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segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

Goreti tenta lutar contra o destino... e perde [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor sem graça]


As artes esotéricas e sibilinas não são para qualquer um ou uma ou ume. Suas mensagens cifradas dão ensejo para compreensões dúbias, até mesmo “tríbias” - tese, antítese, destese, numa releitura pós-moderna e Hegel (não o colega de Marx, segundo o MPSP) -, que podem induzir as pessoas a tomarem decisões erradas, ao invés de ajudá-las. Por isso, todo cuidado é pouco. Ademais, defendo que as crenças esotéricas se encaixem no sincretismo que tanto marca nossa constituição enquanto povo: acredita só na medida em que o favorece. Também poderia defender um órgão de classe (estilo OAB e CRM) para esotéricos, mas isso fica para outro momento. Voltemos ao sincretismo. Foi assim com o catolicismo branco do colonizador, tem sido assim os evangélicos neopentecostais adeptos do eurocentrismo extremado neocolonizante (em especial os pastores, que falam de Jesus mas adoram os vendilhões do templo; defendem a família dita tradicional mas tem três amantes... de cada gênero), por que não poderia ser com esses bandos de esotéricos brancos mimados nos melhores bairros das cidades? 

Quem tenta seguir puro em sua crença ocidental sempre se dá mal. Goreti, por exemplo, é uma pessoa legal, mas vacila - justo por acreditar demais, e sem sincretismo.

Final do ano passado foi chamado pela chefia e designado para um congresso a beira mar em Ponta Negra, Natal - precisava ser alguém do nosso subsetor -, que foi de segunda, dia 22, à tarde, e até quinta 25 de manhã, com a fala já na terça pela manhã, pra poder estar só de corpo presente o resto do tempo nesse evento. A empresa se encarregou das passagens, da hospedagem nos dias de evento e de uma ajuda de custo considerável. Ou seja, levando em conta que 25 é feriado em Sampa, a proposta foi praticamente de férias fora de época (mas numa boa época), com passagens e 50% dos custos de hospedagem e alimentação pagos.

Ficamos todos - ele, inclusive - surpresos por ter sido ele o escolhido, e não Meirelles, a pessoa que mais manja dos paragolés e do falar em público. Vívida e escolada, não se surpreendeu, e nos lembrou que para liberais melanina demais só pega bem no fundo da foto. Enfim, tudo estava certo para o congresso, até que semana retrasada, logo na segunda pela manhã, Goreti saiu da sala do chefe com uma listinha e foi até Macedo. Antes de fazer o convite, se justificou:

“Eu realmente não posso ir, e acho que nem deveríamos mandar ninguém. Vai ser uma grande besteira. Falei para o chefe, mas ele não quis me ouvir. Por isso, nem recomendo que vá, mas ele perguntou se quer me substituir em Natal”.

Macedo, afim à sua discrição, rejeitou. A seguir, foi a vez de perguntar para Meirelles, que se indignou de ter sido chamada só àquela hora, sem tempo de refazer a agenda programada para o feriado.

Já paguei caro para passar no Boneti! Sacanagem!

Parecia um jogo meio Jogos Vorazes, sei lá, que quem escolhesse seria morto. Ou mesmo uma rodada do campeonato brasileiro, com todos os times parecendo lutar para não ganhar o título. 

Imaginamos que Goreti iria até Carnegie, o segundo mais apto para palestrar - depois de Meireles -, sempre elogiado pelo chefe, mas o escolhido foi o Desembargador, que não teve problema em mudar sua programação para o feriado, desde que pudesse juntar com o banco de horas, que dava três dias. O chefe, para mostrar sua autoridade, permitiu, desde que fosse antes do evento, e não depois. A contragosto, aceitou, e terça, dia 16, já foi de mala para o trabalho - voltaria só dia 28. No fim, o chefe fez o melhor para ele: o noivo, nos arranjos de seu trabalho, conseguiu ir no dia seguinte, para voltar no domingo: quatro dias namorando em Natal, depois três de congresso, e concluía com quatro dias curtindo sozinho a cidade. Me pergunto se há um grande grupo de chefes, para combinarem isso e parecer que eles têm um poder de premonição que nós não sabemos - e talvez nem as sibilas, cartomantes, cassandras e afins.

Cara, se cuida! Gosto muito de você, te desejo tudo de bom!

Havia lágrimas nos olhos de Goreti ao se despedir do Desembagador, ao fim do expediente. Seguiu borocoxó, com aquele ar de peso na consciência, falando pouco durante a ausência do colega. E se recusou terminantemente a comentar o porquê de ter desistido de ir para o congresso em tão vantajosas condições.

Hoje Goreti chegou atrasado - o que é incomum. Parecia bastante preocupado. Perguntou do Desembargador, dissemos que não chegara ainda. Até sua chegada, estava visivelmente perturbado e deu pra ver o alívio quando ouvimos nosso viajado colega, ainda antes de entrar na sala, falando para Bevilacqua:

Preciso te mostrar o retoque das minhas marquinhas!

Ao entrar, Goreti foi logo perguntando se ele estava bem.

Tudo ótimo! Que viagem maravilhosa! Agradeço pela oportunidade!

Não aconteceu nenhum imprevisto?

Na viagem? Ah, ontem foi complicado. Cheguei para pegar o avião e deu overbooking - eu e uma outra mulher que tinha participado do congresso. Ao invés de embarcar às sete da noite, só fui embarcar à meia noite. Por sorte, pagaram o táxi até minha casa, mas mesmo assim, fui dormir às três da manhã. A parte boa foi que nós dois ficamos esperando numa sala vip, com tudo liberado, até uísque double label! Bebemos, viu? Por isso essa cara de ressaca. Inclusive, uma pena que você não foi, porque acho que a moça que vim conversando, você iria adorála! Eu mesmo, se não fosse noivo e, principalmente, gay, teria me interessado - e ela está solteira! Pena que estávamos tão loucos que esquecemos de trocar qualquer contato.

Goreti ainda parecia incrédulo, e ao insistir se não tinha acontecido nada demais, fomos pra cima dele:

Abre o jogo, Goreti, que que houve que você desistiu da viagem e agora está aí, com cara de cão arrependido - insistiu Meireles.

Ele tentou tergiversar, mas abriu o jogo: havia ido numa cartomante (a cartomante é por minha conta, para dar um ar mais literário, quase um neo-Machado, ele falou taróloga e sexóloga, num terreiro de umbanda, mesmo), que havia tirado as cartas e dito que havia uma viagem programada para breve que lhe traria muita dor. Ele concluiu: só podia ser a viagem para Natal, e muito provavelmente seria a queda do avião! Por conta disso, tentou convencer o chefe a não mandar ninguém, ia se sentir culpado se o colega morresse.

Muita dor? - refletiu Desembagador - ah, sim! No primeiro domingo teve um episódio assim! Fui queimado por uma água viva, já no fim da tarde! Como doeu! Você nem imagina! Nem pude aproveitar a praia direito na segunda de manhã, antes do congresso. Vai ver era isso.

É, vai ver... - respondeu Goreti, murcho.

Eu, sinceramente, achei que faltou a Goreti o sincretismo de seu guru espiritual, e me pareceu que a grande dor dessa viagem foi por ter desistido dela. Os gregos antigos - Sófocles, por exemplo - já mostravam que não adianta lutar contra o destino.


22 de janeiro de 2024


PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.

quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

O novo estagiário [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça.]

A ideia era falar sobre as férias, já que recém retornei das minhas merecidas e insuficientes. Contudo, por ser um assunto com muitos desdobramentos necessários, deixo para um futuro indefinido, e hoje me centro no retorno a esse espaço que me acolhe por oito horas todos os dias - também passando ao largo de toda a tristeza que é isso, apesar dos amigos que tenho no trabalho, que são boas pessoas, mas é muito mais divertido encontrá-los no bar, e boa parte dos colegas é muito mais agradável nem encontrá-los, sequer lembrar que existem.

Enfim, cheguei das férias um pouco atrasado, porque me parece justo a primeira semana ser para se reaclimatar aos horários e todo o sofrimento da labuta. Fui para minha baia, com aquela sensação de que valho um pouco menos que um boi - o que mostra minha condição privilegiada, estar próximo ao valor de um boi e não de um bife de acém -, olhei ao redor, em busca dos quatro rostos novos prometidos para a virada do ano. Identifiquei apenas os dois estagiários - até porque a aparência destoa bastante. O que me chamou a atenção, contudo, foi que um deles estava ocupando a mesa do Desembargador (que havia sido de férias imediatamente antes de mim). Pior: o dito cujo vinha com uma desenvoltura que eu gostaria ter aos meus vinte e poucos anos, e agia como se fosse funcionário há anos, inclusive me cumprimentando animadamente - que respondi com frieza, porque é da minha natureza ser desconfiado. Ele não tardou para vir até mim, e antes de se apresentar já anunciou:

Preciso te contar as novidades!

Olhei perplexo aquele rosto que destoava da voz:

Desembargador?!

Dizem por aí que a barba é a maquiagem do homem. Reparo em alguns de meus colegas: Macedo, Carnegie, Desembargador, doutor Sabujinho, Martão e eu mesmo, todos com as faces cobertas em parte ou totalmente por pelos faciais. Se é assim, estamos mal: mesmo “maquiados”, seguimos com uma aparência que até nossas mães não conseguem elogiar muito esfuziantemente, porque sabem que a realidade foi um pouco dura conosco - menos com o doutor Sabujinho, que além de feio é acabado, apesar de ser o mais jovem dessa lista, e a mãe dele só é capaz de elogiá-lo se for mitomaníaca, porque para tudo há limites.

Pois é, o jovem imberbe na verdade não era o novo estagiário, e sim o próprio Desembargador desembarbado.

Aproveitamos as férias em Punta Cana e noivamos! E mostrou a aliança. 

A barba feita era por conta de ele e o noivo terem decidido limpar a cara e assim permanecerem por um mês, para marcar esse novo ciclo da vida de ambos. Reparei bem, me pareceu quase reserva de mercado: juro que vi pelo menos duas grandes espinhas no seu rosto, o que ele nega; e quem na nossa idade iria dar em cima de um rapazote que você jura que passa horas trancafiado no banheiro se masturbando e sonhando com sua primeira vez?

Me mostrou a foto do noivo, e depois de me certificar que o homem da foto era seu companheiro há mais de um ano, que eu bem conheço, creio que entendi melhor a importância do ato: caso algum dia acontecesse de terem que tirar a barba sem avisar, eles precisam ser capazes de se identificar.

Cumprimentei-o pelo noivado, desejei felicidades ao simpático casal e já avisei das minhas restrições alimentares para o jantar. E decidi escrever este texto para discretamente sugerir que deixem a barba, fica melhor.


11 de janeiro de 2024

PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.

quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

Martão, aprendiz de Rivarola em como ser inconveniente [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor sem graça]

Já comentei alhures do colega Rivarola, o doutor Sabujinho do setor. Um colega servil com os chefes, desleal com os colegas e assediador das colegas. Um tipo feio, que parece figurante d'Os Simpsons, inconveniente, chato e de piadas precárias. 

Sempre me pergunto se alguém consegue achá-lo interessante, e penso que sua esposa tem uma auto-estima sofrível para aceitar estar com ele - porque se concordasse com as ideias liberais dele, teria largado um fracassado desses, que mesmo com doutorado no exterior e MBA numa das melhores escolas do Brasil, foi por um tempo motorista de Uber, como forma de complementar a renda, pois o sustento quem leva é a esposa (até hoje o salário dela é superior, mesmo eu não sabendo quanto ela ganha). E pior que nem é porque ele não aprendeu nada nesse MBA - o problema é mesmo de incompetência.

Uma coisa que aprendi com chefes formados nessas “melhores escolas” é que assédio moral e terror psicológico são a maneira de gestão de pessoas preferidas deles. Não conheci um chefe liberal dessas escolas que não fosse um filho da puta sem escrúpulos e ética. Pois foi com a chegada de uma nova colega, a Lima, que notei todo o esquema pelo qual Rivarola mescla assédio sexual com o moral. Na verdade, essa deve ser a única chance de conseguir dar uma escapada da “patroa” (provavelmente ele deve usar esse termo na roda dos amigos da igreja) sem precisar pagar para um prestadora de serviços sexuais, injustamente mal afamadas (e não há ironia nessa frase). Uma moça novinha, pouca experiência de vida, menos ainda de mercado, recém chegada a uma grande empresa costuma chegar sempre acuada: vai ser difícil se levantar contra o assédio - de um colega que parece tão popular e querido, ainda por cima -, e pôr seriamente em risco o emprego recém conseguido.

Acho que sua esposa sabe o marido que tem e por isso não se incomoda de ele ser esse galanteador fajuto, pois nunca vi suas empreitadas terem sucesso - que fosse um segurar a mão mais longamente (sem ser em joguinho pré-adolescente dele), uma bitoquinha, uma troca de olhares calientes, nada, nem no serviço nem nas confraternizações. Desembargador discorda, diz que apesar de ele ser acabado e desagradável, deve conseguir, sim. Meirelles não acredita, e se arrola o local de fala de mulher sensata. Nisso eu que preciso discordar dela: pois se ela é, sim, sensata, isso não vale para todo mundo - a começar pela esposa do doutor Sabujinho. Sem argumentos, ela resmunga concordância e admito ter ganhado o dia aí, porque consegui ser mais rápido que a Papa Léguas do raciocínio, logo eu, que sou sempre o último a entender as piadas, quando entendo. Todos democratas no grupo, recorremos aos princípios da pólis ateniense, e para não perder tanto tempo discutindo o sexo do anjo, fizemos uma votação, cuja tese vencedora foi a de ele não consegue nada, digo, que ele segue os mandamentos da igreja e é fiel, até que se prove o contrário.

Pior que nem era dele que eu queria falar. É da minha suspeita, despertada com a chegada da colega Líbero e confirmada agora: Rivarola está fazendo seguidores. É Martin, que quase tem um chilique se não falamos “martãn”, com esse ã francês bem assinalado, de onde eu prefiro chamá-lo logo de Martão, e me justifico com minha caipirice de quem fala “croisã” na padaria - e com recheio, ainda por cima! Enfim, Martão chegou pouco depois de mim no setor, não parece personagem decadente d'Os Simpsons, mas o Batatinha com pitadas do Gênio, da turma do Manda Chuva, da Hanna Barbera, só que insosso e muito bobo (por falar e Hanna-Barbera, sim, eu sei que se eu puser um chapéu e um suspensório verde eu pareço o Zé Buscapé). Quer dizer, eu achava ele muito bobo até isso - agora já está em outro patamar.

Pois na apresentação de Lima, ainda no grupo de whats, um dos colegas foi traído pelo corretor e soltou um “seis bem vinda, Lima” (a vírgula do vocativo fui eu quem pus). Demos todos as boas vindas virtuais, ainda que minha vontade fosse dizer “pêsames, você veja que merda o capitalismo faz com a gente: você vai ter que trabalhar aqui, e nem é o pior lugar”. Na segunda-feira, quando chega a infeliz para o trabalho presencial, Rivarola, tendo feito a avaliação da colega e achado que vale a pulada de cerca que ele tanto deseja, não perdeu tempo e para o setor todo ouvir soltou um “Seis bem vinda, Lima! Bem vinda, bem vinda, bem vinda, bem vinda, bem vinda, bem vinda”, com amplo e bôbo gestual - um pateta ridículo. Algumas pessoas deram uma risadinha amarela, uma que outra pessoa achou graça (certeza que é liberal e votou no coiso, ao menos no segundo turno), Lima ficou sem graça, visivelmente acuada, mas sorriu, ia fazer o que?; Carnegie ficou puto, como sempre, mas não sei como conseguiu não falar alto, permitindo que só nós da baia ouvíssemos: 

Esse filho da puta é engenheiro e não sabe nem contar: deu sete bem vindas, porque teve o primeiro. E, por fim, concluiu: sete é o número da mentira.

Achávamos que a cena constrangedora de assédio na frente de todos já tinha acabado, mas eis que entra em ação Martão, e mete os mesmos sete bem vindas de Rivarola.

Martão se perdeu no desenho e achou que o cósplei magro do Barney Gumble é o Manda Chuva.

Com essa minha frase arranquei mais risadas dos colegas próximos que Rivarola da sala toda.

Uma discussão até começou, mas preferimos pensar melhor, com calma, em casa. Para amanhã, se nada mais urgente aparecer, na nossa conversa de pós almoço iremos deliberar se o paspalho-mor do setor é Rivarola, o doutor Sabujinho, pela originalidade, ou Martão, o Batatinha-Gênio, por nem isso ter e imitar uma pessoa desnecessária, que talvez só ele veja como alguém legal.


13 de dezembro de 2023

PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.

sexta-feira, 21 de julho de 2023

Banheiro interditado, 2 - o desvelar de um mistério [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor sem graça.]

Nos anos 90, as pessoas mais antigas vão se lembrar (não que eu tenha como me lembrar disso! Foi uma dessas que me contou, me falha a memória se foi o nobre colega Carnegie ou a nobre colega Meireles), havia uma propaganda de refrigerante em que, num primeiro momento, um líquido verde insinuantemente refrescante era despejado num copo; no momento seguinte a câmera abria o plano e no vasilhame do qual tal líquido saía e lia-se “óleo de fígado de bacalhau”; a seguir a voz em off recitava o slogan: “imagem não é nada, sede é tudo. Respeite sua sede”. Moral da propaganda: podemos ter sede do que for, inclusive de óleo de fígado de bacalhau, e isso merece ser respeitado por todos. Havia também quem interpretasse a mensagem como um alerta de que as imagens enganam, mas não acho que uma propaganda teria interesse em ludibriar alguém.

De qualquer modo, vou utilizar essa segunda interpretação para falar de criança: aparências enganam. Crianças bem comportadas, ou costumam ser pobres crianças reprimidas e infelizes; ou não são tão bem comportadas assim. Falo por experiência própria: sempre fui essa criança exemplo para professores e pais de amigos: artes fazia algumas, claro, mas eram coisas simples e não mereciam nem uma bronca de verdade. As artes mais espoletas, que mereciam ir para direção, tomar bronca, chamar os pais, quando não faziam a coordenação quase ter um chilique, essas eu nunca fiz - apenas era o mentor intelectual para meus coleguinhas com menos tino (e menos ideias).

Uma das grandes estratégias que criei quando criança foi sugerir que dois colegas arranjassem qualquer pretexto para serem levados pela professora para a coordenação, deixando livre até sua volta ou a chegada do bedel para outro colega aprontar alguma, como esvaziar o extintor de pó no corredor (outra ideia minha). Deu muito certo! O problema foi que meu colegas adoraram a estratégia e depois de três vezes ficou evidente o estratagema. Houve outros casos, mas não me lembro agora - nem depois, e se alguém lembrar, não é verdade!

Em meu último texto acerca do ambiente laboral no qual me encontro, comentei do banheiro, o aviso de interditado numa das cabines, ainda antes dos efeitos se fazerem sentir pelas vias olfativas, a estranheza de tal aviso estar escrito em giz de cera, e as marcas na porta da outra cabine - não sabíamos se de um rato (ou outro animal) ou de alguém com prisão de ventre violenta. Terminava as referidas linhas com um serviço de utilidade pública, sugerindo ao dono do intestino com sérios problemas de tráfego que comesse mais fibras. 

Se essa sugestão foi útil, não sei - creio que não -, porém o texto não deixou de ter suas utilidades. Duas, para ser mais específico.

Isso graças à colega Nudd (sim, tenho uma colega a uma letra de ser uma Ludd, e nem isso a sensibilizou a se tornar uma ludista). Ela leu meu texto e o pavor do rato no banheiro se espalhou agora também entre a ala feminina do setor. A tese de Macedo, o nobre colega, das marcas serem de alguém com prisão de ventre, não convenceu - também ninguém se apresentou como sendo o autor daquelas marcas de unhas na porta da cabine. 

Eis a primeira utilidade pública: agora temos todo um setor com medo de se sentar no trono durante o expediente. Provavelmente os chefes, se ficarem sabendo da minha existência e destas mal traçadas linhas, vão me agradecer, pois isso significa menos tempo ocioso. Claro, como bons liberais que são, tem suas limitações cognitivas, e nenhum momento em seus MBA de gestão de pessoas e negócios eles devem ter se questionando se uma pessoa com vontade de ir ao banheiro renderá mais que uma pessoa com suas funções fisiológicas elementares satisfeitas - o importante para eles é que seus subordinados fiquem o maior tempo possível na posição de trabalho, mesmo que não estejam trabalhando (para um liberal, imagem é tudo; e sede dos outros, ou qualquer outra necessidade que não lhe renda lucro, não é nada).

A segunda utilidade pública foi saber que nosso estranhamento com o cartaz não era sem motivo - a começar pelo fato de que a cabine não parecia estar com problemas naqueles dias. Estamos em julho, ou seja, férias escolares. Consequência lógica: volta e meia algum colega traz seu pimpolho para passar oito horas aqui, por falta de para onde despachá-los e não terem ainda idade para ficarem sozinhos em casa. A colega Nudd foi uma que trouxe a filha algumas vezes - uma garota de uns dez anos, muito bem comportada, ainda que faladeira, se lhe derem atenção. Pois ao se deparar com a foto que ilustrava o texto anterior, com o aviso de banheiro interditado escrito em giz de cera azul, de pronto a colega Nudd reconheceu a letra da filha - ou seja, não havia interdição alguma na cabine. 

Sim, uma criança bem comportada - como eu era.


21 de julho de 2023

PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.

quinta-feira, 6 de julho de 2023

Banheiro interditado [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor sem graça.]

Começo com uma nota prévia e peço desculpas, mas nem tudo no mundo são perfumes, desodorante Brut e Leite de Rosas no mundo laboral.
No setor onde trabalho, o banheiro masculino, sem saída de ar externa - mas com uma ventoinha que liga junto com a luz, e não sei se tem outra função -, é composto oficialmente de duas cabines e duas pias. Digo oficialmente porque há sempre algum problema a assombrar o referido espaço no ambiente de trabalho.
Um dos problemas, já assumido como tradição da casa, é com uma das torneiras. Ninguém a usa - salvo quando a outra está pifada -, porque não se lava só as mãos nela, mas boa parte da calça e da camisa e, a depender da altura da pessoa, dá pra lavar o peito também, tamanha a força com que a água sai. Praticamente um trote aos novatos - ou a eventuais visitas ao setor que decidem ir ao banheiro.
O outro problema se dá sempre com a mesma cabine - justo a mais ampla e convidativa. Por muito tempo sua descarga quebrava reiteradamente. E lá íamos nós, dois dias sofrendo com os odores da retrete - talvez sofrendo até mais que o pessoal da faxina, porque esses, como não era com eles, não tinham o que fazer, e podiam se dedicar aos outros banheiros do local (por sinal, isto não é uma queixa ao trabalho da faxina, nem nessa nem em outra situação, no máximo critico a terceirizada, assim como quem contrata essa terceirizada, pelos salários vergonhosos pagos e pelo papel que nos disponibiliza - isso quando não fica duas semanas sem repôr a contento). Esse problema foi dado por resolvido quando nobre colega Carmen, que tem experiência com obras, arrancou a caixa de descarga e passamos a apertar direto no parafuso da instalação. Resolveu um problema, mas trouxe outro, menor: a maioria dos usuários do banheiro masculino, sem sensibilidade para apertar algo pontual como um parafuso, soca o dedo até onde pode, transformando a cabine numa grande poça d'água (limpa! O que suja, às vezes é a terra do sapato).

O problema atual, nessa mesma cabine, não sei bem qual é. De qualquer modo, agiram rápido e antes que acumulasse odores, puseram um aviso de banheiro interditado, escrito com giz de cera azul. Houve alguma discussão sobre esse detalhe lúdico do cartaz (ainda que no setor de Fernández, funcionário do topo, ele tenha tido que pintar mapas com lápis de cor, para economizar a tinta colorida da impressora), mas todos respeitaram. Ao cabo das conversas, sempre uma certa indignação: custava imprimir uma folha com um sinal de caveira, o aviso de interditado e em caso uso, risco de arma química? Instrutivo, direto, sem chances de achar que era piada.
Entretanto, o problema maior não foi esse, mas o detalhe reparado pelo nobre colega Goreti na cabine ao lado: marcas de garras na parede. Isso gerou novo debate, e desta feita mais acalorado - e mesmo com certa apreensão. Contando que estamos no décimo andar, não há janelas no banheiro e as marcas são próximas ao chão, excluímos a possibilidade de uma pomba gigante, do tamanho de uma curucaca. As curucacas, por não existirem em São Paulo, também foram excluídas - e junto excluímos aves grandes em geral. Gato foi outra opção levantada, mas como o bicho não foi até o alto da cabine - sem falar que ninguém nunca viu um gato dentro de todo o prédio -, descartamos a possibilidade. 
Todos com medo de assumir, mas a opção mais razoável que nos pareceu foi a de um rato, que teria subido pelo encanamento - talvez atraído pelo cheiro da outra cabine em um de seus outros problemas? - e tentado escalar a cabine. Pareceu bastante razoável e para evitar uma histeria coletiva, optamos por não comentar com as mulheres do setor - cuja anatomia não permite o uso da retrete em pé. Nobre colega Desembargador, entusiasta do Capirotinho, que adorava contar que recebia pra fazer cagadas, tem evitado essa pequena vingança contra a espoliação da mais-valia que sofre - e desconfio que tenha medo de ratos, porque tem escovado os dentes (fora do horário de almoço, claro, que como o nome diz, é para almoçar e não para fazer higiene bucal, como bem ensina o Capirotinho) com uma velocidade impressionante.
Estamos nessa situação há dois dias, e hoje o nobre colega Macedo trouxe a hipótese de alguém com "dificuldade de ir aos pés" ter feito aquelas marcas. Não sofro desse tipo de constipação, mas me pareceu meio exagerado alguém espernear e se debater com tamanha veemência na cabine apenas por certo congestionamento em seu tráfego intestinal. Desembargador, por seu turno, achou mais plausível que a história do rato. Daí, então, a necessidade desta crônica de utilidade privada: colega com prisão de ventre: coma mais fibras!

06 de julho de 2023


PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa. 

sexta-feira, 12 de maio de 2023

Doutor Sabujinho, o tiozão galanteador [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça]

Os ventos não andam favoráveis ao doutor Sabujinho. Esqueci de comentar em meu texto sobre o fatídico colega Rivarola que ele também é um espécime da família tradicional brasileira (ainda que tenha dito não ter votado no Abominável na última eleição, mas tenho dúvidas, uma vez que defendia entusiasticamente o Cara de Cratera para governador). Uma das suas famas mais famigeradas no setor (e já se espalhando alhures) é que se trata de um galanteador inveterado, que adora posar de cavalheiro da high society - mas no máximo lembra um personagem genérico d’Os Simpsons, alguns dos bêbados que fazem figuração no bar do Moe (falta só ser amarelo). 

Quando Goleador chegou ao setor, antes mesmo de ela ser apresentada a todos, doutor Sabujinho já se dispôs a ensiná-la o trabalho - ela teve a infelicidade de ter uma baia livre bem defronte à dele. E assim foi, por duas semanas: ele sentado juntinho a ela, praticamente no colo dela - ou no decote, dizem as más línguas. Colega Carnegie, que senta próximo, conta ter ouvido certa hora doutor Sabujinho dizer a ela que eles tinham tudo para formar uma dupla de sucesso na empresa, tipo Bebeto e Romário na seleção - num trocadilho óbvio (e infame) com o sobrenome da colega; e ele deve se achar o Romário, claro. 

Sorte dele o chefe não ter reparado direito: duas semanas para ensinar o trabalho é de uma ineficiência digna de uma conversa muito séria. Ainda mais porque Goleador tinha alguma experiência prévia - apesar de seu grande mérito é saber parecer uma digital influencer, mesmo que sua conta no Instagram tenha menos seguidores que a do Pato Rei. Experiência prévia que fez com que na terceira semana ela já notasse que tinha coisas a corrigir naquilo que Sabujinho lhe ensinara - e fazia. Claro que ela não comentou com o próprio, afinal, ele não apenas foi muito solícito com ela, como se mostra alguém querido por muitos colegas (não por mim, gostaria de reforçar, e também saliento que acho que é falsa essa amizade dos demais) e, principalmente, pelo chefe.

Pela proatividade de quando chegou, até suspeitamos que Goleador fosse disputar o posto de puxa-saco-mor, mas até agora não foi o caso - até agora! O que foi notável é que tão logo outra baia ficou disponível, Goleador foi ocupá-la. Segue perto do doutor Sabujinho, mas não tanto - e, mais importante, de costas para ele.

Doutor Sabujinho, ainda que não tenha desistido, sentiu os cortes da nova funcionária, e decidiu retomar seus galanteios para com Beviláqua, a secretária (que suspeitamos ser bisneta do jurista Clóvis, por conta do sobrenome), uma moça na flor da idade, bonita e reservada. A pobre colega foi o primeiro alvo do fatídico colega, tão logo ele foi contratado - e por onde já começou toda sua fama, até porque em sua primeira apresentação ele salientou que quem sustentou a casa na pandemia foi a esposa, que certamente ganha mais do que ele até hoje.

Esta semana tivemos a saída de uma colega, que vai para um emprego melhor. Podia ter resolvido isso com um e-mail, todos ficariam mais felizes com uma partida assim, mas ela fez questão de um almoço de despedida. Discutíamos onde poderíamos ir quando o chefe propôs um restaurante tradicional (e um pouco caro) aqui perto - onde, dizem, o PSDB foi fundado e por isso se dizia um partido com um pé no popular. Animamos: pelo tom, quem iria pagar a conta era o chefe. Pois foi depois de fazermos os pedidos que soubemos que não era o caso: ele avisou com solenidade que o bolo seria por conta dele. Era possível ler na cara de muitos colegas: “O bolo?! E essa facada que vou levar por um prato que nem faço muita questão?”. Ficou aquele climão na mesa, talvez ele tenha até sentido - ou não, mais provável. A certa altura, ele foi ao banheiro e algumas pessoas conversaram rapidamente sobre a conta. Sabujinho foi até Beviláqua e disse que pagava a conta dela - afinal, o salário dela é menor que o dele, ainda que a herança que presumimos deva ser bem maior. Ela simpaticamente (mais do que deveria) disse que não precisava.

Pois na hora em que a conta chegou e foi cada um pagar a sua, chegou a vez de Beviláqua e o garçom avisou que a parte dela - uma água mineral e um filé de frango grelhado com uma salada frugal, o mais fitnesse um dos mais baratos do cardápio - já havia sido paga pelo “senhor na ponta da mesa”. Ela olhou para Rivarola que fez um sinal como quem diz “relaxa, eu paguei e está tudo bem, não vai me fazer falta”. Por ser uma pessoa bastante discreta (eufemismo para tímida), não é possível afirmar que Beviláqua ficou puta, mas o “Eu disse para ele que não era para pagar minha conta” me dita entre os dentes fez com que eu desconfiasse que ela estivesse consideravelmente emputecida com mais essa cantada do “senhor na ponta da mesa”.

Após esse episódio, começou a circular certa piada maldosa pelos corredores com relação ao doutor Sabujinho. Não se sabe quem começou, mas o que se tem dito é que o fatídico colega Rivarola é um tiozão da Sukita que se acha o tio da lancha. Particularmente, eu achei essa descrição injusta com o tio da Suquita.


12 de maio de 2023

PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.

quinta-feira, 4 de maio de 2023

Fernández e a estagiária [por Sérgio S., ex-Trezenhum Humor Sem Graça]

Nossa pequena fábula de hoje se passa uns andares acima, no setor de Fernández, funcionário do topo. Apesar de ser algo que os chefes não vêem com bons olhos, fomos hoje almoçar em um grupo diverso e sem nenhum doutor Sabujinho. Inclusive fomos a um lugar que não aqueles três que sempre costumo ir, conforme dito em crônica anterior. Do mesmo setor de Fernández estava Calzonelli - um manancial de boas histórias (menos para ela) que espero um dia conseguir trazer para estas mal traçadas linhas.

Desta vez a historieta é singela, sobre uma estagiária que chegou há um mês ao setor deles.

Primeira surpresa foi ter uma estagiária. Nosso setor há tempos não sabe o que é isso: há muito só entra gente parruda, já feita, formada, pós-graduada, mestrada (inclusive em D&D, que mais parece nome de loja de construção, mas isso foge ao nosso escopo), nada de estagiário, de pessoas que teríamos que ensinar algo e a quem atribuir todo tipo de tarefa, de buscar cafezinho a pintar mapas com lápis de cor para economizar impressora (como ocorreu no setor do Fernández, por sinal).

Lembro do meu tempo de estagiário, eu ainda na graduação. Naquela época havia um quê de quixotesco em fazer estágio: o estudante de triste figura, magricelo e cheio de espinhas na cara, mil planos e muitos anos de frustrações pela frente, crente que naquele estágio teria o primeiro grande insight da sua vida, e esse insight o transformaria numa sumidade em algum assunto qualquer que o transformaria no expoente da geração e mudaria a humanidade. Como alguém bem inserido em meu tempo (e classe), originalidade nunca foi algo que me acometeu. E o pior: como boa parte de meus colegas da faculdade, esse foi justamente o período mais fértil que tivemos, e não deixou de ser meio certo esses anseios do momento: foi justamente nessa fase que me veio o grande insight que tive na vida, onde condensei toda minha capacidade de observação com poder de síntese para soltar uma frase lapidar - até mesmo admirável pela pouca idade que eu tinha. Sim, o grande momento da minha vida intelectual e laboral se deu no estágio (se se excluir questões de título e monetárias), e isso não me fez ir além de uma nulidade, incapaz de alterar sequer minha vida, que dirá a humanidade (não foi uma observação útil para a empresa, então não era para ter mudado ela de qualquer modo). Ainda hoje sempre relembro em almoços de domingo ou encontros com amigos que estejam sem assunto dessa minha grande ideia, até para ter uma certa admiração tardia - é comum elogiarem minha espirituosidade com tão pouca idade para elaborar uma frase dessas (ok, não era tão pouca, ainda mais se comparado ao Mozart, por exemplo), assim como o momento seguinte vem aquela expressão de pena, quando notam que já faz vinte anos que tive meu grande momento, e ele não vale mais que uma citação rápida numa mesa de bar ou de almoço de família.

Já hoje, o estagiário já chega com crossfit em dia, a skincare feita, dentes de porcelanato e botox preventivo, é muito mais focado no que (dizem) de fato importa, dá toda a impressão de que bebe ritalina desde a época da mamadeira: não perde tempo com besteiras como grandes ideias, está ali para crescer na carreira, contribuir com a empresa e ganhar dinheiro (quando sair dessa condição de estagiário, claro), comprar um carro da moda, um celular bom, se o dinheiro não der para um carro, um relógio ok, se o salário também não der para um celular, ao menos umas férias em algum pacote barato no exterior pago em 22 prestações. Enfim, para esta geração estágio é o primeiro passo para ficar rico no futuro, não é para mudar o mundo - ainda que o estagiário siga basicamente com a nobre função de atender ao telefone, buscar um café na máquina ou um pão de queijo na cantina para os não estagiários.

Voltemos ao caso da estagiária do setor do topo. Mal nos sentamos à mesa e Calzonelli, com sua exuberância para contar causos com cores vivas, tratou de entregar Fernández: disse que a estagiária estava a fim dele, se pavoneava todo dia para seu lado, sem pudores, e todo o setor já comentava sobre isso. Fernández ficou constrangido em ser entregue assim. Respondeu sem graça que ela só era simpática, não havia segundas intenções. Calzonelli insistiu: ela era só atenção e sorrisos e bons dias para ele - ele, que era só mais um qualquer no meio da hierarquia, sem qualquer cargo de chefia (no máximo um salário mais alto que o da Calzonelli, afinal, ele é homem e isso basta, segundo vários deputados) -, para todos os demais ela vivia de cara fechada, malemal cumprimentava. Nós, claro, animávamos com a história proto-picante e, diante da torcida a favor do affair, Calzonelli já organizava um plano para Fernández tentar algo com a estagiária no mesmo dia.

Foi quando o nobre colega do topo foi um pouco mais enfático na sua defesa de que não havia nada demais entre ele e a moça: “Eu acho que você exagera na minha relação com a Ruth”. Calzonelli o mirou com a expressão fechada, como se não entendesse algo: “Que Ruth?” “Ora, a estagiária”. “A estagiária chama Ruth desde quando?” “Desde quando entrou, oras!” “O nome dela não é Rita?” “Não.” “Mas todo mundo chama ela de Rita, desde quando ela entrou!” “Eu notei, estranhei, mas no crachá dela está Ruth, e eu chamo ela de Ruth”.

Nosso ânimo arrefeceu e tivemos que dar razão ao nobre colega Fernández, de que a simpatia de Ruth não deveria ter nada a ver com segundas intenções, só com o fato de ele ser o único a chamá-la pelo nome, mesmo.

04 de maio de 2023

PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

Efeito borboleta de um e-mail corporativo enviado equivocadamente [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor sem graça.]

A história começa de um modo simples e despretensioso: um funcionário mandou e-mail em que perguntava se havia vaga em outro setor. Tudo certo, não fosse um erro: ao invés de mandar para a pessoa responsável, o e-mail foi para todos os funcionários. Isso também não é novidade: ao menos uma vez por mês recebemos um e-mail que era para alguém bem específico - infelizmente, até hoje nunca chegou algo picante, digno de embalar o horário do café. Também não é novidade vários colegas responderem reclamando do equívoco, que isso está enchendo a caixa de e-mails deles (como se tivessem 10mb de espaço), pedindo pra sair da lista (o que só é possível mediante pedir as contas), criticando quem não sabe usar e-mail.

Desconheço o colega que queria transferência de setor, mas a novidade foram as respostas que surgiram e os seus desdobramentos. Primeira novidade: o setor respondeu de pronto, mas para todo mundo também, solicitando o currículo. A seguir, vieram os clássicos de estarem enchendo a caixa de e-mails (e são esses os que mais enchem as caixas de e-mail), de  querer sair da lista de todos os funcionários e xingamentos a quem não sabe usar e-mail em pleno 2023.

No meio do caminho, nova novidade: alguém foi mais específico, e naquele tom de educadamente puto, respondeu “Por gentileza, encaminhar o e-mail somente ao interessado”. Pessoal gostou e resolveu repetir a frase, enchendo ainda mais a caixa dele e de seus colegas que se incomodam com mensagens do tipo. Virou praticamente uma hashtag nos e-mails institucionais - inclusive foi nessa hora que o nobre colega Macedo me avisou dessa treta interna. Talvez o colega que queria transferência tenha feito isso - eu, ao menos, não recebi seu currículo -, mas a discussão ganhou corpo e outros colegas aproveitaram o ensejo para mandar o currículo de conhecidos - e eu acho que fizeram para provocar os que só reclamam. Mais que isso: alguém puto com os emputecidos que enchem a caixa de e-mails alheios reclamando que estão enchendo suas caixas de e-mail mandou um e-mail para todos criticando quem critica quem comete esse tipo de equívoco e gerando nova contenda, em outra discussão por e-mail, que enche a caixa de e-mail de todos.

Voltando à discussão inicial. O funcionário do setor de compras, pelo visto uma pessoa bastante estressada e desgradável, que já tinha mandado dois e-mails reclamando que estavam enchendo a caixa de e-mails dele, apareceu mais uma vez, agora dizendo que aquele era um e-mail corporativo e não pessoal, e se fosse por esse caminho, logo estariam anunciando venda de veículos - o que nunca tinha acontecido até então, apesar de todo mês ter e-mail desse tipo, com respostas reclamando e blábláblá, como eu já disse acima. 

Contudo, a ideia do colega do setor de compras parece que encontrou eco. Se não chegou ao ponto de anunciar carros, o povo começou a anunciar de brigadeiro gurmê a casa na praia para o carnaval. Virou praticamente uma feira do rolo virtual interna, para desespero dos mal humorados, que seguiram se queixando, agora em meio a ofertas de produtos variados. 

De minha parte, minha queixa até agora é não ter aparecido nada que me apetecesse, mas avisei o nobre colega Goreti, que revende óleos essenciais e produtos de babosa.


16 de fevereiro de 2023

PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.