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sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

Panama City Airport

Depois de quase dez anos, me ponho a fazer uma viagem internacional de passeio (minha última viagem internacional foi a serviço, a marcante ida ao interior da Venezuela colapsada, em 2019). Sempre que embarco em um avião lembro dos professores universitários do Rio de Janeiro destilando todo seu ódio ao PT e à democracia [http://bit.ly/3lpum2I], ao criticar um passageiro de chinelos no aeroporto, e lamentando o fim do "glamour" em viajar de avião. Alguém se crendo glamuroso no saguão de um aeroporto mostra o quanto busca distinção dos seus iguais a todo custo, já que não tem condições de pagar um vôo particular, sequer primeira classe com área de espera vip. Parênteses para contar do pouco de glamour de viajar de avião que conheci: sem ter a mesma sorte de uma ex, que diante do overbooking da classe turística, voltou da Espanha para o Brasil em segunda classe, minha primeira viagem internacional, como era menor de idade, fui tratado como uma tocha olímpica, que precisava ficar passando de mão em mão entre os funcionários, sempre com o comentário "que grande esse menor!" (e na época eu ainda nem tinha crescido tudo). Em dado momento, me deixaram esperando o vôo junto com os bacanas, na área vip da empresa, com bebidas várias, castanha de caju, telefone (tudo grátis) e entrada prioritária, mesmo eu indo de terceira classe. Fecha parênteses. Na minha viagem atual, meu glamour de voar esteve em ter a fileira toda para mim e poder dormir como se estivesse num banco de rodoviária.



O vôo até Cali faz escala na Cidade do Panamá, devidamente globalizada no seu código IATA: PTY, de Panamá City (dá quase a sigla do aeroporto de meus últimos vôos: PTO). E o Panama City Airport mostra que é um não-lugar autêntico, que não estar no Ocidente (EUA, Austrália ou algum país da Europa Ociental) é um mero detalhe, e que qualquer "sujeito universal", colonizador ou colonizado, se sentiria em casa nele: estão lá marcas globais, em grande medida as mesmas que vi em GRU (Guarulhos) e que veria em LGA (La Guardia) ou CDG (Charles de Gaulle); mudam apenas algumas marcas locais - ainda que o design seja basicamente o mesmo -, e na loja de souvenirs, peças tidas por locais, devidamente pasteurizadas ao gosto do turismo de check list globalizado.

Mas senti mesmo esse ar da gloriosa civilização europeia nas minhas costas, ao sair do avião. Vinham atrás de mim dois homens negros. Dentro do avião conversaram um pouco entre si, em francês. Na porta da saída da rampa que liga o avião ao saguão, há um funcionário do aeroporto. Vamos passando todos em lenta peregrinação por ele, que parece não ter função alguma ali - talvez de abrir e fechar a porta? Até que passo eu, e os dois homens atrás de mim, não. "Passaportes, por favor", pede o funcionário, num tom de intimidação. Os não-lugares, assim como o Ocidente, são para os sujeitos universais, os cidadãos de primeira classe do mundo, esses que estarão na última linha atingida por guerras e crises: negros, latinos, asiáticos marrons, chineses, transexuais, esses precisam dar mostras meritocráticas de que merecem respirar o glamouroso ar destinado aos brancos.


24 de fevereiro de 2023