sábado, 29 de dezembro de 2001

Um dia seremos americanos

Nossa americaquisse não tem mesmo limites. Fosse "apenas" as contribuições vocabulares da nossa metrópole não seria tão ruim – contribuições, vale ressaltar, de vital importância, afinal, quando é que poderíamos dar um break no que estávamos fazendo e ligar para o delivery do fast-food do shopping, onde está tudo 30% off? Pior que as palavras são os costumes americanos que, pouco a pouco, vão se enraizando no nosso país. Lembrei-me de escrever sobre isso quando, já por estas bandas, passei por uma loja da maior rede de farmácias do Paraná. Mas comento este exemplo depois.
Entre um desenho pela manhã, um filme na sessão da tarde, um seriado no início da noite, outro enlatado no final e um documentário no início da madrugada, mais que nossos hábitos e gostos, nossa forma de ver o mundo vai sendo modulada.
Um sinal disso, ao meu ver, é o crescimento das seitas neopentecostais, com sua moral individualista, extremamente regrada – puritanismo extremo, assim digamos – com cultos-espetáculos. É a síntese do que assistimos na TV: aqueles que são bons, que seguem as regras saem vitoriosos no final (o que se dão bem sem as seguir é porque estas não prestam na guerra do Bem contra o Mal); o mocinho que sozinho, armado com um bodoque e duas pedrinhas, com fratura exposta nas duas pernas e em um braço, todo quebrado (mas nem por isso com o penteado desmanchado) consegue vencer 300 chineses da máfia, todos mestres nas artes marciais, armados com armas super-modernas, graças a um milagre. Tudo isso, é claro, regado com bastante movimento, barulho, gritos, efeitos especiais.
A igreja neopentecostal (Univer$al e afins) dá à religião tudo o que um bom (leia-se passivo) telespectador gosta.
Não que todo fanático por filmes roliudianos e TV desemboque em igrejas desse tipo. Essas costumam se destinar ao povão. Para as classes mais abastadas, com um pouco mais de escolaridade, existe o doutor Lair Ribeiro e tantos outros autores de livros de auto-ajuda (alguém já viu algum livro desse naipe em que se ensinasse "como fazer melhoras no seu bairro em sistema de mutirão"?). Há também aqueles que não se deixam levar pelo que assistem.
E qual o problema de se levar uma vida regrada? Claro que uma vida assim tem suas vantagens, mas ela caba por matar nossa capacidade de improvisação – o famoso jeitinho brasileiro – que bom ou ruim é uma característica do nosso país (isto me faz lembrar de um chacota que o professor de geopolítica do COC fazia, ao comentar que, na Alemanha de 1930, um dólar valia um trilhão de marcos. Os alemães não tinham – segundo ele – a esperteza de um certo país latino-americano que toda vez que a sua moeda ficava com zero demais, lançava-se uma nova, sem eles, e assim nunca se chegou a esses valores exorbitantes), cria uma geração de super-reprimidos, que desdenham a sensualidade, a insinuação, o "requebrar da morena", pela pornografia descarada, castradora, o "entra e sai" (vide o grande número de títulos do gênero que há nas locadoras; ou mesmo a mudança na Playboy, a partir da da Vera Fischer).
Agora, ao exemplo da farmácia. Essa rede se chamava "Farmácia Minerva", mas mudou de nome há questão de alguns anos. O seu dono (fdp de primeira grandeza), não satisfeito em substituir o "farmácia" por "drugstore", trocou o nome da deusa greco-romana por um palavra da novalíngua, como previra o genial George Orwell, em "1984": "Drogamed".
Eu poderia acrescentar e aprofundar outras americaquisses nossa, como o "peito-melancia" posto no lugar do seio; o hot-dog (pão com vina) substituindo o cachorro-quente (que tem todo aquele molho); o cantor caipira transformado em sertanejo-country-pop; o vaqueiro e o peão em cowboy, e por aí vai.
Ainda não sei porque insisto nestes assuntos. Quem manda é quem tem dinheiro. Nos dias atuais, os EUA. Quem sabe no dia em que eu me conformar com o fracasso do Policarpo Quaresma (faz mais de três anos que li o livro e ainda não me conformo), eu aceite nosso invariável destino, como Wiston Smith acabou por aceitar o seu, em "1984". Até lá...
PS: Para quem também ainda não aceita que o destino está traçado, entre 31 de janeiro e 06 de fevereiro, tem Fórum Social Mundial, em Porto Alegre. Informações em http://www.forumsocialmundial.org.br

Pato Branco, 29 de dezembro de 2001

quinta-feira, 27 de dezembro de 2001

A fantástica e emocionante história de uma caixa de bombons

(com o subtítulo: "Bah, o título conseguiu ser mais infame que a crônica, que já tinha sido pior que a ‘história’")

Diziam, quando eu ainda morava em Pato Branco, que havia uma certa marca de chocolate que era coisa do outro mundo. Não acreditava, mas também não duvidava. Quando passei na U$P, passei a acreditar. A loja especializada não tinha sido suficiente para me convencer, afinal, chocolate com loja especializada eu só tinha visto as de chocolate Garoto, em Buenos Aires – e chocolate Garoto é bom, mas nada ó!. Agora, as duas míseras balas de leite que ganhei na matrícula eram realmente fora de série.
Passeando pelo shopping, via nas vitrinas aquelas apetitosas barras, aqueles provocantes bombons e aqueles preços que não chegam a assuntar um estadunidense de classe rica. Bem, como sou brasileiro de classe média, e não americano rico, aqueles chocolates eram muito salgados para o meu go$to.
Mas eis que surge a oportunidade de comer não um, dois ou três daqueles bombons, mas um caixa inteira! Isso porque renovei a assinatura do jornal (por nada, não, mas eu preferiria um desconto a uma caixa de chocolates, mas vá lá). Para maior suspense, primeiro eu recebi uma carta avisando que eu receberia outra carta, e esta me daria direito à delicio$a caixa de bombons, da marca que faz qualquer chocólatra largar o vício ao ver seus preços.
Como num filme (a crônica é minha, eu faço o drama que eu quero) a aguardada segunda carta não chegava. Dias de tensão. Será que não vou ganhar a caixa de bombons? Com um mês de atraso, ela finalmente chega. Coincidentemente, próximo ao meu aniversário. Vou até a famigerada loja do shopping, entrego a bendita carta e... está em falta, só daqui quinze dias. Tudo bem. Quinze dias depois eu retirei meu "presente".
Aí foi chegar em casa, abrir e me esbaldar? Nada disso. Como bom cristão, fiquei de levar para casa (de Pato Branco) – ainda mais porque é de lá que sai o dinheiro da assinatura do jornal que me presenteou com essa caixa de chocolate – e dividir com mamãe, papai e maninho.
Seriam dois meses de espera – espera, não, tortura – até eu voltar para casa e abrir a maldita caixa. Para esperar todo esse tempo sem derreter, cuidadosamente guardei aquela afrescalhada caixa na geladeira. Mas eis que certo dia fui impedido de abrir o congelador para me servir de uma daquelas maravilhosas lasanhas prontas – cujo gosto, não importa o sabor, é sempre o mesmo – por uma considerável camada de gelo. O que fazer em situações alarmantes como essa? Além de apelar para o velho e intragável miojo, degelar a geladeira. Foi o que eu fiz. No outro dia, ao abrir a geladeira, o susto: tinha vazado a água do congelador geladeira abaixo. O bolo que eu tinha no primeiro andar trocara o sabor de chocolate para água de geladeira (que não é dos melhores, diga-se de passagem). E no último andar minha caixa de bombons Kopenhagen. Encharcada. Por alguns instantes pensei que meus bombons de rico também tinham ficado com gosto de água de geladeira. Felizmente, somente a caixa tinha molhado, os bombons estavam secos. Guardei-os novamente na geladeira, em uma outra caixa (de acrílico, para garantir), e esperei os dias que restavam para eu retornar ao meu QG (quarto de garoto, ou guri, dependendo da região).
Ao chegar em Pato Branco, nem dúvida, destroçar a caixa afrescalhada, que eu havia remendado com durex, e dá-lhe aqueles bombons convidativos. Que decepção. Não que sejam ruins, mas os Garoto são melhores e custam bem menos; nada de R$40,00; R$50,00; R$60,00 o quilo, até, como eu vi na loja.
Se eu não tivesse comido tudo, eu até levaria uns para vocês comprovarem que não é mesmo lá aquelas coisas.

Pato Branco, 27 de dezembro de 2001

domingo, 23 de dezembro de 2001

Mensagem de Natal

Se você, ao ler o título desta crônica imaginou que eu aqui diria seja bonzinho(a) nesse dia, perdoe seus inimigos, que o mundo seja só paz dia 25, não perca as esperanças, o Papai-Noel vai entrar pela chaminé da sua casa e te dar aquele presentão que você pediu na cartinha que você mandou para a Lapônia.

Por outro lado, se você ao ler o título da crônica e por quem ela foi escrita, pensou que ela diria que tudo é um lixo, o natal é uma merda, não presta para nada; sem querer ser pessimista, mas como você é uma pessoa amarga.

Agora, se você, ao ler o título da crônica não pensou em nada... sinto dizer, mas que falta de opinião própria.

Feita as considerações iniciais, à "Mensagem de Natal" propriamente dita.

Não sejamos hipócritas em achar que em um dia mudaremos nossa forma de ver o mundo, perdoaremos nossos inimigos, largaremos tudo para ajudar ao próximo, como fez São Francisco, simplesmente por influência do "espírito natalino". Mesmo que conseguíssemos tal façanha, de que adiantaria, já que seria só por um dia?

Já que falei em espírito natalino, me pergunto o que seria isso, nos dias de hoje. Como lembrou Cony, dias desses, na Folha de São Paulo, o presépio, que seria a representação do que realmente se comemora no Natal está se tornando cada vez mais rara. No seu lugar temos aquele simpático velho barrigudo da Coca-Cola a quem chamamos Papai-Noel.

Por falar em Papai-Noel, vale repetir a piada que o Simão faz toda véspera de Natal: o que pensar de alguém que nos EUA é chamado de Santa, veste roupa vermelha, toda cheia de pompons, bota Carla Peres, só sai dia 24, atrás de um bando de veados, e dá pra todo mundo?

Feito o parênteses, de volta à crônica. O espírito natalino hoje se resume a uma palavra: compre. Uma pena, a idéia mais ou menos original (afinal, eu já entrei nesse mundo andando, com todas suas modificações desde quando a Festa do Sol passou a ser Natal) de perdoar ao próximo, de tentar superar as desavenças, de lembrar dos amigos é muito boa. Mas como eu disse, uma vez por ano é pouco.

O espírito de natal deveria estar presente o ano inteiro, e não apenas entre o dia 24 e 26 de dezembro. Falo do espírito tradicional e não do atual, que esse é lembrado todos os dias, todas as horas.

Bem, mas apesar de tudo, Boas Festas para todos. Feliz Natal e Feliz Ano Novo. Vamos nos esforçar todos os dias para que 2002 seja melhor que 2001, para nós, para aqueles que nos cercam e para aqueles que nem conhecemos.

Pato Branco, 23 de dezembro de 2001

sábado, 22 de dezembro de 2001

Saudades do Bandejão

Uma das coisas que tenho sentido saudades da U$P é o Bandejão. Não, não estou brincando. É sério. Eu sei que, para a maioria, comer no Bandex era um ato impossível, uma tarefa insalubre. Mas havia aqueles que apesar de uma certa resistência, principalmente nas semanas em que se desejava boa sorte e não bom almoço, acabavam por se entregar aos prazeres gastronômicos do difamado refeitório. E tinha eu – e provavelmente mais dois ou três malucos – que chegava a ir para a U$P só para almoçar no Bandex.
Claro que eu levei um certo tempo até me acostumar com os cachorros passeando pelo refeitório, batendo seus rabos contra as mesas, jogando suas pulgas e sabe-se lá o que mais nas nossas bandejas, mas no final do ano eu já estava totalmente integrado ao ambiente.
Tinha também o chá, que quando não estava com gosto ruim, melado ou sem gosto era bom (não era todo dia que era assim, pelo contrário). Pena que ele foi substituído pelo suco, na última semana. Ainda é difícil imaginar o Bandex sem o chá.
Da comida eu não costumava reclamar (também, depois de comer as gororobas que eu fiz é difícil encontrar comida ruim, apesar que às vezes o "Restaurante Central" conseguia). Sem contar os nomes daquilo que comíamos, um mais chique que o outro, coisa de restaurante de hotel cinco estrelas, como sempre comentava o Vannucci. Por mais que fosse um prato comum, você nunca leu no cardápio "lombo na banha do lombo"; era sempre lombo ao molho seiláoque.
Tudo bem que algumas coisas até hoje me dão pesadelos: a carne moída, o hambúrguer e o espaguete servido com espátula. É certo que não se pode exigir a perfeição por R$ 1,90 (R$ 2,00, quando o tio do caixa gatunava o troco).
Depois de um ano comendo no Bandejão é-me estranho ter que me servir, comer em prato, em mesa com toalha (limpa, ainda por cima!), num local iluminado, sem cachorros circulando ou desfile das gurias da enfermagem ou da bio.
Eu vejo na balança a falta que o Bandex me faz: quatro quilos em três semanas.
Caso eu não passe no vestibular este ano e me veja obrigado a enrolar (porque dizer fazer não é muito condizente com a realidade) mais um ano na psico, vou ter que fazer uma camiseta escrita "Eu ‘coraçãozinho’ Bandejão". Alguém aí me acompanha?

Pato Branco, 22 de dezembro de 2001

Crônica das seis

Insônia é mesmo um problema. São cinco e meia e eu ainda desperto. E olha que faz tempo que me deitei. Era três horas quando voltei de uma breve andança pelos agitos da cidade, em busca do meu irmão, e antes das quatro badaladas do relógio eu já me punha à postos, à espera de Morfeu.

Não sei se não tinha teto, ou o endereço foi extraviado, mas os minutos foram se passando, formavam já uma hora; novos minutos a eles se juntavam, e nada do dito cujo aparecer.

Tivesse, no meu quarto, um daqueles relógios de ponteiros, antigo, com duas sinetas em cima, que faz um tique-taque infernal, diria que era culpa dele. Como não tenho, não há como culpá-lo. De fora, também, nenhum barulho.

O que estaria causando minha insônia? As preocupações são as mesmas de ontem, as alegrias, as frustrações, também; e ontem eu dormi sem mais demoras.

Quem sabe um livro não ajude o sono a vir. O que tenho à mão empolga: "Inculta e Bela 2", "História Concisa do Brasil", apostila do COC, "Meu Piano é Divertido" e "Olho Mágico".

Deve ser fome, afinal, escrever uma crônica sobre o Bandejão deve ser por causa da fome. Mas eu comi antes de deitar. E olha que nem foi ovo com salame, como minha refeição da madrugada de Quarta.

O que será que faz com que essa minoria insurreta que há dentro de mim não me permita dormir, apesar do corpo doído e da cabeça cansada?

Acho que sei! Estava esquecendo de pôr um ponto final neste dia 22. Bons sonhos.

Pato Branco, 22 de dezembro de 2001

sexta-feira, 21 de dezembro de 2001

A Crise na Argentina e o E no Provão

Ao ver as imagens do que está ocorrendo na Argentina, o primeiro pensamento que tive – não muito original, creio eu – foi "que bom que no Brasil não acontece revoltas como essa". Ao refletir um pouco mais, me questiono: que bom?
Segundo Clóvis Rossi, colunista da Folha de São Paulo, nem depois de 30 anos de decadência os níveis sociais argentinos batem os brasileiros. Somos 30 milhões de miseráveis e achamos isso normal. Vemos a cada dia o desemprego aumentar, os salários baixarem a violência explodir e qual nossa resposta? Segundo as últimas pesquisas, a vitória de uma candidata situacionista.
Reformulo, então, meu pensamento inicial: "que bom se no Brasil não houvesse motivos para uma revolta tal como na Argentina". Infelizmente há. E cadê as pessoas nas ruas, protestando? Essa letargia é (numa grotesca generalização) própria do brasileiro. Até mesmo os paraguaios, que são, para nós, índios que vendem bugigangas falsificadas, ou índios que disfarçam a sujeira com maquilagem, para os argentinos, saíram às ruas, na ocasião do assassinato do vice-presidente, ano passado ou retrasado, não sei bem ao certo.
Pode-se argumentar que o brasileiro é um povo pacífico e quando preciso, sai às ruas, tal como fizeram os "caras pintadas". Sobre o pacifismo brasileiro a história não comprova isso e, pelo menos para mim, as estatísticas da guerra urbana das grandes cidades, tampouco. Quanto às manifestações pelo impedimento do Collor, vale lembrar que os jovens só saíram quando a rede Globo, ou seja, a elite, pediu. Não se pode dizer que foi algo popular, apesar da adesão das massas.
Uma possível explicação à nossa apatia poderia ter como base o experimento relatado pelo professor Sebastião (não me perguntem como eu prestei atenção nisso, deve ter sido um lapso entre um cochilo e outro), de que o rato acostumado a levar choques demora para desativá-lo quando lhe é dado a oportunidade. O povo, acostumado a sofrer, acha normal e não anseia grandes mudanças; quem sabe até anseie, mas não crê que seja capaz de alcançá-las ("nenhuma nação existe sem auto-estima. Você quer destruir um povo? Faça com que ele próprio não goste de si mesmo". Bautista Vidal, Poder dos Trópicos).
Uma outra seria a de que a população pobre, desesperada em sobreviver, não tem tempo nem forças para brigar por mudanças – como se percebe nos depoimentos do livro "Memória e Sociedade", de Ecléa Bosi. Se os pobres não se mexem, a elite muito menos, uma vez que não é do seu interesse mudar a sociedade (li certa feita, não sei onde, que o egoísmo surge na abundância. Estou cada vez mais convencido disso). Sobra para a classe média a tarefa de reivindicar um país mais justo. Porém, a classe média também tem seus problemas: antes de mais nada, a famigerada "o que é que vão pensar". Você já parou para contar quantas coisas você deixou de fazer, preocupado com o que é que vão pensar se me virem em tal lugar, em tal situação, com tal pessoa? Há também o comportamento que julgamos natural do ser humano: o egoísmo, o egocentrismo (brilhantemente mostrado na filme "E sua mãe também"). Outro empecilho é que, assim como a elite imagina que pensando como os americanos chegarão ao mundo desenvolvido, nós, classe média, imaginamos que pensando como a elite estaremos a um passo de sermos ricos, logo, vemos qualquer mudança com receio, temos medo de que as coisas piorem, por piores que estejam. Por conta dessa cautela, as coisas não pioram (aparentemente), mas dificilmente melhoram. Costumam estancar no ruim. O resultado é caos social que estamos sempre beirando, quando não vivendo.
A classe média tem tentado, de alguma forma, preencher essa função que lhe é incumbida. Faz isso através, principalmente, do trabalho voluntário. Entretanto, há trabalhos e trabalhos voluntários. Existe aqueles que são mais que um paliativo, são uma pequena revolução, tal como podemos assistir no programa "Caminhos e Parcerias", domingo, 18h na TV Cultura.
Pensando sobre as possibilidades de no Brasil ocorrer levantes populares tal como na Argentina, lembrei-me de uma conversa que tive, no início do ano, não sei com que colega. Conversando sobre boicotar ou não o provão, essa pessoa disse que não concordava com o provão, era a favor do boicote, mas achava que depois de dois boicotes os alunos deveriam fazer a prova, só para não haver sanções. Eis uma boa síntese do pensamento revolucionário brasileiro: tentar mudar, mas sem grandes choques, sem grandes riscos. Na minha opinião, seguir esse esquema ou não boicotar tem os mesmo efeitos. Não estou muito inteirado com o assunto provão, mas acredito que o melhor a fazer é tirar três, quatro, cinco notas E, e convidar o ministro da educação para tentar fechar um dos melhores cursos de psicologia do Brasil. A boa e velha desobediência civil de Gandhi. Temos que aprender a dar tiro no próprio pé para que não nos cortem a cabeça.

Pato Branco, 21 de dezembro de 2001

segunda-feira, 3 de dezembro de 2001

Yes, nós somos brazileiros!

"Pobre do país em que nem os seus intelectuais pensam com a própria cabeça."
eu, na questão 9 da prova de PGE II

Imagine a seguinte cena: você chega para seus amigos e comenta, como quem não quer nada:
- Um professor meu, da faculdade, teve um artigo publicado na edição atual da revista científica "Journal of Psychological Science". Seus amigos farão um "Oh!" em coro uníssono e pedirão mais detalhes. Você, depois de tanta insistência, conta das maravilhas que é estudar numa universidade do padrão das de primeiro mundo, onde os professores publicam artigos, em inglês, inclusive.
Agora imagine a mesma cena, mas com uma pequena diferença: a revista não se chama "Journal of Psychological Science", e sim "Jornal da Ciência Psicológica". Pior, "Jornal Brasileiro da Ciência Psicológica". Brega, não? Isso é para você ver como os professores da "Filô" se preocupam com tudo antes de tomar qualquer atitude.
A folha noticiou há algumas semanas que professores da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto lançarão ano que vem a primeira revista científica brasileira sobre psicologia editada totalmente em inglês. A edição ficará a cargo do professor Joseph Appeared of Bramble (aquele, que por ter fruência em ingrês, fala psicologia crínica).
É inquestionável que o inglês é hoje a língua hegemônica, e que uma revista editada em tal idioma terá muito mais abrangência e repercussão.
Porém, ao meu ver, a U$P, como detentora da fama de melhor universidade, deveria dar o exemplo de produção científica autônoma, não no sentido de independente de influências externa, que isso é muito difícil, além de não ser benéfico, mas no sentido de valorizar um pouco o país que representa, preservando, no caso, o idioma. Um artigo em português (já que falei em português, outra coisa que não está certo, somos 150 milhões de habitantes contra 15 de Portugal, e nós é que temos que falar português, ao invés deles falarem brasileiro?!) pode perder sua repercussão e abrangência, mas de forma alguma perderá sua qualidade. E, até onde eu sei, o principal de uma pesquisa científica é a qualidade. Se fosse o caso, a revista poderia ser editada em inglês e português. Agora, apenas em inglês vai acabar por ter abrangência no mundo, mas alijará de seus artigos seus alunos – sem falar nos contribuintes – que não sabem inglês. Pode-se argumentar que aluno de universidade tem que saber inglês. Tem não, é recomendado que saiba.
Claro, argumentar que a defesa da língua, da qualidade é mais importante que a repercussão da revista e dos artigos muito pouco ou nada vale neste antro de vaidades que é a U$P (agora fui uspiano!). Ninguém quer ficar mal falado ou (pior!) não ser falado.
Resumindo a ópera (que eu estou enrolando, enrolando, mas não dizendo nada): não acho que não se deva escrever em inglês, mas não deveria uma universidade brasileira, pública, ainda por cima, deixar de lado o português; uma revista nos dois idiomas agradaria a gregos e troianos (ou melhor, a gentleman e caipiras). Abandonar o português é o primeiro passo para deixar de lado os problemas especificamente brasileiros. E se uma universidade brasileira não se prestar a isso, quem fará?

Ribeirão Preto, 03 de dezembro de 2001

sábado, 10 de novembro de 2001

Pato Branco: Uma cidade de futuro capenga

A destruição da escola/casa da d. Frida pode ser classificado como um duplo homicídio - não na esfera do direito, mas na esfera da psicologia e da história. Demolir tal edificação é assassinar d. Frida e parte de Pato Branco.

É assassinar dona Frida porque ela, já em idade avançada, vive quase que totalmente do passado. Tirá-la da casa onde viveu boa parte da vida é assinar seu atestado de óbito. O velho, em nossa sociedade, é alguém sem futuro, que preenche o tempo presente revivendo o passado. Alijá-lo de seu passado é matá-lo.

A demolição da casa/escola da d. Frida é assassinar parte de Pato Branco. Não se trata apenas do passado, da historia da cidade, trata-se do assassinato do seu futuro. Sem passado não há futuro. O Brasil, por exemplo, está sempre vislumbrando o futuro. Se parasse de vez em quando e refletisse o passado - seus erros e acertos - talvez hoje seria um país do presente. Ribeirão Preto, SP, descobriu faz pouco a importância do passado, e desde então tem-se feito esforços enormes para a preservação de casas em pedaços. Daqueles já destruídos, historiadores fazem das tripas coração em busca de fotos, plantas e móveis. Pato Branco tem uma grande oportunidade para não cometer o mesmo erro.

A destruição da escola/casa da d. Frida é a ganância e o dinheiro prevalecendo sobre a pessoa, sobre a vida. Ecléa Bosi, professora de psicologia da USP São Paulo, em seu livro "Memória e sociedade" comenta a importância das paisagens, das construções antigas para a formação de um "chão" para as pessoas (não apenas as idosas), um local onde elas sabem estar em segurança para seguir com passos firmes ao futuro. Onde estão as primeiras casas, a primeira igreja de Pato Branco? Mesmo uma casa mais antiga, resta-nos muito poucas. Onde estão as ruas arborizadas, o relógio de sol da praça Getúlio Vargas, que fazem parte da minha infância?

Pato Branco tem se tornado uma cidade cada vez mais fria. Cada vez mais se assemelha a um quarto de hotel, no qual a pessoa vai embora sem sentir saudades. Saudades do que, se tudo muda, nada fica?

Era uma obrigação da sociedade pato-branquense lutar para que d. Frida, importante personagem da historia da cidade, tivesse direito à sua casa até sua morte. Infelizmente a sociedade se omitiu. Entretanto, segue sendo imprescindível o debate acerca da preservação de edificações e lugares da cidade. Espero eu nas ferias dos próximos anos continuar amando esta cidade, e notar que, apesar do seu progresso, ela continua sendo a excelente cidade para se viver, queum dia eu tive que deixar.

Ribeirão Preto, 10 de novembro de 2001

quinta-feira, 8 de novembro de 2001

O ensino que emburrece

Durante quatro anos usei apostila, foram três no segundo grau e um no cursinho. Sempre tive certa dificuldade com tal método, mas me convencia de que no fundo era bom, e seguia sem muito reclamar.
Neste meu primeiro ano de faculdade, não senti falta de apostila, mas também não fui muito a fundo nas minhas reavaliações. Achei melhor sem e ficou por isso. Entretanto o primeiro dia no meu retorno ao cursinho foi o suficiente para que eu reavaliasse mais a sério meu ensino médio, no que diz respeito a material didático.
Vindo de um curso que, apesar de biológico, tem uma expressiva veia humana – o que acaba por levar, em maior ou menor grau, a uma visão mais crítica e questionadora do mundo – o retorno ao cursinho – extremismo da ortodoxia à apostila – foi um choque. 180 alunos aceitando passivamente tudo o que o professor dizia, sem ninguém que levantasse a mão e perguntasse o porquê, que discordasse do que estava sendo dito, e achando esse comportamento normal. Uma caricatura do tempo em que eu usei apostila, e que achava tudo isso normal.
Numa escola de ensino médio que use esse método, por mais que o professor tente instigar o debate em sala de aula, fazer com que os alunos busquem em outras fontes, dificilmente ele irá muito além da apostila.
A apostila leva os alunos ao comodismo: para que buscar em outras fontes se ela traz o principal da matéria? Leva à uma compreensão superficial dos assuntos: se ela traz o principal, por que perder tempo nos detalhes? Ela inibe a discussão, o raciocínio, a crítica, uma vez que simplifica o mundo de uma forma grosseira e apresenta a matéria como verdade absoluta.
Por melhor que seja o professor, a apostila acaba por anulá-lo. É como dar um violão com uma corda ao melhor dos músico, por mais que ele saiba, pouco tem a fazer.
Passiva, acomodada, acrítica, bitolada. Eis uma sucinta descrição da "geração apostila". Filhes da ditadura, por mais que não a tenham vivido, tal como aqueles que hoje estão entrando na escola. O uso da apostila, em parte, explica o perfil daqueles que atualmente estão nos bancos das melhores universidades do país. Explica, mas não justifica.

Ribeirão Preto, 08 de novembro de 2001

domingo, 4 de novembro de 2001

Universidade em Pauta

O ensino tem tido cada vez mais espaço nos meios de comunicação, em especial o ensino público superior. É do conhecimento de todos o sucateamento das universidades públicas (a exemplo do que aconteceu há algumas décadas com o ensino básico), isso vem ocorrendo já há certo tempo e tem-se acentuado nestes últimos anos. Entretanto no primeiro semestre isso era tido como algo normal, corriqueiro, pela Folha – que costumo sempre ler – e, acredito, pelos demais jornais e revistas. As notícias acerca do ensino superior costumavam tratar (com euforia) da migração de cérebros das universidades públicas para as particulares (caso de uma reportagem da sempre tendenciosa Veja), ou das disputas por alunos dos "McDonald´s universitários" (Unip e afins), ou do provão – tido como evolução no controle das universidades. Não se propunha qualquer debate sobre o sucateamento das Ifes (Instituições Federais de Ensino Superior) ou sobre o provão, afinal era algo tão normal quanto o nascer do sol. Quem vai querer questionar a ordem natural das coisas?
Mas eis que eclode a greve nas federais. E junto, toda a poeira que estava sob o tapete. A mídia e as pessoas se assustam: mas como?! Essa não era a ordem natural, imutável?! O que há para discutir?
E de repente, assuntos banais se tornam relevantes. Descobre-se que aquilo tido como certo é passível de muita discussão, muito debate. Vem à tona o novo modelo de universidade, na qual se estimula a competição entre docentes, onde a quantidade de trabalhos científicos impera sobre a qualidade desses. Autonomia financeira x autonomia da gestão financeira. Quotas, fundações de caráter privado, cobrança de mensalidades, provão, forma de financiamento do estudo.
E de repente descobriu-se que havia muito o que debater. Será que foi sem querer? Com certeza, não. Foi preciso gritar, fazer manifestações, invadir conselho universitário, parar as aulas, anular vestibular para que as reivindicações das Ifes fossem ouvidas.
Hoje, mais um editorial da Folha sobre o assunto. Domingo retrasado, entrevista com o ministro Paulo Renato. Durante a semana, colunistas e reportagens comentavam a universidade brasileira.
E os alunos? A grande maioria segue tão alienado quanto no início do ano, por mais que o debate tenha se desenvolvido. Todavia, uma lição já se pode tirar desta "confusão" toda que a greve tem feito: é preciso "pôr a boca no trombone" e brigar, espernear por aquilo que se almeja. Permanecer calado, de braços cruzados, fazendo somente a sua parte, esperando estar fazendo desse modo uma revolução silenciosa é, na verdade, estar apressando a marcha de seus sonhos em direção ao abatedouro.
PS: Isto não vale somente para os alunos da Ifes. A U$P, por mais que os problemas não sejam tão graves, é pública, e a nossa letargia vai acabar por levá-la no mesmo caminhos das federais.

Ribeirão Preto, 04 de novembro de 2001

Carta pra folha: Decadência

Sou aluno da USP de Ribeirão Preto e, neste meu primeiro ano de universidade, vi que todas as mesas-redondas e os debates promovidos por alunos no campus foram organizados pelos centros acadêmicos e pelo DCE. À UNE coube apenas a edificante tarefa de venda de carteirinhas de meia-entrada, fim último (se não único) da entidade. Não há como negar que o ministro Paulo Renato é "inimigo" dos estudantes, da educação pública (porque o ensino particular vai muito bem). Porém acusar o ministro pela decadência do movimento estudantil brasileiro é mais uma prova da imaturidade da UNE, grande culpada pela sua própria desmoralização, mas que se nega a assumir tal responsabilidade.

Ribeirão Preto, 04 de novembro de 2001

segunda-feira, 22 de outubro de 2001

Que importa o passado? O que eu quero é o futuro!

Domingo passado, vi na Folha uma foto inédita do interior do Theatro Carlos Gomes, destruído na década de 40 devido à construção do Theatro Pedro II. Veio-me, então, "fotos" inéditas do meu passado e me surgiu a pergunta: por que esse desprezo com o passado? Prédios, objetos, lembranças parecem ser um empecilho para o Progresso – seja de uma cidade ou de uma pessoa.
Essa descartabilidade do passado talvez seja reflexo dos produtos descartáveis que o capitalismo produz e que nós consumimos. Já imaginou se na época da mineração, em Ouro Preto, para a construção de uma nova igreja se destruísse a antiga?
Mas não é de igrejas e theatros que eu queria falar; apesar que esses são bons exemplos, afinal, o que ocorre na sociedade não deixa de ser um reflexo do pessoal, e vice-versa. Na correria do dia a dia, nos mil planos que temos em mente o passado é-nos um estorvo pesado e inútil – hoje, tudo aquilo que não se vislumbra uma utilidade próxima é tido como de valor desprezível – que temos pressa em nos desfazer.
Claro, tudo o que vivenciamos acaba deixando marcas, é a nossa experiência de vida, a qual faz permanentemente um elo – inconsciente – entre o passado e o presente. Entretanto as lembranças conscientes nós procuramos destruí-las, sejam elas boas ou más, tal como na revolução cultural de Mao, na China comunista. Das nossas lembranças restam sempre apenas cacos, algumas partes e, vez ou outra, vêm à luz soldados de barros que estavam escondidos e que por isso não destruímos.
Argumentar-se-á que guardamos apenas aquilo que é importante. Pode ser. Daqui vinte anos, por exemplo, o que nos lembraremos deste primeiro ano de faculdade? Um que outro rosto, alguns nomes, fatos curiosos. O quotidiano esqueceremos. Mas é do quotidiano que nossa vida é feita.
O que fazer, então? Não destruir o passado é ser contra a ordem vigente, e nadar contra a maré costuma ser cansativo e dolorido. Porém, seguir a maré parece ser ainda pior. É preocupante essa fissura no futuro que há hoje (reflexo da época em que as bolsas mandam no mundo?). O passado é importante. Não somente como bagagem de vida, como também para evitar que sigamos cometendo os mesmos erros, e para um melhor auto-conhecimento, para sabermos quem fomos, quem somos, quem seremos.
Estamos tão acostumados a jogar nosso passado no lixo, a desprezá-lo, que nem percebemos. Antes fosse "apenas" o passado. Na ânsia de estarmos prontos para quando o Amanhã chegar, acabamos por jogar nosso presente no lixo. Você discorda? Então responda: como você aproveitou o dia de hoje? Quanto tempo você "perdeu" naquilo que te dá prazer (drogas não conta, é um caso diferente)?
Em nome do Progresso destruímos nosso passado e sacrificamos nosso presente.

Ribeirão Preto, 22 de outubro de 2001

segunda-feira, 15 de outubro de 2001

Etiqueta básica de como não se portar num concerto

Eu sei que ninguém nasce sabendo. Por isso escrevo, com base no que já presenciei, algumas dicas de como não se portar num concerto:
* Concerto no teatro é diferente de barzinho com som ambiente. Portanto, vá ao teatro para assistir à orquestra, não para pôr fofoca em dia. Os demais presentes no recinto provavelmente não estão interessados em saber que teu namorado te chifrou, ou que você está tendo problemas no serviço, muito menos nos teus comentários sobre a novela do SBT.
  * Se você não estiver gostando do concerto durma. Mas, por favor, não ronque, que incomoda. E não se deite no ombro de quem está ao seu lado se esse alguém não for teu conhecido. Ele pode não gostar.
* Se você não quer dormir, aproveite o intervalo entre duas músicas e educadamente peça licença e se retire.
* Se você costuma não gostar de orquestra, compre um lugar na extremidade da fileira, e não no centro. Assim é mais fácil sair sem incomodar os outros ou dar pontapés nas suas cabeças, ao pular o banco, quando se está sentado num dos andares.
* Se você se entediar e não quiser dormir nem puder sair, preste atenção na roupa dos outros presentes, você sempre encontra uns tipos bizarros, tais como: casais vestidos para baile de gala, um anormal de camiseta furada e manchada e calça por passar, uma guria de bota cano alto, mini-saia bem mini, enfim, uma típica moça da geração filhos da Xuxa; um piá se achando o enviado do demo por usar uma camiseta com o monstrinho do Iron Maiden, uma madame de casaco de pele (em plena Ribeirão!), e outros espécimes raros.
* Tossir é normal. Agora, se você tem acesso de tosse, desses escandalosos, que duram cinco minutos, compre um lugar no canto da fileira, e se retire quando um desses acessos vier.
* Faça um esforço e não coma bala durante a música. Quer dizer, comer bala não é o problema, o problema é o barulho – digamos, irritante – que se faz quando se está "desembrulhando" balas tipo Ice Kiss, ou chacoalhando o potinho de Tic-Tac. Use os intervalos para isso.
* Bocejar é normal, mas seja discreto. Boceje silencioso, evite os AAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHH que costumam acompanhar os bocejos.
* Desligue seu celular. Não importa que a musiquinha que você pôs para tocar é a nona sinfonia de Beethoven, e que ela é melhor que a rapsódia do Liszt que está sendo executada. Quem foi ao teatro quer escutar a orquestra e não seu celular.
* (este é principalmente para as mulheres). Se você está com um sapato "barulhento", não queira trocar de lugar, ou mesmo sair, no meio de uma peça. A acústica do teatro é muito boa e o TOC TOC TOC pra lá, TOC TOC TOC pra cá incomoda a todos, o maestro e a solista, inclusive.
* Se você for em grupo ao concerto, não queira ser o palhaço da turma. Deixe suas piadas para depois, por mais esdrúxulo que seja o homem do oboé. É chato, no meio de uma marcha fúnebre, meia dúzia de bocós se estourarem de dar risada.
* Os lugares do teatro são marcados. Então, se você comprou um ingresso para a quarta fileira da galeria (que Érico Veríssimo carinhosamente chamava de galinheiro) não se sente na primeira fileira do balcão nobre. E não insista com o monitor e o dono do lugar que é tudo a mesma coisa. Não é. E se você realmente acha que sim, vá se sentar no lugar que você comprou. Se não acha, vá assim mesmo e pare de aglomerar.
* Uma importante dica: se você estava conversando e alguém pedir silêncio, cale a boca e não se zangue. Não comece a discutir e chamar para a briga. E tente ao máximo não partir para a ignorância. Ainda mais se você estiver sentado próximo ao palco: além do mico que você vai pagar, já que o teatro inteiro vai se voltar pro bafafá que você está arranjando, você ainda vai fazer com que parte da orquestra se desconcentre e se perca. Sem contar que você, que já não tinha razão, uma vez que estava conversando num loca não propício, vai passar a ter menos razão ainda depois de dar um soco no jovem que te pediu silêncio.
* Para os apaixonados: uns beijinhos tudo bem, mas procure evitar aqueles beijos "limpeza gastro-intestinal", em que tua língua some goela adentro do teu amor e voa baba pra tudo quanto é lado.
* Sente cada um numa poltrona. Pega mal os dois espremidos numa, ou ela no colo dele. Podem pensar besteira...
* Se você é conhecedor de música e gosta de "pegar" o ritmo dela, faça-o mentalmente. Não pegue o ritmo batendo o pé, estralando a língua, ou seja lá como for.
* Se você gosta e conhece a música, apenas aprecie-a. Não há necessidade de acompanhá-la assobiando ou "cantando".
* Se você gosta de matemática, conte quantos integrantes tem a orquestra em silêncio.
* Não dê cotovelada (é cotovelada mesmo, não toque com o cotovelo) no infeliz que está no seu lado para mostrar para ele que você sabe contar.
* Não de cotovelada no infeliz que está no seu lado para mostrar que você sabe ler, perguntando se ele sabe qual o instrumento toca o maestro – sendo que isso está escrito no programa do concerto, o qual todos têm.
* Não dê cotovelada no infeliz que está no seu lado para mostrar que você sabe o nome dos instrumentos. Principalmente se você não sabe.
* Por fim, teatro é um lugar tradicional. Não queira ser inovador. Ao terminar o concerto, apenas bata palmas. Não sei porque demônios certa noite um faceiro resolveu gritar "Bravo!". Um outro ignóbil que estava por lá, não querendo ficar pra trás gritou "Muito bom!". Um terceiro gostou e gritou "Parabéns!". E agora, a cada concerto, surge um novo idiota com uma nova frase. Já foi "Lindo!", "UHU!", "AEEE!" e um doente que proferiu um pequeno discurso. Falta ainda gritarem "Arriba muchachos!" e "GOOOOOOOOOOL!", mas não queira ser o primeiro. Aplaudir é o suficiente, sério.
Bem, os que conseguiram chegar até o fim dessa maçada devem estar se perguntado "e eu com isso?". É que sexta e sábado agora (dias 19 e 20) tem Orquestra Sinfônica no Teatro Pedro II.

Ribeirão Preto, 15 de outubro de 2001

quinta-feira, 11 de outubro de 2001

Santo?

Não sei de onde vem esse costume, mas sei que ele existe. Salvo os ladrões de galinha, condenados ao fogo do inferno, todo mundo depois que morre vira santo. Com Roberto Campos, falecido dia 9 não seria diferente.
Abro hoje (11 de outubro) o jornal e me deparo com a notícia de sua morte e, é claro, depoimentos e colunas esparramando elogios ao defunto. A impressão que fica era de alguém beirando a perfeição. E me parece perigoso tal tratamento a um homem público.
Esse economista tido como coerente era, ao meu ver, um covarde: poderia, quando ministro da economia, fazer as reformas liberais que defendia, mas não fez – talvez porque soubesse das conseqüências do modelo e que isso acabaria por minar a "Revolução de 64".
Esse imortal tido como inteligente, apenas hábil fraseador, que baixava qualquer discussão para um nível "hepático" e tinha como argumento principal para defender suas posições "Nos EUA é assim e se lá funciona aqui também funcionará" – falo isso com base nos seis meses que em 99 eu me dediquei à insalubre tarefa de ler a coluna do destacado intelectual na Veja – como se EUA, que mandam no mundo, e Brasil, que não manda nem em si, tivessem realidades muito semelhantes.
Esse o homem que a imprensa canoniza, que todos só vêem virtudes. Se é assim com Roberto Campos, já até imagino um discurso no estilo "era um homem de palavra, honesto e ilibado, que dedicou sua vida aos mais pobres" quando na vez de Paulo Maluf.
Não estou dizendo que Roberto Campos seja todo ruim. Ele tem, como todos, virtudes e defeitos; uma dessas virtudes, não há como negar era a de que suas frases eram muito boas. E é com uma delas que termino: "A burrice, no Brasil, tem um passado glorioso e um futuro promissor", mas que a burrice vai sentir a ausência de um de seus maiores expoentes, isso vai.
PS: Agora, sem eufemismos. Roberto Campos morreu. Morreu tarde. Melhor que tivesse sido abortado. Mas já que durou até 2001, que agonizasse até 2010. Ao menos me conforta saber que ele pode presenciar a queda do WTC. Será que ele não morreu de desgosto?

Ribeirão Preto, 11 de outubro de 2001

segunda-feira, 8 de outubro de 2001

Abaixo a censura!

Não se trata de uma metáfora, o título é esse mesmo, no seu sentido literal: abaixo a censura! Alguns dirão que estou caducando – ou, no mínimo, exagerando – mas não creio. A censura século XXI, "high-tech" não ocorre nos mesmos moldes que a da década de 70: ela é muito mais sutil, muito mais presente, muito mais eficiente. É uma censura revestida de ares democráticos.
Não podemos avaliar essa nova forma de censura como um ato isolado, ela faz parte de um processo mais amplo: o retorno do fascismo – muito bem colocado por Umberto Eco em seu livro "Cinco Escritos Morais" – e com ele todas as suas características, tais como governos de extrema direita, eugenia, belicosidade, ditadura, censura, entre outras.
Como me propus falar da censura, uma passada rápida por exemplos das demais características que citei. Governantes de extrema direita são os que mais aparecem na mídia, encontramos espécimes na Itália, Áustria, EUA e Israel. No caso da eugenia, dois bons representantes são o premiê italiano Silvio Berlusconi, que semana passada falou da superioridade ocidental; e a limpeza ética promovida a doses homeopáticas por Ariel Sharon (maior discípulo – inclusive superando seu mestre – de Adolf Hitler). Belicosidade não seria necessário exemplo, mas vamos ao corriqueiro: a guerra do Bem contra o Mal, com aprovação de 90% dos estadunidenses. A ditadura trata-se da ditadura das grandes empresas, da ditadura do dinheiro. E junto a ela, vem a censura.
A censura século XXI não põe censores em redações de jornais e TV. Não é preciso. A grande mídia atende aos interesses do governo serviçalmente, sem que este se faça presente constantemente. Governo "democrático" que esquece do povo em quase todas as suas ações e governa para as grandes empresas, principalmente as transnacionais, e para os grandes especuladores.
A censura século XXI normalmente não cala o censurado, desmoraliza-o. Brizola é um exemplo. Goste-se dele ou não é um importante político do século XX (o Cipriano Barata do século XX). Teve chances de ganhar a eleição de 89 para a presidência. Entretanto cometeu o "erro" de seguir seus princípios nacionalistas trabalhistas numa época de privatizações, OMC e flexibilização das leis trabalhistas. A grande mídia – adepta ao neo-liberalismo – não o calou, afinal, todos têm o direito a se expressar. Não o calou mas o desmoralizou de tal forma que hoje é tido como gagá. Pode falar a vontade, ninguém lhe dá mais crédito. Censura sutil, de nova roupagem, mas censura.
Outro exemplo, mais atual e perceptível. No programa "Cidade Alerta", da Rede Record, o jornalista José Luis Datena enumera a ficha criminal de um elemento qualquer que assassinou, digamos, duas pessoas. Adjetiva o sujeito de tudo o que pode: frio, sanguinário, doente... Chama, então, a repórter, que dá (alguns) detalhes do crime (os "interessantes"). Entrevista-se então o assassino (não importa se é apenas suspeito): "você já assassinou outras pessoas?", "quanto você roubou?" e outras perguntas do gênero. Dificilmente perguntam "O que te levou a cometer o crime?". A resposta costumaria ser um tanto obvia: "estou desempregado, filhos com fome, mulher doente, ninguém me ajuda. Era escolher: matar ou morrer." Porém isso seria dar voz à pessoa. Não interessa.
Entretanto censura não é só no Brasil. Usei esses exemplos por serem mais quotidianos. No país pai da liberdade tiveram que apelar. Como desmoralizar leva um certo tempo, o jeito foi calar o jornalista Bill Maher, apresentador da norte-americana ABC. Criticando o discurso de Bush, que qualificava de covarde os ataques do dia 11 de setembro, Maher disse que covarde era quem ativara um míssil a milhares de quilômetros de distância. Falou demais. A liberdade nos EUA – como em todo o mundo – vai só até aonde o governo, a mídia, as grandes corporações deixam. Se você fizer uma crítica mais séria ao "Establishment" pode perder os patrocinadores e se ver obrigado a sair do ar, como ocorreu com Maher.
Mas nem tudo é escuridão. Parte da mídia resiste e não se submete ao Sistema (como a Caros Amigos e a Carta Capital, no Brasil, ou o Página 12, na Argentina), mostrando o "outro lado". E parte da briga contra essa censura cabe a nós: não aceitemos ser tratados de idiotas, que assimilar passivamente tudo que vêem, lêem ou ouvem; não nos conformemos a apenas uma fonte; a apenas uma versão; e para nós, universitários, transformemos a universidade em local de crítica, debate e contestação, e não mera "Escola de Nível Superior", que há de nos ensinar uma profissão e está bom, é o suficiente. Gritemos, enfim, "Abaixo a censura!"

Ribeirão Preto, 08 de outubro de 2001

sexta-feira, 5 de outubro de 2001

Carta pra folha: Terrorismo

Lamentável a Folha ter cedido importante espaço ao coronel Erasmo Dias ("Existe terrorismo no Brasil?", "Tendências/Debates", pág. A3, 2/10) para que mostrasse que ainda se lembra da doutrina de segurança nacional e que acredita cegamente nela. Não vale a pena aprofundar o debate, apenas lembro ao senhor Dias que, durante a ditadura, quem torturava e assassinava "como direito de justiçar" não eram os "terroristas comunistas-leninistas", mas os terroristas de Estado. Porém, assim como Erasmo Dias, também discordo do general Alberto Mendes Cardoso. Sim, há terrorismo no Brasil. Terrorismo de Estado, praticado por FHC e pela equipe econômica, que matam de fome, a cada "canetada", a cada aumento de juros, milhares de pessoas. Sim, há terrorismo: um terrorismo silencioso contra vítimas sem voz.

Ribeirão Preto, 05 de outubro de 2001

segunda-feira, 1 de outubro de 2001

Sim, eles existem de verdade!!!

"Ortodoxia é não pensar"
George Orwell, 1984

Até ontem eu cria que aqueles senhores engravatados que apareciam na TV falando bonito era pura representação para aparecer nos noticiários. Eu realmente não imaginava que os senhores Fernando Henrique Cardoso, Pedro Malan e Armínio Fraga (para citar só alguns) quando falavam das diretrizes econômicas de nosso país, de sua inserção no comércio internacional, estivessem falando sério. Eu jurava que quando eles falavam de economia estavam dando uma "zoada básica". Queriam mostrar seu senso de humor. Mostrar que eram uma terceira via do humorismo nacional: nem Casseta, nem Simão. Afinal, de seus pomposos discursos, metade era totalmente incompreensível e a outra era tão absurda que impossível não rir. Mas hoje a Verdade me foi revelada.
Estava eu calmamente "prestando atenção" na aula de filosofia, já quase chegando em Marte, quando algo me trouxe de volta à Terra. Furlan havia comentado sobre a coerência de (nosso presidente de fato) George W. Bush, que pedia aos estadunidenses que continuassem viajando de avião, ao mesmo tempo que concedia a dois militares de médio escalão o direito de abater aviões de passageiros, e abriu um parênteses para dizer que hoje tudo era feito em função do dinheiro, do capital – até agora me pergunto o que isso tem a ver com o conceito de finitude em Heidegger, mas tudo bem. Resolveu então pedir a opinião do estudante de economia da sala. Tento ser o mais fiel possível ao transcrever suas palavras: "toda relação de troca é boa para ambos os lados". Os presentes tentaram argumentar contra tal idéia (é... eu não era o único ingênuo na sala). Usou-se o argumento do valor agregado, de que o Brasil sai perdendo exportando banana e importando computador. Resposta do colega economista (mais ou menos como foi dito): "se o Brasil sabe produzir banana melhor que computador, e os EUA, computador melhor do que banana, o Brasil tem mesmo que vender banana e comprar computador, que assim ele sai ganhando". Para embasar sua resposta "uma regra de três simples prova isso". Eu quis contar para ele que o mundo é ligeiramente mais complicado que uma regra de três simples mas desisti: esse seguidor da seita neopitagórica chamada neoliberalismo (o mundo é redutível a uma regra de três simples!) não dava sinais de que compreenderia.
A discussão teve outras pérolas, mas não vale a pena transpô-las aqui: em qualquer "jornal" da Globo você pode escutá-las – e com a certeza que de fato eles acreditam nas incongruências que dizem.
Isso que ele é aluno da U$P. Imagine como não é na GV ou na PUC. O tipo – e não parece ser um caso isolado – sabe de cor e salteado a cartinha neoliberal. E é de um fundamentalismo de deixar Bin Laden com inveja. Diga-se de passagem, a mesma ortodoxia, o mesmo fundamentalismo dos excelentíssimos senhores que hoje governam nosso país.
Mas não sei porque estou escrevendo isso. Eu, assim como meus estimados colegas, deveríamos sair logo da universidade (aliás, que coisa inútil é universidade do Brasil, salvo a FEA e a Esalq) e ir plantar banana. Eis a forma do Brasil chegar ao primeiro mundo! (Vejam o exemplo de nossos vizinhos da América Central, todos países com excelente padrão de vida). De quebra ainda podemos ser homenageados com uma música do Radiohead!
Oh Banana Co. We really love you and we need you

Ribeirão Preto, 01 de outubro de 2001

quarta-feira, 5 de setembro de 2001

Falem mal, mas falem de mim

Eu sei que citar qualquer coisa, quanto mais escrever uma crônica inteira dedicada ao assunto é entrar no seu jogo, mas não resisto. Também eu vou chover no molhado.
No final da década de 60, início da década de 70, um grupo de jovens "meu umbigo é o centro do mundo" surgiu na cena nacional, através do movimento Tropicália. Dentre esses jovens, chamo hoje a atenção para um: Caetano Veloso. Me desculpe aqueles que acham ele o máximo, mas sou obrigado a discordar e rechaçar essa idéia como sendo tão estapafúrdia quanto dizer, durante a Europa da Idade Média, que Deus não existe. Pode-se gostar de sua música, dizer que é de qualidade, questão de gosto. E mesmo quem não gosta se vê obrigado a admitir que pelo menos uma ou outra música dele é realmente muito boa – apesar que nos últimos tempos, nem isso pode ser dito.
Não me refiro aqui ao Caetano compositor, mas sim ao Caetano artista, desse que aparece em Caras e Vídeo Shows da vida. Desse que anda sempre a cata dos holofotes para agraciar seu ego, e o pior, encontrando sempre holofotes prontos para iluminá-lo. Do Caetano a que somos obrigados a engolir. E junto suas besteiras, como sendo ditas por um intelectual, por alguém de visão privilegiada do nosso dia-a-dia. Ora, tenha santa paciência! Caetano não sabe absolutamente nada do que ocorre no Brasil ou no mundo, salvo aquilo que se choca com seu umbigo.
Não vamos recordar o passado longínquo para achar podres na sua biografia. Para não haver a desculpa de que ele, naquela época, era imaturo, pegaremos um caso ocorrido há poucos dias. Dia 28 de agosto para ser mais exato. Nesse dia, Caetano se assustou, foi pego de surpresa por um acontecimento um tanto quotidiano para a maioria das pessoas das grandes e médias cidades: foi assaltado. Veja você a audácia de assaltarem Ele, Caetano Veloso, O filho predileto de Deus, que se perguntando com quem se compara sua importância para a história da humanidade é capaz de responder com qualquer um que seja citado pelo entrevistador. Jesus quem sabe se aproxime Dele. Junto com a audácia que foi assaltarem-No houve também seu espanto por descobrir que assalto não é estórinha da televisão.
Indignado, Caetano em poucas palavras bramiu a solução para o Brasil: "Vou votar em Lula", disse o sábio intelectual, que depois de aguçada observação da realidade nacional descobriu que o governo FHC nada fez, ou fez muito pouco, para diminuir a violência. Mas no dia seguinte, humildemente, Ele reconheceu seu erro, ao ver que a polícia havia se empenhado na busca do seu bem-estar, e teve uma segunda opinião, mais ponderada: resolveu "deixar o tempo decidir". Bem fez ele. Onde estava com a cabeça ao declarar apoio ao Lula? Um analfabeto, feio, barbudo, que trabalhava em indústria tendo o apoio Dele? Numa próxima entrevista, é bem provável que Caetano se explique melhor: estava com a cabeça quente e não queria dizer aquilo.
Ainda bem que foi um assalto e não um seqüestro ou uma bala perdida, pois então ele declararia seu apoio ao Tuma, ao Fleury ou ao Maluf.
Nessa mesma próxima entrevista ele provavelmente vai ratificar seu apoio ao presidente e ao seu plano de governo. Argumentará, com toda sua sapiência, que FHC é, como ele, um intelectual que, como ele, teve que se refugiar da ditadura – pois é, FHC com muito esforço, tem conseguido o impossível: superar os milicos! E como intelectual PhD – coisa que nem Ele tem! – não pode estar errado. Pode falhar algumas vezes, mas são pequenos desvios, insignificantes. Concluirá mostrando como nosso Brasil evoluiu em seu reinado: os carros que circulam hoje são mais bonitos, modernos; os modelos da TV e revistas mais bonitos, mais vaidosos; temos no supermercado uma infinidade de produtos u-ti-lís-si-mos que não encontrávamos antes; não há inflação; e que por muito tempo pôde-se fazer várias e longas viagens para o exterior, que estava muito barato. E algumas outras vantagens mais, como o preço do caviar, etc.
Bem sabia eu que não falaria nada de novo. Disse no início: estava entrando no seu jogo. Melhor parar por aqui, que já fui longe demais. Para finalizar, a conclusão a que se chega é: Caetano não se discute, se ignora.

Pato Branco, 05 de setembro de 2001

terça-feira, 4 de setembro de 2001

Pobre PS

Acho que já comentei com alguém este fato – se não estou enganado, foi com minha mãe – mas o comentário que fiz foi apenas uma constatação, sem maiores reflexões.

Mas hoje resolvi retomar o assunto, agora com mais profundidade – não muito, pois me falta muito conhecimento para aprofundar este ou qualquer outro assunto. Lembrei-me no meio da tarde de que havia esquecido de incluir uma nota interessante no rascunho do e-mail que mais tarde enviaria à uma amiga. Mentalmente escrevi o postscriptum. Foi quando eu ligava o computador para escrever – agora de verdade – que lembrei do que havia comentado com minha mãe sobre o dito PS.

Parece que o querido e prático PS está com seus dias contados. Uma pena. Tão simpático e útil era que me custa pensar que ele é um peso morto, algo arcaico, dinossáurico. Graças à esta maravilha do mundo moderno: o computador, e seu filhote: a internet.

O computador e suas incríveis ferramentas de "copiar", "recortar" e "colar", seu "backspace" e tudo mais o que proporciona agilidade ao escrever é, ao meu ver, um dos responsáveis por essa escassez de (bons) novos escritores. Com toda a agilidade que ele proporcionou, com a velocidade com que se digita, não há mais a necessidade de se ruminar muito em cima de uma frase. Escreve-se hoje de certa forma instintivamente. Não se raciocina mais insistentemente como escrever uma frase: da forma que a frase vem à mente se transcreve e depois, se preciso, faz-se as devida alterações. Com isso a impressão que fica é que não se matura a idéia o suficiente – quando se matura – acabando uma frase, uma idéia potencialmente boa em justamente isso: potencialmente boa. O computador tem feito com que nossa capacidade de matutar diminua ainda mais. Mas essa é uma outra história, que posso voltar outro dia. O que me levou a escrever hoje foi a morte anunciada do PS.

Começamos por enumerar algumas das vantagens do PS. Em cartas, quando se esquece de comentar alguma coisa no seu corpo, faz-se uso dos PS; é muito melhor do que rescrever a carta toda para acrescentar uma linha, uma frase. Outra vantagem é que, mesmo se lembrando do que se queria comentar antes de escrever a carta havia o problema de não conseguir encaixar essa idéia ou essa notícia no que se escrevia. Outra vez o PS entra em ação. Lá vem ele, quando se achava que tudo estava dito, falar de algo ainda não mencionado. E se não fosse um, mas dois os assuntos marginais ao resto da carta, colocava-se PS1, PS2. Se não fossem dois, mas três ou mais... vocês entenderam a lógica. Por fim a grande facilidade de se introduzir um assunto no PS. Como é um PS não precisa de todos os apetrechos e enrolações, simplesmente fala-se, melhor, escreve-se. Curto e grosso.

E por que esta maravilha da escrita está no fim? Porque o computador, com toda sua agilidade no escrever não há problemas se você, por acaso, se lembrar de algo quando já tinha terminado a carta – no caso, o e-mail. Basta levar o cursor até onde melhor se encaixa o que se tem a dizer e digitar. E se você tem algum assunto marginal ao que escrevia na "carta", dois "enter" e pronto, está subentendido que é um assunto diferente. E os e-mails, escritos no ritmo estressado do dia-a-dia da cidade grande, não necessitam de muita firula. Fala-se de forma seca, concisa. Não se pode perder tempo, nem fazer com que o outro perca. Tempo é dinheiro, tempo é precioso. Estamos sempre atrasados para tudo. Mas isso é outra história.

Claro que o PS não está totalmente morto. Ainda se usa como enfeite, ou por saudosismo em e-mails. E ainda resta aquela meia dúzia de malucos que, assim como insistem em escrever no papel e não no computador (não tudo, é verdade), insistem em mandar cartas. E as vezes esquecem de algo importante, que poderia ser colocado no seu corpo. Ou então tem um assunto marginal, o qual não encaixa em local algum da carta. Mas gente assim são poucos e não merecem serem levados a sério.

Pato Branco, 04 de setembro de 2001

sábado, 18 de agosto de 2001

Carta pra folha: Fundações universitárias

Muito pertinente o debate que a Folha tem trazido à tona acerca das fundações nas universidades públicas. Como aluno da USP, é com preocupação que vejo marcada para o dia 4 de setembro a regulamentação das fundações pelo Conselho Universitário (CO) sem que o assunto tenha sido suficientemente discutido dentro e fora da universidade. A USP poderia dar um exemplo de atitude democrática, prorrogando a regulamentação e ampliando o debate sobre as fundações.

Ribeirão Preto, 18 de agosto de 2001

terça-feira, 14 de agosto de 2001

O autoritarismo na ciência

É difícil desvincular, quando se discute questões científicas, do embate ético. Todo experimento, seja com humanos seja com animais, traz à tona este debate. Até onde o pesquisador tem direito de seguir com seu experimento?

Apesar de todos os entraves postos pela comunidade científica, não são raros os exemplos de pesquisas que ignoram as questões éticas. Não faz um mês, o jornal Folha de São Paulo trouxe uma matéria sobre o interesse de pesquisadores estrangeiros – em especial estadunidenses ligados à indústria (ou melhor seria chamar de máfia?) farmacêutica – em realizar pesquisas no Brasil. O fator motivacional predominante para tal interesse não é a qualidade de nossos cientistas, mas sim a facilidade para se coagir pessoas para servirem de cobaias humanas em experimentos com drogas, na sua maioria voltadas para moléstias dos países imperialistas. Estas pessoas, em troca de uma pequena remuneração, ou muitas vezes nem isso, pela simples preferência em certos exames e consultas, provam drogas sem saber – ou sem se importar – com os efeitos danosos que estas podem trazer ao seu organismo.

Por mais que seja veementemente negado, é do conhecimento de todos, inclusive da comunidade científica – esta que arbitra o que é ético e o que não é – o uso de pessoas de países subdesenvolvidos como cobaias humanas.

Outros dois exemplos que têm tido espaço nos noticiários nos últimos dias são a restrição ao uso de células-tronco em pesquisas nos EUA, e o anúncio de dois cientistas (?) de que tentarão clonar seres humanos. Não vamos nos aprofundas nestes dois tópicos, mas vale ressaltar a importância de se debater essas questões; taxar, simplesmente, de ético ou antiético, ao bel prazer de meia dúzia de cientistas “renomados” é antidemocrático, se não antiético.

Quem não aprende com o passado tende a repetir sempre os mesmos erros. Evitar o debate mais amplo sobre questões como ética, agindo de forma autoritária, é cometer o mesmo erro cometido pela Igreja Católica durante a Idade Média, que pensava que evitando o debate evitaria posições contrárias.

Ribeirão Preto, 14 de agosto de 2001

domingo, 8 de abril de 2001

Carta pra folha: USP

No artigo "Uma mácula maior" ("Tendência/Debates", pág.A3, 5/4), os estudantes Pedro Silva Barros e Weber Sutti falam do autoritarismo do reitor Jacques Marcovitch, ignorando que esse comportamento existe entre os próprios alunos na relação veteranos/calouros. Ingressei na USP em 2001 e confesso nunca ter sido tão humilhado em minha vida toda quanto neste início de ano. Somos forçados a participar dos humilhantes trotes, dentro e fora do campus, em que, além do desrespeito à pessoa, há, ainda, o desrespeito às suas crenças. Seguidamente ocorrem vexações morais aos calouros. Sugiro aos veteranos da USP que dêem o exemplo antes de exigir uma postura mais democrática do nosso reitor.

Ribeirão Preto, 08 de abril de 2001