domingo, 5 de julho de 2015

Por outras notícias, por outras provocações!

Em seu livro Sociedade Excitada: filosofia da sensação, Christoph Türcke comenta que não é qualquer fato que merece ser notícia, e sim aqueles que dizem respeito a todos - ao menos era assim na Roma antiga, em que eram noticiadas questões concernentes à res pública. Com o advento da imprensa de massa e da indústria cultural - da empresa jornalística -, o que merece ou não ser notícia, que coisas são relevantes ao público ou não, passa a ser alvo de disputa - tanto quanto aquilo que é noticiado. Na pressão por vendas, a imprensa corporativa não hesita em dar relevância a temas irrelevantes - mas que atraem o público -, e não tem pudores em ser seletiva nos assuntos da res pública que devem ser considerados importantes.
Além desta necessidade de sobressair, Türcke destaca outros dois denominadores comuns da notícia em nosso tempo: deve ser nova e deve ser compreensível. Este último aspecto implica na simplificação da realidade, em tornar um assunto complexo em familiar ao grande público, em algo quantificável, em uma imagem - ou seja, em algo próximo da linguagem publicitária: que demande o mínimo de atenção e esforço mental. Sobre a necessidade de ser sempre nova, algo merecedor de ser notícia em um dia deixa de sê-lo no dia seguinte se não houver desdobramentos que o justifiquem. Ao cabo, a lógica da notícia acaba sendo invertida: "a ser comunicado, porque importante" a ideologia apregoa, sub-repticiamente, que "importante, porque comunicado".
Tudo isto mostra algumas das dificuldades da imprensa alternativa, tanto na questão do conteúdo quanto da forma: como impôr pautas no debate público, quais pautas postas pela Grande Imprensa merecem ser discutidas; de que modo fazer isso?
Não resta dúvida que as novas tecnologias têm alterado nossa percepção: cada vez é mais difícil manter a concentração em um longo texto enquanto links para assuntos relacionados surgem aos borbotões em todos os lados da tela do computador ou do celular. Isso justificaria reduzir a análise a um tuíter, a um slogan publicitário, a uma palavra de ordem? Coxinha e petralha são dois exemplos de "conceito-síntese" que permitem uma crítica em uma linha: enuncia-se o "descalabro" ou o "desrespeito" e avisa que é coisa de petralha ou coxinha. No que isso contribui para o debate?
Ademais: devemos aceitar como notícia apenas o que está candente? Estamos estarrecidos com a votação da PEC da maioridade penal, mas não podemos esquecer que ainda correm a reforma política e a lei da terceirização. Assim como rebatemos o que a Grande Imprensa nos faz lembrar diuturnamente, não podemos sucumbir ao esquecimento seletivo que ela - e o ritmo alucinado da timeline do Fakebook - nos propõe.
Provocar, mas não pela provocação rasteira veiculada na Grande Imprensa e repetida alhures, que apenas reforça posições e incita o ódio. Por uma provocação que nos desestabilize da nossa zona de conforto, que critique também o ponto onde estamos. Por uma provocação que nos convide a repensar e a rediscutir - e nos incite a agir.


05 de julho de 2015

quinta-feira, 2 de julho de 2015

Disputas na madrugada

Após ler minha última crônica sobre meus companheiros de apartamento, a voluntária da ONG Adote Um Gatinho que intermediou a adoção de Mafalda e Guile, hoje minha amiga no Fakebook, se disse espantada de eu ainda disputar com os peludos se eles dormirão comigo ou não. Se me conhecesse um pouco melhor, bem provável que se espantasse dos gatos ainda insistirem em dividir cama - e travesseiro! - comigo. Conto aqui um pouco dessa questão tensa que é dormir.
De início, as primeiras duas semanas, uma maravilha: eles dormiam na cadeira "deles", eu na minha cama. Se durante a noite precisavam ir ao banheiro - onde fica sua caixa de areia -, atravessavam meu quarto sem fazer barulho. É que ainda se consideravam visitas. Foi notarem que a casa era deles também e folgaram. Talvez tenha sido esse o período mais tenso da nossa relação noturna - até esta semana. Quando eu pensava em dormir, eles acordavam com a pilha toda. Não importava a hora: se num dia eu ia dormir à uma, eles estavam hiperativos às dez pra uma. Se no dia seguinte eu fosse dormir às três, à uma eles dormiam satisfeitos, e às dez pras trés eles acordavam - na pilha. Correm, pulam, derrubam, brincam, batem, sobem na cama, miam, sacolejam, alopram: tudo o que não haviam feito o dia todo, quando eu estava acordado - ou sequer estava em casa -, os dois dito cujos faziam na hora que eu ia dormir - e não havia o que fizessem param. Até então minha cama tinha um estatuto ainda ambíguo, certas noites era apenas um dos brinquedos desse apertado parque de diversões notívago, outras era a cama deles também. Meu irmão passou uma semana em minha casa nessa temporada, sofreu com a hiperatividade deles: houve uma noite que ele trancou os dois na sala, junto comigo, sem lembrar de pôr junto a caixa de areia. Foi durante a visita de meu irmão que eles, pelo visto, passaram a identificar a cama mais com o dono do que com a cama mesmo: antes de serem trancados sem banheiro novamente, passaram a me procurar para dormir.
Essa fase passou, felizmente. Digo, a fase de fazerem bagunça justo na hora em que vou dormir: agora eles esperam eu começar a roncar para só então tocarem o terror no apartamento, conforme verifico seguidamente pela manhã. Não me acordando, não me incomodo. A nova - e atual - fase, apesar de mais tranqüila, não o é de todo. Seria, se Mafalda seguisse os passos de Guile: ele chega, sobe pelos pés da cama, procura um lugar livre na metade de baixo, deita e dorme. Mafalda, não. Ela chega miando, não sei se anunciando sua chegada ou reclamando de não ter sido chamada, sobe na cama, passa por cima do meu rosto, cheira meu nariz, se preciso, passa por cima do meu rosto de novo, e insiste até achar uma brecha e dormir de conchinha: ou ela "por trás", uma pata entre meu braço e o corpo, se eles estão próximos, ou ela enconchada, se acaso deixo espaço entre o braço e o corpo suficiente para se enfiar. Para coroar, começa a roncar. Sim, também acho uma graça gato ronronar - mas não quando quero dormir! Aquele barulho bem junto ao meu ouvido e aquela mini britadeira me chacoalhando. Tento afastá-la, ela reclama, volta, afasto uma vez mais, ela demora pra voltar, e quando volta (se volta) já não estou mais neste mundo.
Esta semana, em outra (incomum) noite de insônia, Mafalda querendo dormir de conchinha, coloquei ela pra dormir junto com Guile, nos pés da cama - uma, duas, três vezes. Até os cobri com um outro cobertor - para ficarem mais à vontade. Ela reclamou, desceu da cama, logo voltou, ficou com o irmão e dormimos. Manhã seguinte, preparo minha vitamina para o café da manhã e vou me sentar na espreguiçadeira que tenho - um tecido em uma armação de metal. Ao sentar, sinto o pijama molhar. Me levanto, desacreditando que fosse o que parecia ser. E era: ela tinha mijado em minha espreguiçadeira (por sorte, para limpar é só jogar na máquina de lavar). Passou o dia arredia, mesmo à noite, quando tentei fazer as pazes. Na hora de dormir, se achegou direto com Guile. Gostei, e se ela se sentia vingada pela nova distribuição na cama, nem reclamaria mais da sua travessura. Por vias das dúvidas dormi com uma orelha em pé.


02 de julho de 2015