terça-feira, 25 de outubro de 2016

Ficção barata para 24 de outubro

Da veia aberta por motivo fútil, o sangue escorre discreto pelas páginas de notícias. Culpa das drogas, dizem na imprensa, já que seu discurso de incitação ao ódio contra as esquerdas e movimentos sociais produz apenas cavaleiros da paz e harmonia social. Os cidadãos de bem, arautos da moral, dão de ombros: quem planta colhe: se estivessem em casa, assistido a Datena ou JN, nada disso teria acontecido. Temo de, em breve, ver esses patriotas invejosos de Miami contabilizando aos milhões - com um sorriso no rosto - as vidas dos outros. A mãe chora por uma vida descartável aos amorosos maridos, bons pais de família que banqueteiam hipocrisias em Brasília. A ponte para o futuro é o triunfo da vontade da Casa Grande.

25 de outubro de 2016.


domingo, 9 de outubro de 2016

Eleições municipais: uma visão menos catastrófica ao PT e às esquerdas.

Apesar de ainda estar em disputa a prefeitura de 55 cidades, é possível já fazer um esboço do que foram as eleições municipais de 2016.
Ao menos desde a ascensão do PT ao poder federal, analistas (sic) políticos da Grande Imprensa tentam dar às eleições municipais o caráter de prévia da presidencial dali dois anos - como se fossem a equivalente tupiniquim das eleições legislativas de meio de mandato nos EUA. Pela primeira vez acertaram: impossível não analisar os números destas eleições sem vincular ao que se passa na política nacional, por mais que fatores municipais não sejam irrelevantes.
A principal dificuldade para analisar os resultados de 2016 e o que eles significam para o futuro está em Brasília: vivemos sob um regime democrático ou não (por mais capenga que seja nossa democracia institucional)? Que não estamos mais sob um Estado de direito, isso nosso judiciário tem reiterado diariamente. Já sobre a democracia e eleições, há quem acredite que o "tropeço democrático" do impeachment da presidenta Dilma será restabelecido em 2018. Gostaria que assim fosse, mas não vejo motivos pra acreditar. Saber o que será é importante pra poder entender se vemos os números que temos até agora como radiografia de momento, vulneráveis aos ventos das ruas (por mais que sejam brisas), ou se se trata de uma tendência quase que imposta de cima para baixo, em que a população tem o dever de legitimar escolhas feitas pelos donos do poder - banca, judiciário, mídia, oligarcas.
Para a análise a seguir, dividido os partidos em três grupos: 1) esquerda/centro-esquerda (PT, PDT, Psol, PCdoB), 2) direita/extrema-direita (PSDB, DEM, PPS, PSC, SD), 3) fisiológicos-centro-direita (a grande geleca conservadora, mas que está com o governante do turno). Por precariedade das estatísticas fornecidas pelo TSE, centro no número de prefeituras ganhas.
A esquerda foi a grande perdedora em 2016, puxada pela queda do PT. Se alguém se surpreendeu com esse fato, precisa urgentemente ativar sua capacidade crítica, pois não dava para esperar nada que não isso. A questão que se põe: perdeu tudo aquilo que é alardeado na Grande Imprensa? Admito que eu imaginava uma queda maior, diante de todo o ataque que PT tem sofrido há anos - com respingos para o resto da esquerda -, em especial no período anterior ao pleito, com direito a Moro fazer o papel de diretor de figurino, cargo ocupado em 1989 pelo xerife Tuma, no seqüestro de Abílio Diniz e o espetáculo anti-PT feito em cima.
Se o PT e a esquerda caem, não é a direita e a extrema-direita quem mais ganham: ainda que tenham ganhado praticamente o dobro de prefeituras das esquerdas, esse grupo não conseguiu recuperar o número de prefeituras que obteve em 2008. Percentualmente, seus 24% estão longe dos 40% de executivos municipais conquistados em 2000, com a máquina federal tucana a todo o vapor - a esquerda ainda teve um aumento de 50% em relação a 2000, e mesmo o PT tem 27% a mais de prefeitos eleitos que então.
Quem mais cresceu em 2016 foram os partidos fisiológicos de centro-direita, que preferem sempre ceder anéis a ter que arriscar os dedos. E ainda que por si só esse fato não seja positivo, ele aponta perspectivas a serem exploradas pelas forças progressistas: o fato de desiludidos com o PT não aderirem à direita pura e raivosa - que cada vez mais embasa seu discurso no anti-petismo e na destruição do inimigo vermelho - pode significar que há uma grande faixa do eleitorado capaz de reconhecer - assim que baixe a poeira goebbelsiana da Grande Imprensa - os ganhos dos governos de esquerda. Se estivermos sob um regime democrático minimamente sério, o que se viu em 2016 pode ser revertido num curto espaço de tempo. Claro, para que isso ocorra realmente não convém esperar tomada de consciência espontânea de pessoas que nunca foram educadas politicamente: é preciso que as esquerdas (forças progressistas em geral) passem a fazer aquilo que abandonaram desde que o PT assumiu o poder federal: política, política quotidiana, micro-política. E um dos focos da conscientização política precisa estar em suprir falhas de nossa educação, que faz com que a maioria da população seja incapaz de interpretação de texto e de refletir criticamente sobre aquilo a que assiste, sendo ludibriada com uma facilidade espantosa por construções publicitárias pueris - como Doria Jr - ou manipulações grosseiras - como a criminalização do PT. Penso que é nessa política de conscientização para a política - muito mais que para a esquerda ou para certas bandeiras - que podemos reverter a ditadura em curso, e, quem sabe, remediar esse golpe sofrido em 2016. As eleições de 2016 mostraram que o discurso fascista ganha adeptos, sem conquistar (ainda) a maioria - Doria Jr, com descarado discurso de extrema-direita, só ganhou em São Paulo graças à construção do personagem populista a la Janio Quadros, e por ter conseguido fechar a disputa no primeiro turno.
Outra análise que tem sido comum: que o PT se tornou um partido decadente nas cidades e regiões ilustradas, que sobrevive nos grotões do país - teria se tornado algo como o novo PFL/DEM e PMDB. Há uma diferença substantiva entre vencer sendo o partido de coronéis e vencer sendo um partido de massa. O voto no PT em regiões pobres tende a ser um voto consciente, de quem sentiu na pele as melhorias nas condições de vida - 100 anos em 10 -, diferentemente do apadrinhamento político e troca de favores que costumam nortear oligarcas políticos em terras de ninguém. Achar que população carente e de cidade pequena é ignorante e mais facilmente manipulável é uma mentira repetida diariamente pela rede Globo e afins, engolida como se fosse caviar pela classe média, média-alta ignara-mas-diplomada, e comprada por muitas pessoas de esquerda. 
Pontuando sobre os partidos, rapidamente. PT caiu vertiginosamente: das 648 prefeituras em 2012 já possuía pouco mais de 500 este ano, e vai para 254 em 2016 - 50% de queda. Perderam também prefeituras, mas em número bem mais modestos (5 a 12%), o PSB em ressaca pós-Campos, e os definhantes de longa data PTB, PPS e DEM. PMDB ficou estacionado. O PSDB, com 793 prefeituras, volta ao padrão de 2008, porém está ainda muito longe das 991 prefeituras conquistadas em 2000. Os dois partidos que mais cresceram foram o PCdoB, com quase 50% (de 54 para 80 prefeituras), e o PRB, ligado à Igreja Universal, com 30% (79 para 103) - por essa faixa do eleitorado, o outro partido evangélico, mas com discurso de extrema-direita, o PSC, cresceu 4%, com 86 prefeituras. Cresceram também os partidos nanicos: 33%, com 265 prefeituras.
Depois de mais de dez anos tendo como norte políticas públicas progressistas, ainda que limitadas, que favoreceram a maioria da população, se não se consumar a ditadura judiciária-midiática no país, é de se esperar que os prefeitos eleitos não acompanhem as diretrizes de Brasília, e façam governos moderados, sem atacar diretamente boa parte das políticas tidas como "de esquerda" de seus antecessores. Por outro lado, se os políticos não tiverem mais como preocupação as próximas eleições (suas ou de seus padrinhos políticos), e sim em agradar os dono do poder - por ora simbolizado no espantalho-útil do golpista Michel Temer -, tempos temerários virão. É o fim de um ciclo, sem dúvida, porém em que magnitude se dará tal fechamento, depende tanto das mobilizações das ruas, da política cara-a-cara por tanto tempo esquecida, e da consumação ou não da ditadura. De qualquer modo: lutar politicamente é preciso.

09 de outubro de 2016.


2000 2004 2008 2012 2016*
PT 200 411 557 638 254
PDT 289 307 352 307 332
PcdoB 2 10 41 54 80
PSOL X X 0 2 2
Total esquerdas 491 728 950 1001 668
PMDB 1260 1059 1202 1021 1028
PSD X X X 498 539
PP 619 551 551 476 493
PSB 135 175 310 440 413
PR X X 385 275 295
PTB 399 421 413 298 260
PRB X X 54 79 103
PV 13 57 75 100 101
REDE X X X X 5
PL 235 382 X X X
Outros 213 189 143 199 265
Total fisiológicos 2874 2834 3133 3386 3502
PSDB 991 870 791 695 793
DEM/PFL 1027 789 496 278 265
PPS 168 308 129 125 118
PSC 34 26 57 82 86
SD X X X X 62
PRONA 0 7 X X X
Total direitas 2220 1993 1473 1180 1324
*1o turno