora Yeda Crusius: o quase desaparecimento da legenda, agora com um deputado federal e quatro estaduais. Isso para não falar no estado mais rico da federação, em que o partido tenta se tornar um mini-PRI, sobrevivendo graças ao conservadorismo xenófobo da classe média do centro paulistano e dos grotões agrícolas do interior.
Será mesmo o PSDB tão inapto à gestão da coisa pública?
Em dois mil e um, com uma estiagem bem menos severa que a atual, em que sequer se levantou a possibilidade de racionamento de água nos grandes centros urbanos do sudeste, o país teve racionamento de energia, afetando a produção e o emprego - era o sétimo ano do governo de FHC. Agora, em dois mil e quinze, em São Paulo e no Vale do Jequitinhonha, no semi-árido mineiro, a pouca chuva é assunto recorrente. A diferença está que o paulistano não sabe se terá água, até quando e em quais condições, enquanto o morador do "vale da miséria" não tem esse tipo de preocupação: água limpa para beber e cozinhar está garantida, graças a um programa simples e barato de cisternas do governo federal petista. O governo de Minas era alertado há três anos pelos industriais sobre a iminência de uma crise hídrica. Em São Paulo o assunto também não era desconhecido, mas nem Anastasia, nem Alckmin fizeram qualquer coisa. É desse misto de omissão, incompetência e falta de transparência do governo paulista que um surto de dengue atinge na capital e o risco do cólera volta a preocupar os responsáveis pela saúde pública.
Curiosamente, a crise hídrica e o iminente racionamento de água em São Paulo só começaram a ser noticiados com um pouco mais de ênfase pela Grande Imprensa quando se levantou a possibilidade (por ora pouco provável) de racionamento de energia. Uma série de reportagens já mostraram e demonstraram todas as perdas que a indústria e o país terão no caso de um racionamento de energia, fruto do descalabro do governo petista. Ah, sim, no canto da página do meio de um caderno também se noticia que caso haja desabastecimento temporário de água em São Paulo podem ocorrer algumas externalidades negativas.
Ok, a gestão de choque dos tucanos é marcada por falta de planejamento, corrupção (a corrupção na Petrobrás, conforme um dos delatores da operação Lava-Jato, teria começado no primeiro mandato de FHC), desemprego, aumento de impostos, aumento de juros, crise na educação e na saúde, colapso da segurança pública, mas deve haver algo positivo feito em benefício da população.
Leio hoje na internet que em breve os estudantes da rede pública terão bilhete gratuito nos trens da CPTM e Metrô. Uma ótima notícia, sem dúvida! Entretanto, o PSDB levou vinte e quatro anos (!), mais ou menos uma geração, para tomar essa medida simples e só o fez depois que Haddad implementou para os ônibus. O mesmo vale para o bilhete único mensal: foi depois de Haddad ter posto em prática nos ônibus que o governador criou para os trilhos. Ah, sim, o bilhete único: outra boa medida do PSDB tomada só depois de implementada pelo PT (com a Marta).
É de se perguntar: se o PSDB é tão desastroso assim no comando dos postos executivos, como pode seguir ganhando eleições? Primeiro que há parcelas da população que saem ganhando - em geral uma minoria bem abastada. Segundo, que essa minoria bem abastada e satisfeita é amiga dos reis da comunicação - se não for ela mesma a sentar no trono. Seus porta-vozes estão vinte e quatro horas defendendo quem sempre defende seus interesses - os cristãos-novos do velho arranjo das oligarquias brasileira e internacional, esses podem pagar a penitência que for, dar as costas aos seus eleitores, que não são agraciados com a graça divina dos barões da mídia. Daí toda a notícia negativa ser culpa do PT e o PSDB aparecer sempre como o partido comprometido com a resolução do problema (divino, porque sempre se omite que foi o próprio partido quem o criou). Terceiro, porque há um preconceito de classe que desde a ascensão do PT ao poder federal faz a parte abastada da sociedade se roer de raiva, fazendo de forma cada vez mais agressiva - do ex-presidente por não ter curso superior (equivalente a analfabetismo) à presidenta por, por... porque sim -, deixando transparecer o ódio - estimulado pelos âncoras e comentaristas rádio-televisos - e pondo por terra a tese do brasileiro cordial, tão-logo a senzala usou o elevador social pela primeira vez (alguém lembra o alvoroço da Veja quando as domésticas ganharam direitos trabalhistas?).
Por fim, às acusações de que eu seria petista, que já antevejo, não nego simpatia muito maior pelo projeto do Partido dos Trabalhadores ao do Partido da Social Democracia Brasileira, porém tirando dessa relativização, sou crítico do PT, que me parece um partido mais interessado no discurso do que na prática em realizar mudanças profundas na estrutura social do país - Lula disse em algum canto que a mudança que ele fizera era a que o Brasil permitia sem cair em novo regime de exceção. Me parece que às vezes vale tensionar e tentar ir além dos limites aparentemente impostos.

23 de fevereiro de 2015.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Passei no vestibular

Demorou, mas finalmente alguém não me deu os parabéns e perguntou "que curso" depois de minha resposta à pergunta sobre o que houve com meu cabelo. Ao meu "passei no vestibular", minha amiga não titubeou: "aham, tá bom. Diz aí, por que raspou?". Comentei que andava insatisfeito com os cortes em cabelereiros - não por culpa dos profissionais, e sim de minha parca cabeleira -, e desde o fim do ano passado, corto eu mesmo meu cabelo, com a ajuda de uma máquina de barbear e dois espelhos. Descobri, no feriado de carnaval, que tentar cortar o cabelo pouco depois de acordar, com ele revolto e maçarocado, não dá certo e, diante de um buraco que abri com a máquina, resolvi raspar tudo - logo no zero, para ver como é que fica. Uma outra amiga, após um tempo para me reconhecer, estranhou: "da última vez que te vi, você estava brigando para manter os cabelos na cabeça, agora te encontro assim". Ok, prefiro os cabelos, porém admito: desta feita até que não ficou tão mau, ao menos comparado à outra vez que o zero perfez minha cabeça - essa, sim, por conta do vestibular -, em noventa e nove. Minha mãe mesmo reconheceu que minha cabeça deu uma arredondada nesses quinze anos, perdendo a citação à arquitetura árabe (nada contra, muito pelo contrário, só não simpatizava com minha sombra abobadada). Contudo, foi ingenuidade demais de minha parte achar que porque uma pessoa não acreditou na história do vestibular, a partir de então nenhuma outra iria acreditar: minha fama de eterno vestibulando, ou de permanente calouro-em-potência é grande, e não sem uma certa dose de razão: desisti da psicologia para prestar filosofia (prestei física também nesse ano), da filosofia passei para ciências sociais (essas duas ao menos terminei); tentei por três anos arquitetura, sempre ficando na prova de aptidão por motivos óbvios (nunca fiz maquete fora dessas provas, não sei desenhar, há dez anos não via geometria e afins, e sou daltônico para a prova de lápis de cor), e acabei por começar o curso de ciência e tecnologia (no qual hesitava entre seguir engenharia ambiental e urbana e neurociência) - e isso tudo porque me achei na filosofia e não abandono mais o barco. Pois encontrei hoje um amigo, que me interpelou com a mesma pergunta e foi contemplado com a mesma resposta. Era um amigo mais próximo, achei que perceberia que não falei de vestibular ano passado - não percebeu. Mas não deixou de mostrar que está atento aos meus últimos movimentos: "entrou em dança?". Tentei ver pelo lado bom: não me perguntou "que curso", e deu um chute com propriedade. De qualquer modo, não me pareceu um prêmio de consolação suficiente.

20 de fevereiro de 2015