sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Tempo para leituras

Gosto de ler e leio bastante. Sei que leio mais livros do que a média nacional , o que não é nenhuma honra. Mas comecei a desconfiar que lia bem mais do que o normal quando meus amigos – eles também leitores bem acima da média – se mostraram surpresos com o tanto de livros que anualmente dou cabo. “Como consegue tempo para ler tanto”, perguntam, “Não sei, vou lendo, apenas, e dá nisso”.

De “férias” na casa dos meus pais, na quarta-feira, pouco depois das dez da noite, estou com um romance embaixo do braço, pronto para meus quarenta minutos diários de leitura antes de dormir. Antes de começar a ler, resolvo dar uma olhada no jogo que passava na tevê. Num dos canais, Cascavel e Atlético. Gostaria de vitória do Cascavel, mas resolvo ser realista e não perder tempo a toa. No outro canal, Monte Azul e Palmeiras. Depois do penalti duvidoso que resultou no gol do Palmeiras, decido ir ler, finalmente. Só dou uma passada nos outros três canais disponíveis. Nada de útil (como se assistir jogo do Palmeiras ou do Atlético fosse algo útil, ou mesmo agradável, enfim). Nessa passada pelos programas inúteis, me prendo no “Um contra cem”, nova versão do show do milhão. O programa é chato, perguntas bestas, pessoas agindo feito chipanzés na platéia, suspense de quinta categoria a cada resposta. Para não me aborrecer, volta e meia passo pelos jogos, para ver se mudou o placar, se algum jogo está mais interessante. Nada. No “Um contra cem”, um professor põe 400 mil que já tinha ganho em disputa e perde. “E daí”, me pergunto, apenas para reforçar a mim mesmo minha perda de tempo. Findo o programa, mudo de canal, para acompanhar o fim do jogo do Cascavel. Empate. Ainda faltam uns minutos do jogo do Monte Azul. Derrota. É quase meia noite. Depois de uma hora e meia sem ter feito nada – de útil ou de divertido ou de agradável ou de enriquecedor – desligo a tevê e vou dormir sem ler.

Em Campinas não tenho tevê: entendi porque consigo ler esse tanto que espanta meus televisionados (ainda que leitores) amigos.


Pato Branco, 29 de janeiro de 2010


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sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Vida de vestibulando para-quedista

Este ano inventei de prestar vestibular e ainda passei da primeira fase. Já que aconteceu, resolvi tentar passar da segunda fase também. Mas já não tenho mais tempo para ser um bom vestibulando: antes de começar a estudar, precisei terminar os trabalhos da pós. O que me restou foi pouco mais de uma semana para tentar relembrar física, química, matemática, biologia e ler os livros de literatura de leitura obrigatória que ainda não havia lido, ou lera quando prestei vestibular pela primeira vez, ainda no século passado. Pela parte da literatura passei tranqüilo, prazerosamente, salvo Iracema, mais chato do que qualquer outra coisa. As matérias, estudei pelas provas passadas, com a ajuda do meu irmão. 40 minutos de exatas e minha cabeça dói: nove anos de ciências humanas, e vejo que um lado do cérebro atrofiou. Sem contar o choque em descobrir que o mundo não é solucionável por regra de três!

Ademais, há a prova de aptidão para arquitetura. Tentei achar provas passadas na internet: em vão. Me disseram para estudar perspectiva. Estudei-o. Um dia antes, saio comprar os materiais exigidos. Cola branca, régua, grafite. Certo, sei do que se trata. Lápis de cor, opto por uma caixa de 12 cores, já que não imaginava que era de sério essa exigência, e por ser daltônico não adianta exagerar no número de cores. Compasso, lembro que a última vez que usei um foi no primeiro colegial, para arrancar um cisto sebáceo do meu braço. Algo pouco recomendado, sei, como sabia na época – mas aquela bolotinha me incomodava. Régua T não tinha. Menos mal, economizo isso sem peso na consciência. Transferidores de 30 e 45 graus. Olhei para aquilo, já usara. Ou pelo menos já tivera. Para que servem mesmo? Como se usa? Ao contrário da régua T, fico sem graça de perguntar ao atendente. Compro, com a esperança de não precisar usá-los.

Sem comentários sobre as provas. 2010 preciso fazer minha dissertação, não sei se era uma boa começar curso novo. Se acaso eu passar, vou comemorar muito! Ainda que tenha notado, no pré-trote na saída da prova de aptidão, que depois de nove anos de graduação estou um tanto saturado dessa vida.


Campinas, 15 de janeiro de 2010.

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quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Na vida (quase) como no cinema

Nunca li nenhum livro nem assisti a nenhuma peça do Bortolotto – o dramaturgo baleado em fins de dezembro na praça Roosevelt, em São Paulo –, ainda que pretenda fazê-lo em breve. A primeira vez que ouvi falar dele foi no dia 7 de novembro: uma amiga, a Mariana, comentando algumas tentativas literárias minhas que lhe mandara – sempre mundo-cão – falara do agora famoso autor. Dizia ela que seus textos a empapuçavam: “Na primeira vez, eu acho legal, mas parece que depois vêm variações sobre o mesmo tema, fica um cara com uma arma apontada pra cabeça, tomando cerveja na sala ouvindo jazz, falando de quando comeu a vizinha, e como todos os amigos que eram beatniks agora são empresários. Um culto à boçalidade e à inércia, sabe?”. Não sei dizer da sua obra, mas a sua reação, o seu “atira, filho da puta”, quase o “atire no dramaturgo” que serve de título ao seu blog, ajudaram a reforçar a idéia passada pela Mariana.

Culto à inércia porque, até onde consegui pesquisar, Bortolotto nunca se mexeu para tentar alterar a realidade social, como o faz Ferréz. Não cobro aqui engajamento dele, mas se esteve quieto até então, não seria com uma arma apontada que mudaria essa inércia.

Já a boçalidade está não só no ato – que tenta justificar por estar bêbado – mas por achar que não fez de todo mal: “Eu só sei que se tivessem mais alguns amigos malucos como o Carcarah naquele bar, a gente tinha enfiado o revólver no rabo daquele filho da puta. Eles acham que nós somos um bando de viadinhos sensíveis e indefesos”, diz ele em seu blog. Para além do estúpido do que foi dito, não é difícil de entender a reação dos assaltantes: para realizar esse tipo de assalto, muito provavelmente são do tipo de pessoas que só têm voz, só conseguem impor respeito pelo medo que a arma impõe. Imagine o que não deve ser para alguém que nunca foi nada, ser negado – de uma maneira acintosa – até quando tem a possibilidade de ser. Soa estranho a alguém que cresceu na periferia e escreve sobre o mundo-cão não saber coisas desse tipo. Ou será que ele quis provar que a vida imita a arte?

PS: sugestão de ótimo filme mundo-cão: “O homem do ano”, de José Henrique Fonseca.

Campinas, 14 de janeiro de 2010


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