sexta-feira, 14 de junho de 2002

Carta pra folha: USP

O sr. Adolpho José Melfi, reitor da USP, criticou, em artigo publicado em "Tendências/Debates" (pág. A3, 9/6), o colunista Gilberto Dimenstein por ter utilizado a FFLCH como "linha condutora do artigo". Ele cita, para contrabalançar, os bons resultados da instituição nos campos da genética e das engenharias. Isso serve apenas para ressaltar ainda mais o que os alunos da FFLCH reclamam: o tratamento desigual dentro da universidade. Por que Dimenstein não deveria escolher a FFLCH, que possui 20% do corpo discente da USP, para o artigo? Será que é porque se trata de cursos da área de humanidades, nos quais costumam estar os alunos mais carentes? Se a FFLCH não é um bom exemplo, talvez o sejam os cursos de pedagogia, de música, de terapia ocupacional ou até mesmo o de psicologia da USP de Ribeirão Preto, que também sofrem com a falta de professores. Vale ressaltar que todas as áreas citadas como exemplos pelo sr. Melfi têm forte apoio privado através, principalmente, das fundações. Por que não foi citado nenhum grande feito ligado às ciências humanas? Impossível que não haja nenhum -por mais sucateada que esteja a faculdade, por mais que cursos de sânscrito ou de filosofia não interessem à iniciativa privada nem ao governo. O mito da USP tem sido abalado, sim. O mito da USP formadora de intelectuais perde cada vez mais espaço à realidade da USP formadora de técnicos bem qualificados.

Daniel Dalmoro
Campinas, 14 de junho de 2002

domingo, 2 de junho de 2002

Este não é um país sério

Antes que os sarcásticos e sarcásticas de plantão comecem a avacalhar comigo, sei que minha constatação que dá título a esta crônica não é nada original, e minhas chances de ganhar o Nobel com ela são nulas.
Então porque repetir essa frase que, caso você esteja acordado há três horas, já deve ter lido, escutado ou falado pelo menos cinqüenta vezes? É para não esquecer. Masoquismo, talvez. Mas vamos lá!
Que seriedade tem um país em que a entrevista com o publicitário (colonial-modernamente chamados de "marqueteiros") do candidato é mais importante do que a com o próprio? E que seriedade tem um país em que o candidato não faz nada além do que o seu publicitário mandou?
Que seriedade tem um país cujo debate político se faz de bichinhos de pelúcia, criancinhas, choro, artistas, orações e camisas de futebol?
Que seriedade tem um país que comemora um pequeno "crescimento negativo" da economia? Que seriedade tem um país que inventa e repete essa idiotice de primeira grande de "crescimento negativo"?
Que seriedade tem um país cuja principal revista semanal primeiro acusa a oposição de imatura, e quando esta "amadurece", acusa-a de falta de coerência? Ao mesmo tempo que a vice do candidato que apóia vira, num passe de mágica, governo, depois de oito anos sendo oposição? Sem contar que o governo que ajudou a eleger disse certa feita "esqueçam o que escrevi"? Isso sim é coerência!
Que seriedade tem um país que produz besteiras do tamanho: "Que Nossa Senhora inspire o Brasil cristão a discernir e rechaçar o lobo com pelo de ovelha", quando fala do Lula? Que seriedade tem um país que tem um movimento, uma organização (sei lá que m**** é isso), chamada Tradição, Família e Propriedade (TFP), que produz a besteira acima e deve ver o perigo vermelho em toda esquina?
Que seriedade tem um país cujo principal jornal televisivo passa 90% do tempo falando de copa do mundo e seleção?
Que seriedade tem um país em que pessoas morrem de dengue, diarréia, fome, ao mesmo tempo que o governo torra US$ 700 milhões para comprar aviões de combates e mais não sei quanto em publicidade?
Que seriedade tem um país que contesta os relatórios das mais prestigiadas instituições (como a FGV) e da ONU, porque são contra o governo?
Que seriedade tem um país que é o sexto maior consumidor de canetas Mont Blanc e que na outra ponta possui 49 milhões de pessoas miseráveis?
Que seriedade tem um país em que pessoas são mortas por terem dinheiro? Que seriedade tem um país em que pessoas são mortas por não terem dinheiro?
Que seriedade tem um país que conta seus desempregados pelo número de pessoas esperançosas em encontrar um emprego?
Que seriedade tem um país cujo químico cotado ao Nobel três vezes (Otto Richard Gottlieb) busca emprego?
Que seriedade tem um país que a gente pára de falar de suas "palhaças" por que cansou e não porque elas acabaram?

Campinas, 02 de junho de 2002.