quarta-feira, 21 de abril de 2010

O humoralismo inteligente de CQC

Aproveitando que uma crise ciática me fez estender a estadia na casa dos meus pais, resolvi ligar a tevê esta segunda para assistir ao CQC. Há quem diga que é o programa de humor inteligente da tevê brasileira. Como não assisto nem ao CQC – esse deve ter sido o quinto –, nem aos concorrentes, vou acreditar. Mas o que me parece é que o CQC é um programa inteligente no sentido de esperto, de enganar o espectador.

Nesta segunda o quadro “Cidadão em ação” foi ver se o cidadão respeitava as leis e a moral e se recusava a dar acesso a bebida, cigarro e revista pornográfica a crianças (atores contratados pelo programa). Num primeiro momento, as crianças pediam a transeuntes que comprassem para elas. Depois, foram elas mesmas comprar. Nesta, destaco a vez em que uma delas entra num bar, pede pinga com mel e é atendida. Depois pede cigarro, e o atendente nega. Sinal de que as ações anti-fumo têm surtido efeito, assim como sinal de que é urgente, ao invés de reforçar ainda mais o discurso contra o cigarro, empreender ações da mesma magnitude contra o álcool.

Antes de embarcar na crítica aos zé ninguéns abordados pelo programa, questiono se os cidadãos do CQC e da Band estão em ação. Que tal questionar direitos humanos ao Datena? Ou respeito à dignidade do próximo à Márcia Goldsmith? Poderíamos perguntar sobre jornalismo imparcial ao Boechat? Algo sobre cordialidade e civilidade ao Milton Neves? Ou fazer muitas dessas perguntas ao Marcelo Tas?

Porque Tas ou é ignorante ou abusa de má-fé. Não acredito na primeira opção, sobra a segunda. Já comentei acerca da reportagem sobre pedofilia na rede, belo exemplo de engodo travestido de jornalismo. Agora essa de correr atrás de pessoas que pactuam com menor que vê pornografia ou bebe. No início da reportagem Gentili fala da curiosidade que crianças podem ter por tais produtos. Esquece de perguntar o que poderia estimular essa curiosidade – seriam os poemas do Gonçalves Dias? Coerente esse olvido, visto ele sugerir que a orientação dos pais só vem depois do problema surgir, como se educação fosse um processo de punição a posteriori e não de liberdade dada de antemão. Assim, se os pais não estão por perto e a criança, estimulada por alguma gostosa na tevê em trajes sumários – quem sabe em alguma propaganda de desodorante na internet –, ou então por qualquer vinheta super divertida de cerveja, resolve sair de casa e comprar o que lhe é anunciado como elixir da felicidade, culpa dos pais, que não estavam por perto para proibir, e culpa dos zé ninguéns, que não têm caráter para se opor ao que diz a propaganda, a televisão e os programas de humor inteligente.

Poderia se argumentar sobre o horário do programa, horário em que criança já está dormindo – ou ao menos era assim meio século atrás. De qualquer forma, o CQC é feito também para a internet, tanto é que as propagandas são ligadas às matérias, para garantir a visibilidade do patrocinador a quem busca os vídeos no youtube. E não se trata somente de estampar a marca da Skol, mas de fazer campanha ativa: mostrar que festa, alegria e mulheres bonitas são coisas que acompanham necessariamente a bebedeira. Ou então gravar dois minutos de show para falar que redondo é rir da vida, como fez o próprio Gentili.

Em suma, a trupe do CQC age como todo bom moralista: critica nos outros o que ela mais faz. Comprar bebida para menor é feio; estimular o uso, não. Porque, afinal, a propaganda deles não visaria crianças nem contraria a lei. Se menores e maiores acabam caindo nesses cantos das sereias, a culpa não é das sereias, mas dos remadores, pessoas fracas de caráter.


Pato Branco, 21 de abril de 2010.

domingo, 11 de abril de 2010

O início

Conforme a lei, ainda não temos campanha, ainda não há candidatos - no máximo pré-candidatos, como se aqui, a exemplo dos EUA, houvesse prévias. Saindo da lei e caindo no mundo, penso que o sábado último pode ser considerado o início pra valer da campanha presidencial de 2010: não só porque o lançamento da candidatura Serra marca a definição de um dos dois principais eixos da disputa, como pelo fato do PT ter marcado evento concorrente ao do PSDB, em claro sinal de disputa.

Mas disputam o que, ja que não há candidatos?

Por ora a disputa entre PT e PSDB se dá pelo recorte dos temas que balizarão o debate político e a conseqüente clivagem do eleitorado que tais temas imprimirão. "Debate político", que fique claro, não tem nada de discussão de programas, é antes de tudo disputa de slogans.

Acreditando na tese da transferência de votos, Dilma Rousseff desde o início da sua pré-campanha - e isso já faz tempo - se atrelou ao presidente Lula, dono de uma popularidade recorde. Com esse mesmo raciocínio tem tentado ligar o agora pré-candidato (até pouco tempo atrás apenas o nome mais bem colocado na disputa pelo Planalto) Serra ao governo FHC. O PSDB também crê nessa tese, de forma que tem tentado escapar desse recorte. De início, acuado, tentou caracterizar Rousseff como fantoche de Lula, falava em discutir futuro e não o passado. A resposta do PT era sempre a mesma, reforçando o recorte que julgava mais proveitoso.

O PSDB saiu da defensiva com o slogan do Serra, "o Brasil pode mais". Com essa frase ele conseguiu abrandar a pecha de opositor a Lula: admite os ganhos dos oito anos do lulismo e propõe avanços - ou melhor, insinua avanços, já que, no fundo, não propõe nada além de um esfumaçado mais do mesmo. Uma espécie de "carta ao povo brasileiro" do PSDB, lançada não para apaziguar o andar de cima, mas o de baixo.

Por ora, o recorte do PSDB parece ser o dominante. Não só pela nova tônica do discurso petista - pobres x ricos -, como pela forma que, no evento de sábado, Lula respondeu ao slogan serrista: "se eles podem mais, nós fazemos mais". A discussão, portanto, está nesse "mais". O PT deverá insistir na comparação dos governos, mesmo que seja para ilustrar o seu "mais" frente o "mais" do PSDB. Porém, quem agora está dando as cartas é o PSDB.

De qualquer forma, a campanha ainda está bem no início e é bom lembrar que Serra e Rousseff não são os únicos candidatos.


Campinas, 11 de abril de 2010.

domingo, 4 de abril de 2010

Greve política

A principal crítica que vejo à atual greve da Apeoesp – o sindicato dos professores da rede estadual de São Paulo – é que se trata de uma “greve política”. Sou obrigado a concordar: afinal, qual greve não é política? “Eu quis dizer política no sentido eleitoral”, replica meu interlocutor, um tanto desconfiado da minha resposta – talvez da minha capacidade intelectual, em ter que explicar o óbvio.

Acho no mínimo curioso o uso que se tem feito da palavra política. Primeiro aspecto que destaco é o fato de político ser considerado um termo pejorativo por si. “É uma greve política”, toda a crítica está condensada nessa frase, qualquer coisa além é mera tautologia. Não é preciso especificar eventuais problemas na forma que a Apeoesp faz política, ou os fins ocultos sob a política dos grevistas, ou da visão política dos atores que dela participam. O problema está na política, ponto. No máximo, aos bobinhos de plantão, explica-se que política aqui pode ser tratada como sinônimo de política eleitoral.

Nisso vem a curiosidade: quem são os atores e quais são os espaço legítimos para a política, ou melhor, para a política eleitoral?

Dos espaços. Diante das reiteradas reclamações a toda e qualquer manifestação de rua, penso que legítimo sejam apenas os espaços reservados especificamente para isso: propaganda eleitoral na tevê, casas legislativas, executivos. Fora disso haveria um desvirtuamento da política, prejudicando o dia a dia das pessoas comuns, que apenas querem fazer seu trabalho bem feito. Curiosamente, se se faz política nos espaços estatais, cai-se em cima, por apropriação do Estado por um partido, sendo o bolsa-família o exemplo mais evidente dessa crítica.

Já na questão dos atores, não é preciso grandes malabarismos para notar os pressupostos: em uma sociedade que prega o individualismo, com um sistema eleitoral personalista, em que partidos são figurantes menores, nada mais lógico que a base desse sistema, antenado com a sociedade ao seu redor, seja ela também individual. Reivindicações em grupo, de grupos, são considerados anacronismos, formas de fazer política ultrapassadas, por desrespeitarem a “individualidade” de cada um. Não é coincidência que quando a classe empresarial emite suas opiniões, o faça de maneira particular – Antônio Ermírio de Moraes, Abílio Diniz, Eike Batista, Roger Agneli -, por mais que todos encarem isso como uma posição da classe. Mesmo Paulo Skaf ou o Luiz Flávio D’Urso, ainda que seus cargos sejam representativos de classe, eles não explicitam falar em nome dos industriais ou dos advogados. Logo, por que professores, funcionários da saúde, policiais, ou quem for, teriam o direito a agir de maneira diferente? Resultado é que a greve se torna de inteira responsabilidade da presidente da Apeoesp, Maria Izabel Noronha. Para piorar a situação, ela é filiada ao PT, de forma que o objetivo eleitoral se torna automático. E não cabe, claro, aos professores enquanto classe, mas apenas enquanto indivíduos separados, tentar influir nos rumos políticos ou eleitorais.

Por fim, ao reduzir política a política eleitoral, há um evidente esvaziamento do quotidiano, que perde o pilar mestre da vida em sociedade. Os sujeitos, tornados meros parafusos do sistema de compra e venda, se vêem desobrigados do seu engajamento ético na cidade – conseqüência do pensar e do agir políticos. Mais: passam a exigir o mesmo tratamento de parafuso nesse pseudo-leilão bienal que são as eleições no país, se tornando não mais que homologadores de uma representatividade falsa, de uma veracidade igual à exclusividade dos produtos de luxo (sempre produzidos em série) ou dos tratamentos personalizados (que seguem um padrão pré-estipulado universal).


Campinas, 04 de abril de 2010.