domingo, 29 de maio de 2016

Temeridades - notas sobre o governo golpista (1)

Michel Temer. A imprensa chama Temer de "presidente interino" ou "presidente em exercício", forma de dar a impressão de legalidade ao golpe de Estado que ele encabeça. Eu prefiro não usar eufemismos nesse caso, e chamo logo de "presidente golpista" ou "presidente em exercício do golpe de Estado". Enfim, Temer, nosso presidente golpista, parece ser mesmo a pessoa certa pro momento, um político síntese dos golpistas: eleitoralmente fraco, sem apelo popular mas com apelo junto aos donos da grana e da Grande Imprensa, politicamente forte; apreço zero pela democracia e tudo o que ela representa (povo, pobres, direitos humanos, liberdade, cultura) e dez pelo poder.
Nas últimas eleições que disputou, para deputado federal, em 2006, Temer foi o último dos políticos eleitos pelo PMDB, com cem mil votos. Isso, a princípio, não quer dizer muito: em geral políticos que encampam bandeiras de minorias - como direito dos negros, das mulheres, dos homossexuais, dos quilombolas, dos sem-terra, dos sem-teto, dos que perderam parentes assassinados pela polícia militar, etc - não conseguem votações expressivas, como artistas de tevê, jogadores e cartolas de futebol, ou políticos apoiados por igrejas evangélicas ou coronéis rurais dos sertões brasileiros, e chegam à câmara pelo quociente eleitoral. Ocorre que Temer não encampa qualquer bandeira de minoria. Minto: encampa a bandeira do 1% mais rico, aquele que controla as finanças e o país - o que ele não admite publicamente, claro, diz que age em prol dos "interesses da nação". Temer pode não ter qualquer base social, penar para ganhar eleição, mas sabe se mover no ambiente político, onde tem força desde os anos FHC: em 1997 chantageou o então presidente: ou era eleito presidente do congresso ou não haveria aprovação da emenda da reeleição, que tanto interessava a FHC. Nos anos Lula, se tornou importante aliado do PT - as chantagens, no caso, não foram públicas -, a ponto de ser alçado a vice na chapa com Dilma Rousseff.

Depois de ter conspirado contra a presidenta, fazendo ser aprovado um impeachment que ele mesmo dizia que não havia qualquer base; rejeitado pela maioria da população em pesquisas de opinião, com 1% de intenções de voto em simulações de eleições, Temer assumiu o poder prometendo união e salvação nacional. Não explicou que nação ele quer unir e salvar: seu slogan de governo usa a bandeira da época dos militares e o site WikiLeaks divulgou documentos secretos dos EUA que dizem que o presidente golpista foi informante dos EUA. Extinguiu o principal órgão de combate à corrupção, a Controladoria Geral da União, e aprovou uma lei que proíbe qualquer manifestação onde ele esteja ou "possa ir", sob justificativa e "segurança nacional" (ou seja, qualquer manifestação pode ser enquadrada como perigosa à segurança nacional, ajudada pela lei anti-terrorismo sancionada por Dilma). Foi além: montou um ministério que fica "ombro a hombre" com qualquer gabinete conservador do segundo reinado: homens, brancos, proprietários, heterossexuais (mas, para provar que não são escravocratas, apenas racistas, demitiu o garçom negro que trabalhava para a presidência da República); nenhuma mulher, nenhum negro, nenhum mulato ou pardo, nenhum gay: chamaram isso de "meritocracia" (imagine o bafafá se Dilma tivesse montado um governo só de mulheres, ou só de negros, ou só de homossexuais, ou, pior, só de mulheres negras e homossexuais: nunca admitiram que era um ministério baseado no mérito, ainda que fosse tanto quanto o de Temer). No seu ministério "de notáveis", segundo ele, nove são investigados por algum crime de corrupção; seu ministro mais forte, Romero Jucá (PMDB), não durou dez dias e caiu depois de divulgado áudio em que ele articulava, em março, o impeachment de Dilma para estancar as investigações Lava Jato (ó!, que novidade); o Ministro das Relações Exteriores, José Serra (PSDB), é outro informante dos EUA, conforme papéis dos Estados Unidos divulgados pelo WikiLeaks; o da saúde, Ricardo Barros (PP) defende o fim da saúde universal e o fim do controle dos planos de saúde; o da educação e cultura, agora só educação, Mendonça Barros (DEM), foi contra Fies, Prouni, cotas e grande parte das propostas que ajudaram a incluir milhares de jovens no ensino superior brasileiro; o ministro da justiça e dos direitos humanos, Alexandre de Moraes (PSDB) conseguiu na justiça, quando secretário de Geraldo Alckmin, o direito da polícia militar usar armas letais (isso, pode ir armado de pistolas que criminosos usam pra matar) contra estudantes que protestavam contra o governador; o de desenvolvimento social e agrário, Osmar Terra (PMDB), já falou em cortar o Bolsa-Família; o das cidades, Bruno Araújo (PSDB), já suspendeu 11 mil casas do Minha Casa Minha Vida; e do da economia, Henrique Meirelles (ex-PSDB e egresso do sistema bancário), vimos "medidas necessárias", segundo os especialistas: corte de verbas para programas sociais e aumento de recursos para pagar os especuladores e os bancos (aqueles, que nunca se corrompem, apesar de toda o dinheiro de corrupção passar pelo sistema bancário, o suíço, que seja). E isso que só foram 15 dias de governo!

29 de maio de 2016

PS: este texto é parte do artigo "Breve apresentação de personagens para a compreensão do golpe de Estado no Brasil em 2016.", a ser publicado no Boletim SPM Informa, do Serviço Pastoral dos Migrantes, de junho de 2016 (www.casuistica.net/spminforma)

O presidente com o apoio "de todos os brasileiros" sai assim de casa

sábado, 28 de maio de 2016

A cultura do estupro somos nós no nosso dia-a-dia.

"And we love the abuse because it makes us feel like we were needed". (E nós amamos o abuso, porque ele nos faz sentir como se fôssemos necessários)
A música de Marilyn Manson me veio à mente diante da notícia do crime contra a garota no Rio de Janeiro, e da sua repercursão. Gosto das músicas e das letras do rockeiro, cutucam feridas que não queremos reconhecer, e essa é uma das que considero mais precisa - mais ainda nesta semana em que tanto se fala em "cultura do estupro". Trinta homens violentando uma garota não é mostra de cultura de estupro, é uma aberração. A cultura do estupro somos nós no nosso dia-a-dia.
Ouso dizer que antes de ser um "crime bárbaro", como classificou o presidente em exercício do golpe ou a grande imprensa, foi um crime banal. Ganhou notoriedade por terem sido muitos, mas desconfio que a dor da garota seria a mesma se tivesse sido apenas um o estuprador. Ou até pior, porque para boa parte da sociedade ela seria só uma fria estatística, enquanto a outra parte - forças de segurança e líderes espirituais incluídos - a acusaria de ter provocado o criminoso. Ninguém teria trocado sua foto no Fakebook e o presidente golpista ou ministro da justiça (de conveniência) e dos direitos humanos (para os humanos direitos) não teriam soltado uma linha de pesar - seria um avanço se soltassem um malufismo. Talvez sequer seus parentes soubessem do acontecido - quem sabe uma hora não suportasse a dor na alma e preferisse resolvê-la atacando a própria carne, como a estudante de direito da PUC-SP violentada que se suicidou. Sejamos sinceros: nossa reação ao caso não é ao estupro, é a um número que nos assustou. Segundo o Instituto de Segurança Pública do Rio, são três casos diários de estupro no estado - e é sabido que esse número é absurdamente sub notificado. A cultura do estupro é não apenas nossa indiferença quotidiana à violência simbólica que desemboca, enfim, na violência física e sexual do estupro, como nosso ignorar a real dimensão do problema e apontar o dedo sempre para o Outro - o que nos alivia de qualquer responsabilidade.
Vi postagens acusando a "objetificação da mulher na publicidade", como se só a mulher fosse objetificada na publicidade, e não a vida toda; como se estupro fosse uma violência exclusiva de homens (seres do mal?) contra mulheres. Ainda que seja esse o caso habitual (ou talvez o que conseguiu ganhar notoriedade, graças à luta das mulheres), o estupro é a violência de uma pessoa contra outra, mais fraca: crianças são estupradas, homens são estuprados (a maior causa de suicídio e tentativas de no exército estadunidense não é por traumas de combate, mas por trauma decorrente de estupro), transexuais são estuprados e estupradas; e os estupradores são na maioria das vezes homens, mas não raro mulheres também cometem estupros. A cultura do estupro não é conseqüência do machismo - o machismo antes marca o algoz e a vítima preferenciais -, é conseqüência de uma sociedade toda ela falida.
A cultura do estupro está na objetificação de toda pessoa: vejo a cultura do estupro na faxineira negra que ganha oitocentos reais pra limpar a merda alheia e me pede desculpas por ter me tratado por "amigo" e não por "senhor" ao perguntar as horas. É a cultura do estupro manifesta em estado puro e hipócrita na elegia à "bela recatada e do lar" da primeira-dama do golpe (não tenho absolutamente nada contra uma mulher querer ser recatada e do lar, o problema é isso ser um modelo). É a cultura do estupro que nega à prostituta (de luxo) a autonomia e a liberdade de decidir o que fazer com seu corpo - inclusive vendê-lo para prazer alheio. É cultura do estupro a meritocracia do governo golpista Temer, feito de homens brancos ricos heterossexuais escravocratas. É a cultura do estupro manifesta todo início de ano nos trotes universitários, que subjugam novatos por esses estarem acuados e indefesos diante da turba sedenta de afirmar seu poder (nem entro no machismo, homofobia, misoginia, racismo e outros elementos sempre presentes nos trotes). É a cultura do estupro defender violência para combater violência (neste furor logo me lembro de tantas amigas que elogiam o código das prisões contra estupradores), sexismo para combater sexismo, preconceito para combater preconceito (por favor, sem essa pataquada de preconceito reverso). É cultura do estupro uma pessoa homossexual se ver forçada a se comportar como hetero - casada, com filhos e sorrindo o sorriso da frustração nas fotos de família. É da cultura do estupro achar que o Outro é culpado e nós (espectadores passivos e passionais de toda violência quotidiana) somos inocentes, quando não as verdadeiras vítimas, no lugar de quem sofreu a violência. E nós amamos o abuso (do outro), porque nos faz sentir como se fôssemos necessários. É cultura do estupro a "dilapidação do corpo do outro", como marcou Joel Birman, que vê no Outro um objeto-corpo para sua satisfação. É cultura do estupro nos oferecermos como esse objeto-corpo para um Outro que tampouco vemos como sujeito. E nós amamos o abuso (o nosso), porque nos faz sentir como se fôssemos necessários. É a cultura do estupro a repressão sexual e impedir que o assunto seja tratado em sala de aula e na sala de jantar, e que força jovens a se educarem e formarem seu repertório de fantasias via vídeos pornô. É a cultura do estupro colocar negro pobre preso a poste e louvar pau-de-arara e torturador. É a cultura do estupro achar normal a polícia cometer assassinatos extra-judiciais referendados pelo governador do estado. É a cultura do estupro estar antes preocupado em punir o criminoso do que garantir o bem-estar da vítima. É a cultura do estupro querer impôr padrões de comportamento sexuais - e não falo aqui do heteronormativo. É a cultura do estupro o aluno da rede privada mandar o professor calar a boca porque está pagando, ou o diretor da escola pública forçar o aluno a receber a palavra de Deus - depois isso será replicado na garota de programa que tem que aceitar tudo porque está recebendo. É a cultura do estupro a Polícia Militar "conversar" com quem faz protesto político. É a cultura do estupro essa frustração com nossa vida que levamos sem pensar (para não sofrer) e que nos faz desejar o abuso, porque nos faz sentir como se fôssemos (minimamente) necessários.
Corto para alguns exemplos banais. Uma garota me contava que estava "carente de um amor", queria um namorado, mas ele teria que estar preparado para ter gastos: "uma namorada custa dinheiro", e pouco depois marcava sua contabilidade: "sai bem mais caro que comer puta de vez em quando". A cultura do estupro: somos mercadorias expostas à espera do próximo comprador. No metrô ouço algumas pessoas conversando de suas tretas com atendentes de fast-food, uma delas reage ao dizerem que ela pega pesado: "isso é nada, precisava ver Fulana, que já cuspiu na cara da caixa, que não tem problemas em pegar o catchup e jogar no atendente". A cultura do estupro: o Outro não é sujeito e não tem direito a dignidade (e nem fui para exemplos mais pesados, como a higienização social). Na Unicamp, anos atrás, ouço no Bandejão rapazes condenarem (de leve) um amigo por ter embebedado uma colega de sala para que transasse com ele: "fazer isso com puta tudo bem, com amiga é sacanagem" [http://bit.ly/cG13414]. Também na Unicamp, quase saio no braço com uma feminista-acadêmica quando ela comemora que atentado violento ao pudor passe a ser tipificado pela lei como estupro: "você não sabe o que é uma passada de mão na bunda, estraga a noite!", justifica sem argumentos: eu não apenas sei o que é tomar uma passada de mão, até mesmo uma encoxada na noite (e não foi evento isolado), como também imagino que isso, ainda que seja uma violência, seja muito mais leve que um pênis te penetrando à força. A cultura do estupro: a falta de medida, em que estuprar uma amiga é "sacanagem" (uma puta é absolutamente nada, elas estão ali para isso, não?) e em que passar a mão e ser violentada é visto como uma mesma violência. O Metrô de São Paulo (controlado pelo partido do ministro da justiça (de conveniência) e dos direitos humanos (para os humanos direitos) do governo golpista), não vê problema em mulheres serem encoxadas, acha que é até motivo para peça publicitária jocosa; ou então assume que ou homens são carentes de controle racional da sua libido ou mulheres são perigosas sedutoras incontroladas ao proporem o vagão rosa. Voltam atrás por conta da pressão de algumas pessoas que, essas, sim, não coadunam com a cultura do estupro - a cultura do estupro autorizada pelos políticos no poder ou que o aspiram, por Geraldo Alckmin, Alexandre de Moraes, Micher Temer, Luciano Huck, Jair Bolsonaro, Paulo Maluf e tantos outros, que ocuparam ocupam e pretendem ocupar o poder (via eleição ou via golpe, tanto faz).
Aos que acharam esse um crime bárbaro, sinto dizer: eram trinta homens armados com armas de fogo e celulares, que doparam uma garota para abusar sexualmente dela. Não há nada de barbárie nisso: é parte do retrato da civilização que conseguimos construir até o momento nestes Tristes Trópicos.

28 de maio de 2016.

PS: queria ter escrito sobre, ainda ano passado, não consegui. Faço breve menção aqui: as campanhas mais interessantes e efetivas que vi contra a cultura do estupro vieram do #MeuPrimeiroAssédio e #MeuAmigoSecreto: para desmantelar a cultura do estupro é preciso, antes de tudo, mostrar onde ela se encontra.

segunda-feira, 16 de maio de 2016

Novos tempos, velhos crimes

Na loja de tintas, a tevê ligada no policialesco do meio-dia, outro sub-Datena, mas tão criminoso quanto o original. Com tanto e tantos discursos de ódio transmitidos diariamente como se fosse jornalismo e opinião, não é de surpreender que Bolsonaro - o Bolsomico - passe a ser visto como alguém digno de atenção e respeito. Ao meu lado, duas senhoras, na casa dos cinqüenta, sessenta anos, conversam sobre "política". Conta a primeira: "O presidente (sic) mandou tirar o retrato dela de todas as salas, diz que tinha uma pilha assim de retratos" (e levanta braço míseros trinta centímetros), ao que a segunda comenta: "É impressionante como esse governo gastava dinheiro à toa". Dinheiro sendo bem aplicado notei poucas quadras dali, na ETEC das Artes, no Parque da Juventude - outrora o presídio do Carandiru, palco uma das muitas e vergonhosas chacinas perpetrada pelo estado (então governado pelo PMDB, por sinal), com nosso dinheiro, em nosso nome. Alexandre de Moraes pode ter deixado a Secretaria de Segurança Pública (sic), mas o modus operandi que ele implementou na polícia militar do estado continua - afinal, ela orna divinamente com o modus operandi do governador tucano Geraldo Alckmin de lidar com a política. Unir polícia e política são é uma coisa que agrada aos velhos donos do Palácio dos Bandeirantes, assim como os novos ocupantes do Palácio do Planalto - os primeiros já conseguiram transformar a PM em milícia do partido, como evidenciou o episódio na PUC-SP, em março deste ano. No pátio da ETEC está acontecendo uma assembléia estudantil; mais de uma centena buscam um canto de sombra para acompanhar os discursos. Todos sabemos que estudantes são elementos muito perigosos da sociedade, e que é necessário ter à mão armas letais para caso eles resolvam agir - como pediu o atual ministro da justiça e dos direitos humanos (sic) quando subordinado de Alckmin, e foi atendido pela nossa justiça (sic). Por conta desse potencial altamente perigoso de alunos uniformizados e facilmente identificáveis, seis viaturas acompanham muito de perto a assembléia; outras quatro estão na entrada do prédio, sob aviso, para qualquer odioso crime perpetrado por aqueles jovens cheio de espinhas. São, portanto, no mínimo vinte militares vigiando uma assembléia de estudantes secundaristas. Poderiam estar combatendo assaltantes, assassinos, traficantes, mas estão intimidando jovens que falam de política. As duas senhoras talvez gozassem ao ver a cena e imaginar que logo o Brasil estaria livre de baderneiros; o apresentador de tevê talvez lamente a tibiez dos militares. Por meu turno, eu temo de, em dois ou três meses, estar sentindo saudades de quando as forças da ordem (e do progresso?) agiam com tamanha delicadeza e respeito. Novo governo, novos tempos, e nossa elite política que tenta, uma vez mais, fazer a roda da história girar para trás. Mas não falemos de crise: o trabalho liberta!

16 de maio de 2016

Uma milícia estatal, militarizada e bem treinada para atender aos interesses da famiglia



terça-feira, 10 de maio de 2016

A extrema-direita brasileira em busca de um Trump pra chamar de seu

A extrema-direita brasileira ainda se bate atrás de um nome viável de assumir o executivo federal - mas também os estaduais e municipais. Seu movimento legislativo é clarividente e tem dado resultados: via bancada BBB (boi-bala-bíblia) deixou de ser uma força capaz de barrar propostas contrárias às suas bandeiras e hoje é capaz de impôr sua pauta - cujo ápice, por enquanto, vem desde que assumiu a presidência do Congresso Federal, com Eduardo "Capone" Cunha. Para o executivo, contudo, os nomes alentados não têm força para ganhar uma majoritária no curto prazo - conforme comentei em crônica passada [http://j.mp/cG160430]. Esse desfilar de nomes de alto impacto e pouco resultado, entretanto, tem servido para desviar a atenção de uma extrema-direita que cresce, se organiza e que se não ganhar o poder agora, via impeachment-golpe, deve ganhar em breve via golpe branco em parceria com a sempre presente Globo e demais veículos da Grande Imprensa, e com setores do judiciário que fazem justiçamento e não justiça - quando não fazem simplesmente gangsterismo, como é o caso de notório ministro do STF. 2022 é o mais provável, porém pode acontecer já em 2018. A forma como reverteram as chamadas "jornadas de Junho de 2013", de um movimento contestatório de esquerda para uma marcha reacionária de direita, mostra seu poder de organização: eles precisam apenas de um rosto que encarne um Führer tropical e pós-moderno.
Enquanto o PSC de Feliciano e Bolsomico se apresenta já sem quase nenhum disfarce como o partido neofascista do Brasil - mas tem seu teto baixo para o curto prazo, até por questões culturais [http://j.mp/cG160506] -, outra corrente neofascista se arma em um partido mais bem estruturado e com discurso mais palatável à cordialidade brasileira. Trata-se do PSDB, em especial da corrente paulista ligada ao atual governador Geraldo Alckmin.
Alckmin é o bom moço de fala firme mas sem extremismo (aparente), que vai à igreja (católica), defende a meritocracia (que seleciona sempre os mesmos e seus filhos, por coincidência), sem mácula de corrupção (como nos bons tempos do militares) e tem o dedo sempre no gatilho para matar quem reagir (e quem é da periferia sabe que se entregar é reação punível com execução sumária). Tudo bem ao gosto das viúvas de 64 mais recatadas, e dos incautos que viram na educação um meio e não um fim, e hoje desfilam com o mesmo orgulho sua ignorância diplomada, suas viagens para roteiros turísticos kitsch e seus carros importados blindados.
A Alckmin, entretanto, falta presença midiática: se seu banho publicitário fez com que superasse seu carisma de picolé de chuchu, ele se mostra pouco viável para discursos inflamados, como os seguidores do grande pato fascistas sinalizam buscar. Aécio Neves sonhou ocupar esse espaço e até ensaio vôos mais altos: com ajuda da Grande Imprensa, desde a eleição têm levantado uma cortina de fumaça para disfarçar seu passado, fez um "recall" no seu visual, em 2015, surgindo mais modernex, ao estilo playboy collorido, e radicalizou o discurso moralista-salvacionista, apesar das eleições terem terminado há tempos e ele ter sido derrotado. Sua tática tem virado pó: passou a disputar o mesmo nicho que Bolsomico, e é evidente que vai sendo sugado pelo neofascista puro-sangue. O outro nome do partido, José Serra, é outro político muito tradicional e pouco midiático, mas não convém subestimá-lo, pois para atingir seu objetivo pessoal de se tornar presidente do Brasil, não teria problemas em adotar o modelito nazi-fascista, stalinista, verde e até mesmo democrático, conforme o que melhor couber para a ocasião - é capaz de implodir o PSDB, se isso for necessário, para ser candidato à presidência.
Em suma, tirando o nome-hecatombe tucana de José Serra, o nome-chave do futuro do PSDB é Geraldo Alckmin. Como havia comentando em outra análise, a eleição paulistana deste ano "pode ser uma verdadeira refundação do partido, ou selar o seu fim enquanto opção política democrática para o país (João Doria seria a assunção do papel de legenda proto-fascista, a espera de Luciano Huck para presidente) [http://j.mp/cG160201]. Doria Jr, apadrinhado de Alckmin, levou, e é o nome a ser observado com muita atenção nestas eleições: é o primeiro ensaio de um Trump tupiniquim. Como seu colega estadunidense, para além de empresário de sucesso, já buscou a fama na indústria cultural - na versão brasileira do programa que consagrou Trump. Seu discurso é um equilíbrio publicitário entre Alckmin e Bolsonaro, a fala firme, mas sem extremismos do primeiro, e o discurso de ódio do segundo. Mais up-to-date que Bolsomico, Doria Junior não perde tempo em lamentar o fim da ditadura civil-militar e do Comando de Caça aos Comunistas, mas seu programa modernizador consegue, em certa medida, andar ainda mais para trás, sem por isso deixar de ser atual: reafirma o mito do vencedor brasileiro, identificado, primeiramente, com o automóvel próprio; a seguir, reafirmar esse brasileiro vencedor através do desdém com a urbe e tudo o que é público: o tal "Estado mínimo" por ele defendido não é outra coisa que redução de tudo que o que é público - inclusive o espaço público, a convivência pública, o debate público - ao seu mínimo, na impossibilidade de reduzi-lo a zero. Mais do que eventual cabo-eleitoral para Alckmin em 2018, Doria Junior é um teste de candidato-midiático por um partido estruturado e sem limitações de credo religioso - como o caso de eventuais candidatos por PSC ou PRB.
Alckmin é o nome-chave desse neofascismo com sede no PSDB do Tucanistão (outrora São Paulo, a locomotiva do Brasil, que hoje parece buscar novamente essa alcunha, restando apenas achar um Auschwitz paulista), também por o que tem demonstrado em seu governo: uma política militarizada até o limite que a ordem democrática suporta (ou já não suporta), tratando movimento sociais e reivindicatórios como criminosos, populações periféricas como culpadas (e passíveis de serem executadas legitimamente por seus comandados) - a ponto de seu secretário de segurança, Alexandre de Moraes, um nome à altura de Fleury (o delegado ou o governador), ser cotado para a pasta da justiça e direitos humanos de um eventual e temeroso governo Temer  -, e com ampla conivência da Grande Imprensa - é de se imaginar como não será a anti-cobertura de um eventual governo de um empresário, ou então de um egresso da própria Grande Mídia.
Bolsonaro e o PSC não devem ser tratados como irrelevantes ou folclóricos, mas estão longe de ser o principal perigo a todos aqueles que defendem a efetivação da democracia e os direitos humanos nestes Tristes Trópicos. O conluio entre forças reacionárias, Fiesp, grande capital internacional, Grande Imprensa e PSDB de Alckmin promete muita instabilidade política e social para os próximos anos - percam ou ganhem as próximas eleições. A mobilização da sociedade civil e dos movimentos sociais precisa ser de grande intensidade e permanente, sob o risco de retrocessos perigosos nos pequenos avanços conquistados desde o fim da ditadura civil-militar.

10 de maio de 2016




sexta-feira, 6 de maio de 2016

Bolsonaro não é o Trump brasileiro

Muitos tem tratado Jair Messias Bolsonaro (PSC-RJ), o Bolsomico, de Trump brasileiro. Nada mais distante. A única semelhança entre os dois é o discurso de ódio e de incitação à violência e a filiação a uma genérica direita anti-política. Qualquer análise um pouco mais atenta dos dois personagens mostra que a distância é enorme.
A começar que muitos analistas têm dúvida sobre a crença de Trump em tudo aquilo que diz: guarnecido por uma forte equipe publicitária, o magnata americano já admitiu que usa sua verve raivosa em uma proposta polêmica toda vez que sente o moral de seus apoiadores arrefecer. Quanto a Bolsomico, não há dúvidas sobre sua fé no que professa, tanto que por muito tempo foi tido como um político folclórico - e se cresce agora é por mudanças na sociedade e não nas suas posições.
A figura de ambos também é diametramelmente oposta: Trump se vende como o vencedor, o chefe, o self-made man que fez e faz a América. Bolsomico é um aluno repetente da Escola Superior de Guerra, que não consegue ir além do medíocre, cujo grande mérito, falar o que pensa e peitar a todos não resiste a qualquer enquadramento mais forte da justiça - ou de um machão maior que ele. Ainda que motivados pelo medo (deles ou da população), ambos encarnam o cidadão típico de seu país, daí o discurso agressivo de Trump reafirmar sua pretensa superioridade - e dos Estados Unidos frente islâmicos e o resto do mundo -, enquanto Bolsonaro agride para disfarçar sua mediocridade, mais que isso, sua inferioridade - como falou esplêndidamente Contador Calligaris, não é Ustra que é o pavor de Dilma, é Dilma que é o pavor de Ustra e todos os seus apoiadores: "o silêncio do torturado é a vitória final sobre o torturador": Dilma não falou, Dilma não cedeu um milímetro ao seu torturador, que se viu impotente diante de uma mulher a quem tinha a vida e a morte nas mãos. Bolsomico tenta se vingar, ressentido e impotente (com toda a carga que essa palavra tem a um homem), por se saber inferior a uma pessoa do que ele tem por "sexo frágil".
Diferenças ainda, e significativas, há no plano político. Trump é um candidato que vem de fora da política para um partido central do sistema político estadunidense - ao invés de disputar a Casa Branca como independente, por exemplo. Bolsomico é um político profissional, de carreira, que tenta se fazer outsider. É tão inserido no sistema que diz ser contra que até a forma de fazer sucessor repete a dos habituais políticos oligárquicos do Brasil: indicar um parente - no caso, o filho. Os dois, portanto, fazem uma mistura confusa entre ser anti e estar dentro, mas o primeiro se mostra pragmático: entra para reafirmar seu "anti" com chances de vitória; enquanto o segundo está dentro tentando se passar por "anti".
Há também um quê do ethos de cada país que faz com que Bolsomico tenha teto baixo. Os EUA se fizeram e se reafirmam como nação agressiva, orgulhosa da própria violência. O Brasil, por seu turno, desde sempre tenta disfarçar sua violência com o que ganhou a alcunha, no século XX, de cordialidade. Bolsomico agrada a uma parcela da população bem específica: branca, diplomada, bem de vida, habitante do centro-sul, ressentida por ver seus privilégios frente os serviçais do prédio diminuídos por "direitos abusivos", e que se rebelou e ocupou as ruas, inflamada por Veja, Globo e Folha, contra os abusos dos vermelhos - seu modus operandi tem sido rejeitado pelos seus apoiadores, que se distanciam dos patos fascistas de Skaf. Vejo como seu eleitor típico um professor doutor da Faculdade de Educação da Unicamp, 15 pós-graduações orientadas, que num curso de Política Educacional para alunos de graduação solta que "o Brasil é um país injusto porque sul produz pro norte consumir", acrescentando a seguir que nordestino é preguiçoso e que pra cima de São Paulo tudo é precário, até a máquina de cartão de débito, isso vale já pra Minas Gerais, e ele não pode ser preconceituoso porque é mineiro (não estou exagerando, infelizmente não tenho gravada a aula, por isso não cito o nome do respeitado pesquisador). Talvez se o Bolsomico Júnior der uma de Marine Le Pen, afastar o pai, e trabalhar o discurso de direita num viés menos raivoso, mas com a mesma carga de ódio, ele tenha alguma chance - mas ele dá reiteradas mostras de ser tão limitado intelectualmente quanto o pai.
Outra e talvez mais importante diferença entre Trump e Bolsonaro: o primeiro é alguém up-to-date, o magnata que soube usar a indústria cultural para promover seu ego. Assim, ele não presta homenagem a McCarthy, e vocifera contra minorias, em especial contra imigrantes e muçulmanos, questões típicas do século XXI. Bolsomico está parado em 1968, ainda caça comunistas, e se ampliou seu ódio para gays, a cada manifestação ele reforça a impressão que isso é por uma questão interna mal resolvida dele. Conseqüência: junto com os impropérios, Trump tem um "projeto" de país, vagas idéias sobre o futuro da nação; Bolsomico é o ódio por si próprio e seu projeto para o Brasil não vai além de um passo atrás na roda da história.
Podemos respirar aliviados diante da fragilidade de Bolsonaro? Nem um pouco, pois temos fortes candidatos ao posto tupiniquim equivalente àquele ocupado por Trump nos Estados Unidos - com reais chances de vitória.

06 de maio de 2016