sábado, 31 de agosto de 2019

Talvez a vitória de Bolsonaro em 2018 tenha sido a melhor opção

Apesar de todas as críticas à psicologia do ego de Erich Fromm, admiro sua apresentação da ideia de liberdade, em O coração do homem: foi um marco na forma como passei a refletir sobre problemas que surgem. Grosso modo, diz ele que o último passo na tomada de um ato pouco tem de livre: há uma série de engajamentos prévios que tornam a desistência do ato, o passo derradeiro, de um custo tão elevado a ponto de ser difícil ao sujeito mudar de rota, uma vez que seria negar tudo o que foi feito até então e que levou até àquele ponto - contudo, o mais comum é nos atermos a esse último instante e acreditar que ali se tomou toda a decisão, que ali ainda havia plena liberdade de fazer ou não.
Fromm me veio à mente com o tal "dia do fogo", organizado e posto em prática por criminosos disfarçados de fazendeiros e ruralistas, apoiadores de Bolsonaro na Amazônia, com as reações grotescas do mandatário da nação, e com os alertas de "eu avisei" dos que mantiveram um mínimo de bom senso ano passado - o que exclui pretensos isentões do segundo turno.
O que ficou evidente para mim neste mês de agosto foi que, diante do que tínhamos em setembro de 2018, a vitória de Bolsonaro pode ter sido a melhor alternativa - claro, isso vai depender de como as esquerdas e as forças progressistas estão se organizando e vão se organizar. O ponto principal é que o clima de ódio provocado pelo consórcio mídia-PSDB-judiciário-ministério público e o estado de anomia no qual o país foi atirado pelo farsesco impeachment de Dilma foram instrumentalizados pelo ex-capitão e seus sicários, de modo que ganharam demasiado poder. Poder para além das urnas - e é o poder do estado que tem nas mãos que pode fazer com que desidratem.
Uma vitória de Haddad no segundo turno, além da hostilidade do congresso, teria que lidar ainda com oposição cerrada da mídia e constantes testes de autoridade por vários setores da sociedade, de organizadores do dia do fogo e milicianos a juízes e procuradores. Isso potencializado por crise econômica interna, boicote do empresariado, lawfare e crise comercial internacional. Dificilmente um candidato progressista - estou a incluir Ciro aqui, mesmo sendo de centro-direita - conseguiria encaminhar uma solução a todas essas crises: mais provável que o governo fosse uma tentativa de diminuir o caos estimulado por atores sociais importantes, com a mídia, o STF, Bolsonaro, sua família e suas milícias aumentando cada vez mais o tom do discurso e dos atos.
O "dia do fogo", arrisco dizer, aconteceria sim ou sim, fosse Bolsonaro ou Haddad o presidente. Se com o carioca aconteceu com beneplácito do líder, com Haddad as chances eram de que acontecesse para afrontar o presidente - eventuais prisões que impedissem o que foi feito na Amazônia seriam automaticamente vendidos pela mídia como "venezuelização" e arroubos autoritários, custariam muito de um sofrido apoio interno que ele pudesse ter.
A #VazaJato não teria a mesma repercussão e seria mais facilmente apresentada como "tentativa dos políticos corruptos do PT de impedir os arautos dos cidadãos de bens combaterem a corrupção dos políticos (do PT)". Qualquer sinalização de desmantelar a quadrilha que atua desde a República de Curitiba iria na mesma linha - e às favas o direito, a constituição, a humanidade. Seguiria o lawfare contra qualquer pessoa que pensasse diferente de Moro, Dallagnol e seus serviçais.
Esse clima de caos e desgoverno - ou de difícil governo - permitiria ao fascismo tupiniquim crescer sem oposição - talvez alguma amarra nos governos estaduais, uma vez que poderiam ser cobrados, mas governo estadual dificilmente tem o mesmo poder de ser teto de vidro que o federal. Bolsonaro pai poderia cometer seus festival de disparates sem nenhuma cobrança pela liturgia do cargo, já que não teria cargo oficial nenhum, nem nenhum confronto com a realidade, já que não possuiria poder efetivo nenhum. Seu poder seria paralelo, apoiado e estimulado por parte da mídia e do judiciário (sabemos agora, pela Lava Jato como um todo), no intuito de enfraquecer o PT e ainda crente de que conseguiriam domá-lo depois - uma espécie de Guaidó com mais respaldo. Isso permitiria um maior enraizamento das bravatas e do ideário fascista - com a complacência dos donos do poder -, e tenderia a dar uma enorme força e resiliência a esse espectro político em 2022.
Claro, o fato de Bolsonaro queimar parte do capital político da extrema-direita não anula todo o espectro. A vitória precoce do atual presidente incorreu no mesmo problema da extrema-direita europeia, onde tem sido um retumbante fracasso quando assume o poder, ainda mais sem o devido respaldo popular. É prepotência e incompetência. O Brexit talvez seja o melhor exemplo: é o putsch da cervejaria de Munique que deu certo e os bêubos tiveram que assumir sem ter a mínima ideia do que fazer ou de como o estado se organiza e funciona, daí tentarem recrudescer o golpe. O grande ponto: não tiveram tempo de se enraizar para além dos predispostos a abraçar o "movimento".
Não estou desculpando quem votou no capitão, ano passado, aceitando que era a melhor opção - não era. Estou aqui propondo que façamos nossas análises a partir de um pouco mais recuado, entender que o passo no abismo não foi dado na urna, em 2018, mas vem de antes, de uma série de fatores que foram negligenciados e/ou minimizados, que levaram ao ponto onde estamos. Seguir com essa de "eu avisei" é insistir no erro e achar que eleição é 45 dias de campanha mais a urna, e deixar a avenida aberta para o fascismo repaginado de um Doria Jr ou Luciano Huck tomar o imaginário popular e criar raízes na sociedade - além do que são mais vivos e tem total simpatia da mídia, poderiam atuar (como Doria Jr deveras atua) como tratores nas instituições democráticas sem serem confrontados ou incomodados.
Diálogo, mobilização e politização - se realmente queremos reverter o quadro político atual. Ou então vamos ficar esperando Godot, nos queixando aos astros e esterilmente gritando nas redes sociais "eu  avisei".

31 de agosto de 2019

sexta-feira, 23 de agosto de 2019

O Sesc e a oportunidade de estimular uma cultura democrática neste tempo que flerta com o fascismo

Por conta do artigo “Precisamos falar (criticamente) sobre o Sesc” [bit.ly/cG171010], que escrevi em 2017 e foi republicado na página do Luis Nassif, no Jornal GGN, recebi o convite para compôr uma mesa sobre “qual o papel do Sesc na promoção de cultura”, no Fórum Políticas Culturais, promovido pelo Centro Acadêmico Lupe Cotrim (CALC), da Escola de Comunicação e Artes da USP, dia 21 de agosto. Na mesa estaria também João Paulo Guadanucci, gerente de estudos e desenvolvimento do Sesc.
Surpreso pelo convite, uma vez que não sou estudioso ou especialista na área, pensara, de início, em fazer uma fala colada no que escrevera de 2017, salientando que muito daquilo não valia MAIS para 2019, visto que nele eu criticava o Sesc São Paulo dentro do que chamei de “sistema de financiamento, produção e circulação cultural do Brasil”, e não há mais nada parecido no Brasil de Bolsonaro, Moro, Doria Jr, Malafaia e tantos outros inimigos de toda arte que não seja propaganda do poder. Seria uma fala para pensarmos quando a onda fascista passasse, se ainda sobrasse algo. Foi o questionamento de um amigo sobre o porquê de eu não abordar a questão da segregação e a da cultura democrática que me fez repensar minha fala: ao invés de falar do passado e em um futuro do pretérito, era mais conveniente falar de algo que ainda cabe no presente e permite devires: se chuvas são fenômenos naturais que fogem ao nosso controle, as partículas das queimadas da Amazônia que baixaram sobre São Paulo esta semana é antes fruto da ação humana e por isso passível de ser alterada.
Ao cabo, diferentemente do que imaginei, João Paulo não foi à mesa para tecer exclusivamente loas ao Sesc – assim como eu não fui para falar mal, ainda que estivesse lá para reforçar alguns aspectos negativos que geralmente passam batidos. O texto a seguir é baseado em minha fala.
Como o próprio João Paulo havia dito, o termo “cultura” é bastante amplo e aberto a diversas interpretações. Foi usando dessa abertura que desisti de falar especificamente do que gira em torno de bens culturais para falar de “cultura democrática”, visto que democracia não é só um sistema de votação, mas é um sistema valorativo de ações, uma cultura, que implica em certa forma de ver e estar no mundo, de se relacionar com o outro e com seu entorno, de se engajar no simbólico e no real.
Quando estávamos sob governos democráticos, o Sesc florescia graças à disfunção do sistema de produção cultural brasileiro. Florescia e o retroalimentava. Nesse sistema estavam Sesc, leis de fomento, editais, Rouanet, equipamentos públicos, tentativas autônomas de espaços culturais, grandes grupos, etc. O Sesc, com muito dinheiro e bom trabalho, conseguiu o que eu chamei de "padrão Sesc de qualidade": bons espetáculos a preços módicos, que forma um público cativo. "Se tá no Sesc é porque é bom", foi uma expressão que ouvi muitas vezes. Tentativas independentes, como pequenos teatros, ou dependiam de alguma forma de estímulo público, ou corriam o sério risco de serem experiências efêmeras, pois não tinham como competir com uma instituição que não depende de bilheteria [João Paulo comentou do artigo de André Barcinsky que trata especificamente desse ponto: www.j.mp/30Bc1QD].
Desde 2016, contudo, a cultura tem sido atacada impiedosamente pelo avanço fascista e fundamentalista religioso (cujas portas foram escancaradas pelo PSDB de José Serra). Quando falo de avanço fascista, me refiro não apenas a Bolsonaro, mas também a Zema, Witzel, Doria Júnior e outros - não esquecemos o horror que foi Doria-Sturm na prefeitura de São Paulo, um verdadeiro Bolsonaro com complacência da mídia; assim como não esqueçamos o que foi o Sérgio Sá Leitão, atual secretário de Dória, no governo Temer. Esses ataques dos fascistas à cultura tem buscado ou a destruição pura e simples de políticas públicas para a cultura, ou o aparelhamento de equipamentos públicos, editais, fomentos (aquilo que acusavam os petistas ou esquerdistas de fazer, sem que conseguissem comprovar, até porque nunca houve de fato). A própria iniciativa privada passou a ficar temerosa de patrocinar espetáculos, com medo do patrulhamento ideológico da extrema direita associada a religiosos, como o caso do Queermuseu, por exemplo. Dessa catástrofe uma das poucas coisas que tem sobrevivido sem maiores traumas é o Sesc. Que agora também está sob ataque do ultraliberalismo de Guedes. Se isso se efetivar, destruído todo o sistema de cultura, o que sobraria? Produção cultural evangélica (pois há dinheiro de sobra e sem qualquer controle) e musicais enlatados para entretenimento rápido e que não incomodam ninguém.
O Sesc, em alguma medida, tem seu pingo de responsabilidade na situação em que nos encontramos - como diversos outros atores sociais, inclusive os movimentos sociais, inclusivo aquele do qual eu faço parte. Um dos pontos que os usuários dos equipamentos culturais do Sesc mais gostam de se enganar é que ele é democrático e popular. Não é. Ingresso caro é elitista, mas ingresso barato não é necessariamente popular: há uma série de fatores que influencia que certos grupos sociais se sintam bem vindos ou não num lugar - por exemplo, seguranças engravatados olhando de alto a baixo quem entra. Já presenciei usuário do Sesc ser barrado na entrada, foi na Vila Mariana, porque não se encaixava no seu tipo padrão, e precisou apresentar sua carteira de comerciário para poder entrar. Isso é um muro. Um muro invisível para que não é barrado, um muro não-dito, mas um muro maldito para quem é "público-alvo". Não é exclusividade do Sesc, é toda uma cultura antidemocrática, antipopular que vigora no país – o Sesc talvez seja até um dos locais mais amenos nisso, perto de baladas, shopping centers ou mesmo parques públicos.
O Sesc 24 de maio agora diminuiu um pouco, mas quando a unidade foi inaugurada tinha muitos seguranças no térreo, num claro desconvite para que a população que ocupa aquela região não entrasse - o próprio Paulo Mendes da Rocha, numa entrevista sobre o prédio, deixou escapar que o público a ser atraído para ali não eram comerciários da região, mas detentores de capital cultural: universitários, classe média alta, brancos ou "embranquecidos". Nas últimas vezes que passei em frente, inclusive, notei que cercaram a marquise onde as pessoas se sentavam para passar o tempo – melhor grades a povo. Não sei se é temporário, tomara que sim.
A programação também acaba, muitas vezes, por reforçar esse caráter "elitista a preços populares" - ao menos até início de 2018. A unidade Pinheiros, por exemplo. Está numa região onde confluem engravatados da Faria Lima, universitários descolados, "meio intelectual, meio de esquerda", como dizia Antônio Prata (que escrevia para a revista do Sesc), e pessoas de classes mais baixas - tanto que o Largo da Batata, antes da gentrificação dos últimos anos, era um dos principais pontos do forró de São Paulo. Pergunto: qual é a proporção de shows de forró para shows de bandinhas de rock alternativo no Sesc Pinheiros? Ah, mas no Sesc Itaquera, no Sesc Interlagos... Sim, nas unidades da periferia, há uma arte condizente com o que o preconceito diz que a periferia gosta. Um reforço à lógica segregacionista do espaço - que esteve bem presente no governo Haddad-Bonduki, por sinal. Resultado: eu vejo pouca diversidade social. Se você for na Oswald de Andrade (sob ameaça de Doria Jr), na Casa do Povo, no CCSP (que sem explicação barrou a realização da CryptoRave quando Doria Jr. era prefeito), você vai ver um público bem diferente, mais heterogêneo, daquele que se senta nas poltronas do Sesc.
Aqui eu entro em outro ponto da defasagem democrática do Sesc: não apenas no público que atrai para suas unidades centrais, mas a forma como gere suas unidades. Nunca li em uma revista de programação, nunca recebi um e-mail, nunca soube de um conselho composto por moradores e trabalhadores da região, ou de quem for, que não seja programador do Sesc, ser chamado para decidir os rumos das unidades. Não digo as atrações específicas, mas as diretrizes do semestre ou do ano – que seja algo consultivo. Conforme João Paulo, há um conselho geral, com participação (minoritária) dos trabalhadores. De qualquer modo, as unidades funcionam funcionam no esquema empresarial, sem chamar a uma participação efetiva da sociedade – por mais que os técnicos de programação encontrem brechas para trabalhar democraticamente com agentes culturais.
Eu vejo esse déficit de participação na forma como o Sesc tem sido defendido na minha bolha de usuários do Sesc: avatares na foto de perfil do Facebook. Comparo com o que ocorreu na Vila Itororó, e seu Canteiro Aberto: uma participação efetiva da comunidade na decisão dos usos e rumos do espaço cultural. Tanto que quando o acordo com o Instituto Pedra foi encerrado, em meados de 2018, pela gestão Doria Júnior, muitos temeram pelo fim da experiência. Porém, o resultado foi um aprofundamento da proposta por parte da população, eles dobraram a aposta e houve uma maior gama de atividades e maior difusão. É uma experiência fantástica.
Se abrir a experimentos, experimentações, se abrir à construção democrática, pode pôr em risco o "selo Sesc de qualidade", que ele conseguiu imprimir a tudo o que aparece no seu guia de programação. É uma perda, sem dúvida. Contudo, diante do contexto atual, dos ataques que a cultura tem sofrido, talvez caiba ao Sesc repensar urgentemente sua inserção e sua forma de relação com a sociedade, não apenas para ser numa futura sociedade efetivamente democrática - de cultura democrática - um farol a guiar outras iniciativas, na área de cultura e fora dela, e sim para desde já contribuir para romper as trevas que nos tomam - junto com restos das queimadas amazônicas.

23 de agosto de 2019

PS: claro, resta saber o que resta do empresariado brasileiro ao talho de Simonsen e outros, ou se o que nos sobra é gente ao estilo "Véio sonegador da Havan".

sexta-feira, 9 de agosto de 2019

O machismo da Lava Jato

Max Weber, balizado pela noção kantiana de uso público e privado da razão, desenhou seu burocrata ideal-típico, algo próximo de um parafuso eficiente e resignado (e satisfeito?) na máquina bem azeitada do Estado. Gyorgy Lukacs tomou emprestado a construção do amigo para fazer uma análise crítica do capitalismo, em especial do seu sistema de justiça racional, pautado pela previsibilidade dos resultados, independente de quem julga. Os seguidores das concepções do filósofo húngaro (dessa fase) - Adorno, Horkheimer, Marcuse, Debord e outros - aprofundaram a crítica, pondo esse princípio de cumprimento de dever baseado na razão pública como esteio do horror nazista tanto quanto o mecanismo que sufoca e asfixia a vida do cidadão comum na sociedade burocratizada, controlada e codificada do capitalismo tardio - não apenas os funcionários do estado, que o diga o atendente do McDonald's padronizado até na forma como segura o esfregão para limpar o chão.
A noção de uma justiça racional e de um corpo burocrático dotado de uma “ética pública” que se sobrepõe às preferências e valores individuais não chegou a se efetivar plenamente em lugar algum, mas nestes Triste Trópicos ganha ares de alucinação, tamanha a distância entre a prática e esse ideal normativo: aqui não se trata apenas de interpretar a lei conforme a situação (ou o rosto do "cliente"), mas de inventar leis e crimes conforme o desejo do juiz - que o diga os "atos de ofício indeterminados" que garantiram o "triunfo da vontade" do então juiz/justiceiro Moro e sua equipe de procuradores delegados e outros agentes do estado, personificação de uma parcela da elite brasileira (e seus lacaios/sicários).
Na justiça brasileira a concepção de um juiz aplicador de leis decididas por um legislativo representativo da população, uma peça na engrenagem, não faz sentido, e nem precisa dos holofotes que Moro teve: cada juiz uma constituição, um código penal, um código civil: a depender da vara, um processo sairá vencedor ou perdedor, praticamente independente do que diz a lei e do que é argumentado pelo advogado - e muito dependente de quem é o impetrante.
Curiosamente, as duas juízas que ganharam destaque com a Lava Jato se comportam como peça numa engrenagem, seguem o que foi determinado com destemor. Infelizmente a determinação não se baseia nas leis, pelo contrário, está em contradição a elas, por temor da desaprovação das hostes fascistas - daí seguirem os mandos e desmandos do chefe desse “estado dentro do estado”, hoje ministro da justiça (sic). 
Recordo que ao aceitar ser ministro de Bolsonaro, muita gente se surpreendeu com o fato de Moro ser capaz de se comprometer com um governo abertamente machista, misógino e homofóbico. Sede de poder foi a explicação que pareceu mais razoável - poucos foram os que apontaram identidade de visão de mundo entre Moro-Lava Jato e Bolsonaro: havia apenas diferença de modo de apresentação das convicções (se um tosco power point ou uma verborragia agressiva tão tosca quanto).
O comentário de Moro, palhaço augusto do presidente (ele que se achava O branco em Curitiba), no Twitter, sobre a lei Maria da Penha, apenas reforça que a identidade com o capitão expulso do exército não está apenas no ódio ao "esquerdismo" (seja lá o que significa no fascismo tupiniquim), à democracia e ao estado de direito, está também na visão que tem das mulheres. Isso ficou explícito no tuíte, mas pode ser observado na Lava Jato e na #VazaJato. 
Disse o herói dos fascistas: “Talvez, nós, homens, percebamos que o mundo está mudando e, por conta dessa intimidação, infelizmente, por vezes, recorremos à violência para afirmar uma pretensa superioridade que não mais existe”. Nem cabe aprofundar nesse besteirol. Apenas ressalto que, para sua sorte, as mulheres do seu entorno não os intimidam, de modo que os homens podem manter sua pretensa superioridade que não existe mais - mas segue existindo e não apenas como pretensa, nas práticas do grupo. E isso sem espancamentos, veja que avanço civilizacional!
Na República de Curitiba poucas são as mulheres com alguma voz. Melhor: poucas são as mulheres. Conforme o site do MPF, de 19 procuradores que já integraram a força tarefa em Curitiba, apenas quatro são mulheres. Nunca em papel de destaque, e ainda substituídas a pedido do chefe, por ser muito fraca, como o caso de uma das procuradoras. Voz das mulheres, só as que ecoam a voz dos chefes - homens, brancos, heterossexuais (ao menos para o público): a elas cabe o papel subalterno, submisso - visão afim tanto ao nazifascismo “clássico”, do século XX, quanto ao do atual chefe de Estado do Brasil, quanto aos princípios bíblicos defendidos por agentes públicos “terrivelmente evangélicos”: lembro a história dos pais de um amigo de infância, que frequentava a mesma igreja que Dallagnol (sim, fomos paridos na mesma terra), cujo marido cobrou submissão da esposa ou o divórcio. Entre ajudar a cuidar da mãe doente ou preparar o jantar para o macho provedor, amparada pelo pastor, ela se manteve servil ao marido. A forma como os procuradores falam em usar as esposas como laranjas nem parece estar lidando com alguma pessoa, muito menos próxima: é um instrumento para lucrar dando palestras motivacionais de empreendedorismo (com que experiência?).
Quando as mulheres assumem algum protagonismo, o fazem de maneira masculinizadas e abusando da perversidade - lembram os casos dos judeus postos para cuidar dos campos de concentração, que se mostravam mais firmes que os nazistas. Não surpreende: são mulheres e precisam compensar o que seus colegas vêem como "falha". Recebem reforço positivo das hordas fascistas (em pesquisa no DuckDuckGo, sites de direita falam que as juízas do caso seriam exemplos de "empoderamento feminino"), mas sua perversidade e sua grosseria desmedida apenas sinalizam sua insegurança, indicam o quanto sabem valer nada fora do cargo, da aceitação do chefe e dos outros machos da horda, e da função que ocupam por causa dessa submissão ao todo poderoso Moro/Globo. Negar a humanidade do outro a ponto de pôr sua vida em risco - transferindo Lula para um presídio comum ou levando Cancellier ao suicídio - é a assunção implícita de quem tem sua humanidade negada, que elas são vistas como meio, e aceitam isso como destino, exultante de serem instrumentalizadas para fins outros - e não se trata aqui de razão pública, mas de negação da razão prática, em falta de toda ética, até a do crime. Impingir ao outro o sofrimento que sofre é uma forma de tentar compensar a própria impotência - mas a impotência segue. Não precisava ser assim, afinal são pessoas bem formadas (em tese), com toda estrutura para terem um pensamento crítico e reflexivo - não mero reflexo acrítico das estruturas patriarcais que as violam.
Diferente da experiência alemã de 1930/40, não se trata do paroxismo do princípio weberiano do burocrata racional, mas da sua perversão.

09 de agosto de 2019

PS: Talvez alguém tenha notado que o nome das mulheres não aparece aqui, foi proposital diante do papel que aceitaram assumir.