quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

O gado que aplaude o chicote

Durante a ditadura civil-militar adotou-se a cenoura ideológica do "Brasil, país do futuro". Para o grosso da população, o Brasil vivia do futuro (e não para o futuro): o interregno ditatorial logo daria lugar a uma democracia das pessoas de bem, o bolo cresceria para logo ser dividido (Delfim Netto afirma nunca ter dito isso, o que parece ser verdade: ao que tudo indica, nunca passou pela sua cabeça a necessidade de dividir o bolo com a rafuagem, vide suas defesas das ações do governo golpista atual), em breve o Brasil se tornaria uma potência mundial; um amanhã radiante, para compensar o hoje funesto e mórbido ou, como (não) cantava Raul Seixas em "Como vovó já dizia" (censurada): "Quem não tem presente se conforma com o futuro.
Com a produção da memória (e do esquecimento) nas mãos do status quo (do espetáculo, diria Debord), foi preciso apenas uma geração para que a ditadura civil-militar não fosse mais que uma historieta distante, sem maiores implicações na vida, e o campo estivesse pronto para a semeadura de uma nova ditadura (desta feita, ao que tudo indica, encabeçada por juízes e procuradores, não mais por militares), a avançar brandamente como um zepelim sob o céu azul (seria Lula nossa Geni?).
Novamente tolhidos do presente, nos conformamos com o futuro. Contudo, ao contrário de 1970, a solidariedade social foi dinamitada por um individualismo cego e suicida, e o futuro que se sonha a partir dos escombros que habitamos é um futuro individual - a coletividade pode servir de alicerce para a "vitória" do indivíduo, não pode crescer junto (como atestam o ódio ao PT e aos programas sociais de minoração da miséria e aos de capacitação precária da mão-de-obra). 
Durante o almoço, ao meu lado, dois advogados conversam, ambos na faixa dos trinta anos. O rapaz conta do seu crescimento e do seu mais novo contrato. Não diz explicitamente, mas fica evidente que se considera um predestinado dos grandes fornecedores. Conta primeiro que conseguiu abrir seu escritório graças a uma indenização ganha contra o Carrefour, por ter incluído seu nome no CPC/Serasa após ter quitado sua dívida. Admito que não sou entendedor dessas questões, se a decisão de mandar o inadimplente (ou suposto) para a lista suja é automatizado ou depende uma pessoa, porém me chamou a atenção que seu nome ficou sujo por duas pendências: uma de cinqüenta e outra de trinta centavos. Graças a essa cobrança de oitenta centavos, o Carrefour teve que pagar três mil reais (na época, que não sei quando foi). Parece um erro grotesco de programação, ao mesmo tempo soa bastante plausível como ação deliberada de um funcionário insatisfeito com a empresa.
A mais recente proeza do rapaz é um contrato recém assinado, para ser advogado das Casas Bahia. "Na verdade - ele se corrige -, não foi a Casas Bahia quem me contratou; sou terceirizado". Tenho a clara impressão de que falou com orgulho que era um trabalhador precário - talvez fosse orgulho por estar trabalhando para uma grande rede. Ele prossegue e conta, admirado, do escritório que o contratou: "mudaram pra Alameda Santos. Ficaram com uma estrutura super enxuta. São os dois sócios, mais dois advogados e uma estagiária", mas tem cento e cinqüenta advogados trabalhando para eles. "Estão certos: não tem que ficar administrando pessoal, gastando com férias, décimo terceiro, essas coisas". Sua interlocutora concorda entusiasmada, cita um caso de um escritório que está seguindo "a nova tendência do mercado".
Reparo nos dois. O homem é negro, a mulher, branca. Não tem a menor pinta de que estudaram na USP, ou mesmo na PUC. Provavelmente conseguiram seus anéis de bacharéis graças ao Prouni do Lula. São peões sonhando ser patrões. E em nome do que acreditam que um dia virão a ser, batem palmas à própria exploração, comemoram a perda dos seus direitos, planejam fazer o mesmo e um pouco mais quando estiverem do outro lado do balcão, quando de gado se tornarem quem dá o preço no leilão. Se se tornarem. 
Se... 
A cenoura ideológica atual diz que é só você querer, que amanhã assim será, basta um pouco de esforço e abnegação. Propositalmente não diz que esse paraíso terrestre tem vagas limitadas e fila preferencial - e certamente os dois deslumbrados ao meu lado, um deles que acha que tirou a sorte por ter conseguido três mil reais de indenização, estão longe de entrar nessa fila, se não tiverem sorte ou um jeitinho heterodoxo de resolver a vida. Negar a própria realidade em favor do que ingenuamente acreditam que um dia se tornarão: negar que são oprimidos, embalados no sonho de logo se tornarem opressores. Paulo Freire, desenterrado pela extrema-direita (e terraplanistas em geral) como educador-ideólogo a serviço do PT, esquecido de fato pela esquerda, se mostra atual, como nunca deixou de ser. 
Nosso trabalho de base se mostrou falho - e não só por comodismo com o PT no poder federal e adequação ao seu discurso despolitizante. Parte da esquerda - a com maior capital simbólico e cultural - nunca quis sujar os pés, sair de suas cômodas salas de aula da academia e tentar dialogar com a massa da população - dialogar e não civilizar, ensinar, conduzir: entrar em contato e ouvir medos e aspirações daqueles que tratamos por objeto (de estudo, mas não por isso menos objeto). Nosso diálogo é entre pares, em revistas que contam pontos que rendem uns trocados a mais, não com o diferente, com quem não teve a oportunidade de estudar em universidade de ponta. Daí que a universidade pública pode ser atacada de toda forma e poucos se indignam. Ou que a nova direita tenha encontrado solo fértil para impôr sua forma de encarar o mundo - fake news, ódio e gregarismo proto-fascista. Daí o discurso consolidado que condena os vagabundos (pobres) e louva o "vagabundo ostentação". Por isso não surpreende o gado que louva o chicote, e que a reforma trabalhista tenha sido aprovada sem maiores resistências. 
Sou otimista, e creio que há possibilidades de reverter esse quadro, até mesmo no curto prazo: apesar de todos seus títulos, os doutores golpistas são grosseiros e petulantes o suficiente para deixar pronta uma contra-narrativa que escancara a realidade sem a cenoura ideológica (diante de Moro, Mendes e caterva, até os linha-dura de 64 seriam "da Sorbone"). A questão é a esquerda e as forças progressistas saberem se aproveitar do momento para desvelar as mentiras, sem querer pôr uma verdade no lugar - deixar a cada um e cada uma descobrir sua verdade por suas próprias pernas. Sair da internet e das universidade e ir para a rua é parte fundamental nesse processo.

13 de dezembro de 2017

quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Retrato de momento para 2018 (se houver eleições)

Capas da Veja, da Isto É, da Isto É Dinheiro, entrevista na TV Bandeirantes: a direita do atraso dá mostras de agir coordenadamente com vistas a 2018, tanto no plano partidário quanto midiático - ainda chamado de jornalístico, quando na verdade é mera agencia de publicidade oficiosa de interesses razoavelmente bem definidos e pouco falados.
Em tese é um tanto cedo tentar traçar um cenário para 2018, ainda mais quando nem se sabe haverá eleições e em que condições elas acontecerão - se terão relevância maior ou menor para o país -, contudo, mesmo assim, parece importante mapear estratégias - da esquerda e da direita.
Começo pelo campo mais bem organizado, a direita.
Há mostras de medo da possibilidade de Lula vir a concorrer, sem ser impedido pela justiça. Certamente esse medo vem não pela questão da justeza da justiça, que isso ninguém mais tem dúvidas, mas por possível cálculo político desta, e notar que barrar Lula seria jogar o país em um estado de confronto social que exigira a presença do exército - o que implicaria em pôr o judiciário em segundo plano, fazendo com que a casta perdesse muito do poder político que hoje possui. A questão que permeia o judiciário, ao que tudo indica, é se é melhor um presidente do qual não gosta mas está acuado e tentando reagir, ou um "presidente" mais afim aos seus propósitos que, pelo argumento das baionetas, vai enquadrar o judiciário.
Enquanto o judiciário não se decide, resta tentar desqualificar Lula - mais um pouco. Isto É ataca mais genericamente, anuncia que "começa a cedo a campanha da mentira" (certamente quem lê essa revista não vai notar que a campanha da mentira está a galope desde 2014, pelo menos), pondo no seu site Lula, Ciro, Bolsonaro e Marina (ela ainda está viva?). Bola levantada para, na mesma semana, Veja ("A política que assusta") e de Isto É Dinheiro ("Eles assustam o mercado") chutarem. Ambas tentam criar uma polarização não mais entre PT e PSDB, como de 1994 até 2014, mas entre Bolsonaro e Lula, com um sendo o antípoda exato do outro - dois extremistas, um de direita, outro de esquerda. Vamos assim descobrindo que a função atribuída pelos donos do poder a Bolsonaro é a de boi de piranha - função cumprida por Russomano nas últimas duas eleições de São Paulo. A questão é se vão conseguir pôr o monstro de volta na caixa, uma vez Bolsonaro não é um apresentador televisivo com discurso genérico, e as ideias que defende começam a ecoar na sociedade e nos grandes partidos - Doria Júnior que o diga.
Bolsonaro tenta se gabaritar como político sério, o que é muito difícil de conseguir. É político de discurso de extrema-direita belicista, sem qualquer proposta legislativa ou sucesso de vida para mostrar e sem qualquer estofo para discutir questões nacionais. Ganha destaque em certos estratos sociais mais altos, por se pintar como anti-político, por "dizer o que pensa" (como se pensasse), porém, já disse alhures, sua verve belicista não me parece encaixar no ethos da maioria tupiniquim, seu patriotismo se encerra na caça ao inimigo interno, e sua tentativa de formar uma equipe econômica o leva para se tornar uma espécie de Doria Júnior Troglodita e fracassado, um PSDB Jr. Talvez a grande validade da sua candidatura seja cacifar-se para barganhas futuras.
Por falar no João Trabalhador que usa o cargo de prefeito (prefake) para se promover, este claramente recua da estratégia adotada desde a eleição do ano passado. Portas fechadas no DEM e sem ânimo para arriscar no Novo, se adequa ao novo figurino PSDB-Mídia. Ademais, deve ter sido avisado pelo seu pessoal de marketing que sua administração (que ele chama de gestão) catastrófica à frente de São Paulo vai desqualificando-o para qualquer novo vôo político, e que na disputa pelo coração anti-petista como o mais bronco, machão e valentão da boca para fora, o almofadinha que joga flores no chão não é páreo para o ex-militar que faz flexão de pescoço [https://youtu.be/4RSs-6XeIrI]. Para anunciar sua nova fantasia, duas horas de publicidade travestida de entrevista na TV Bandeirantes, onde ele reafirma o mito de PSDB de centro, põe a si como alguém cordato e de centro, e se vangloria de sua humildade em aceitar ser vice de Alckmin.
Nessa briga de raposas, a velha raposa Alckmin parece estar mostrando ao seu pupilo que a coisa é menos simplória do que o "self-made man com dinheiro do papai e do erário público" e seus marqueteiros imaginavam. O bom moço da Opus Dei e da pena de morte extra-judicial autorizada para seus subordinados ("quem não reagiu está vivo"), começa a tentar se situar mais à esquerda do seu partido, como a provar seu centro, de equidade diante dos extremos (Lula e Bolsonaro), e participou recentemente de evento de corrente de esquerda do PSDB (?). Não dá para acreditar que seja algo além de estratégia de marketing, porém o gesto não deixa de ser importante para o momento atual de florescência neofascista. Se esse caminho de moderação fortalece Bolsonaro por um lado, por outro o isola ainda mais e ajuda a romper com a radicalização plantada pela mídia até agora. Em afinidade com essa mídia, a construção do bom moço firme de centro pode garanti-lo como nome da direita, sem espaço para aventureiros (pretendo escrever mais sobre esse movimento de Alckmin em outra análise).
Outro que ameaça despontar, parece estar apenas aguardando o melhor momento, é Luciano Huck, pelo DEM. Esse melhor momento deve ser o mais próximo possível das eleições: quanto menos se expuser enquanto candidato, menos chance de ser "desconstruído". Ventila seu nome vez ou outra, mas não sai em campanha. Ao mesmo tempo que é sua inspiração, Doria Júnior pode ser o seu calcanhar de Aquiles: se se forçar uma similitude entre os dois apresentadores, os resultados do João Trabalhador à frente da prefeitura podem desmerecer o novo não-político na disputa. Por seu lado, diferentemente do discurso de gestor, self-made man de sucesso, tecnocrata, Huck pode vir com discurso mais família: o bom pai de família, carinhoso e atencioso (sic) com a mulher e os filhos, ao mesmo tempo alguém que conhece os problemas do povo mais simples, nos seus anos e anos de quadros com assistencialismo hipócrita em seus programas, ou seja, alguém que sabe ser carinhoso e compreensivo, que gosta de ajudar a todos, e, quando preciso, sabe ser duro e firme para evitar que o filho se perca em seu caminho.
Marina Silva perdeu completamente o tempo político. Queimou pontes com eleitorado progressista ao apoiar Aécio "Um que a gente mata antes da delação" Neves em 2014 e ao se ausentar das grandes questões ambientais desde então. Na verdade, ao se ausentar de praticamente toda questão desde então - e quando apareceu foi discretamente, para ficar em cima do muro, queimando também as pontes com a direita. Agradava a um eleitorado reacionário que gostava de posar de prafrentex porque compartilhava denúncias de desmatamento na floresta amazônica (ao mesmo tempo que aplaudia e apoiava o agronegócio), porém é pouco para uma candidata à presidência. Talvez ainda imagine que possa ser alçada à condição de grande líder do centro, na falta de nome melhor, mas há muitos nomes para a vaga, e uma mulher negra do norte nunca será a opção preferencial das elites brasileiras.
Não me parece que Henrique Meirelles, Rodrigo Maia ou algum nome do PMDB sejam atores relevantes na ribalta - o são, sem dúvida, nos bastidores, e não será surpreendente se embarcarem em um candidatura de direita e, diante de uma vitória evidente de Lula, trocarem de lado no meio do processo eleitoral.
No espectro da direita, da reação, a estratégia está mais ou menos traçada, até para o caso mais terrificante (Lula poder disputar a eleição; na ausência desse, imaginam que vencerão fácil, pelas urnas ou pelos coturnos), no campo progressista e/ou de esquerda, os cenários e estratégias estão ainda sendo rascunhados, aparentemente com desorganização e velhas falhas, com o narcisismo das pequenas diferenças aflorando com vigor.
Lula, Ciro, Manuela D'Ávila (PCdoB), e Psol (por ora com Boulos) são os nomes ventilados neste campo. As discussões internas ao espectro já começaram: traição, favorecimento das direitas, necessidade de candidatura única - conversa muito similar à eleição de São Paulo, quando Erundina decidiu disputar a prefeitura. Vale lembrar que nesse caso, não fosse Erundina e seria bem provável que a vitória de Doria Júnior no primeiro turno seria ainda mais acachapante. Falta à esquerda entender que primeiro turno é momento de todos apresentarem suas ideias. O grande ponto é evitar o que Erundina fez ao menos em um debate de 2016: bater na própria esquerda. Candidatos próprios, com propostas independentes, mas o compromisso de cerrar fileiras contra a direita e os golpistas, denunciando os retrocessos sociais aprovados por Temer, PMDB, PSDB e demais, evitando ao máximo críticas dentro do espectro - por mais que sejam críticas pertinentes e em grande medida necessárias -, deveria ser esse o compromisso dos candidatos deste campo.
Muitos dizem que essa fragmentação das esquerdas, em especial com a possibilidade de candidatura própria do PCdoB como decadência do PT, perda de seu poderio. Não é o que demonstram pesquisas. Apesar de todo o ataque, Lula segue com um terço do eleitorado, e o PT ainda é o partido mais admirado. É de acreditar, contudo, que muitas pessoas fiquem em silêncio diante de toda essa campanha de massacre midiático, mas votem no partido que trouxe grande melhoria na sua qualidade de vida - um voto racional. À pecha de corrupto, haveria a alegação de que todos são, mas o PT faz; ou mesmo o descrédito de todas essas denúncias - uma mentira repetida um milhão de vezes se torna uma verdade, dizia Goebbels, mas é preciso saber mentir com propriedade, ou o efeito pode ser o oposto. Ainda sobre a tal decadência, vale lembrar que o PT nunca foi unanimidade - nem mesmo no próprio partido, havia correntes contrárias aos rumos do partido -, e apesar de talvez ter perdido a hegemonia no campo da esquerda, o PT segue como principal força.
PT como principal força, e Lula como principal candidato. Além do risco da condenação em segunda instância, o judiciário já deu mostras de querer podá-lo por outros caminhos se for necessário - como a acusação no TSE de campanha antecipada, por conta da sua caravana. Se não o condenarem, a campanha mal feita para torná-lo a encarnação do mal irá levá-lo à presidência - salvo algum outro golpe muito baixo, o que não deve ser descartado. O PT diz não trabalhar com plano b, porém é evidente que Haddad figura como alternativa natural - e, contrariamente a Dilma, um quadro politicamente capacitado. Faz caravana com Lula e dá entrevistas - se não for para presidente, é nome forte para o governo de São Paulo, sem nenhum grande nome até agora, visto que Doria Júnior seria um dos nomes, mas resta saber se vai conseguir reverter a deterioração de sua imagem.
Ciro Gomes (PDT) costuma ser posto no campo progressista. Tenho várias reticências quanto a isso, mas diante do quadro atual do Brasil, sim, ele é do campo progressista. Ciro é um candidato que perdeu seu momento. Se conseguir deslanchar, não precisará de nenhuma nova frase infeliz: as que possui já são suficientes para fazer com que naufrague, como em 2002, quando sua frase infeliz sobre o papel de sua esposa nas eleições custou-lhe não apenas a liderança nas pesquisas como a participação no segundo turno. Para 2018, já soltou a frase infeliz sobre o momento testosterona e Marina - convenientemente descontextualizada e manipulada à esquerda e à direita -, e novas devem vir, se deixarem ele falar. Teve sua segunda chance em 2006: se se anunciasse como um voto crítico à esquerda ao governo Lula, poderia ter se gabaritado para 2010. Manteve-se leal ao líder, e agora tenta se descolar de um modo até raivoso. Pelo momento atual, novembro de 2017, não entra em 2018 para vencer. Na verdade, fora do PT ainda não apareceu nome algum cuja vitória na eleição (se houver) seja factível.
A exemplo de todas as outras eleições, o Psol deve lançar candidatura própria. Desde sua criação é  bastante claro a quem quiser ver com alguma imparcialidade que o Psol é uma dissidência intelectual-acadêmica do PT, um PT sem base social. Promete começar a mudar essa escrita - finalmente - em 2018, ao aventar o nome de Guilherme Boulos, do MTST, como candidato. Com remotas chances por enquanto, sua presença seria um grande ganho para o debate, dado seu histórico de militância e sua sólida formação intelectual, ao trazer um líder de um movimento popular em plena efervescência para o centro do debate eleitoral.
O PCdoB, surpreendendo a muitos, pretende lançar a deputada gaúcha Manuela D'Ávila. Outro nome que deve enriquecer o debate - desde que saiba quem atacar, e não tente disputar eleitorado na base de desqualificação de quem está mais próximo. Gilberto Marigoni, do Psol, louvou a pré-candidatura, chamou de "desprendimento grandioso" a troca de uma eleição certa para a câmara dos deputados por uma candidatura com remotíssimas chances - diz o professor acadêmico que essa troca é importante para discutir projetos de país. Ouso discordar de Maringoni. Por mais que a política brasileira seja altamente personalista, é de se questionar se precisamos aceitar esse padrão. Convém lembrar que a eleição de Collor ao senado, em 2006, pode ser creditada na conta do Psol e de Heloísa Helena, mesmo que indiretamente; e se se trata de discutir projetos de país, é de se imaginar que o PCdoB possua um projeto para além de quem seja o candidato. 
Esse desdém para com o legislativo (e, consequentemente, com as eleições para deputado e senador) mostra o quanto a esquerda ainda patina em estratégia para 2018 (caso haja eleições). Vencer a majoritária e acabar refém de um novo Eduardo Cunha e de uma câmara reacionária como a atual será uma vitória de Pirro - a história recente do país deveria ter nos ensinado, porém ignoramos. Enquanto a direita trabalha também candidatos para o legislativo, com MBL, ou o tal do "Fundo Cívico" de Huck, Diniz e Guanaes, a esquerda abdica de nomes capazes de trazer votos - e coerentes com as bandeiras progressistas: alguém do naipe de um André Sanchez (que recentemente propôs a cobrança de mensalidade no ensino público), é um desserviço que se presta ao país (neste caso, o PT, mas Psol, PCdoB, PDT não deixam nada a desejar nesse quesito) -, em nome de campanhas propositivas e com poucas chances de vitória. Diante de todos os retrocessos sociais vividos desde o golpe, a esquerda não pode se dar ao luxo beletrista de promover o debate em detrimento de vitórias efetivas - até porque o debate pode ser conduzida por outra pessoa, sendo o próprio Maringoni um exemplo de ilustre desconhecido que disputou eleição majoritária.
Como disse, trata-se de um panorama do que se projeta a partir de um momento bem específico: novembro de 2017, e uma nova estratégia da direita e da mídia para o PSDB. Até a eleição, cabe antes garantir que ela acontecerá, e acontecerá sem um golpe judiciário - ou seja, que fique apenas suscetível a um golpe midiático branco, a exemplo de 1989, 1998, e do que se tentou em 2002, 2006, 2010, 2014. E além de pensar em disputa institucional, é preciso encontrar modos de ampliar a mobilização popular, na tentativa de evitar maiores retrocessos e engajar as pessoas nas eleições, ou mesmo na sua defesa. Se parte da esquerda permanecer deitada em berço esplêndido esperando a eleição chegar, quando se der conta, mesmo que ganhar a presidência, não vai ter muito mais a fazer que administrar o caos e os cacos de um resto de país.

09 de novembro de 2017