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terça-feira, 21 de janeiro de 2025

Ladrão que rouba ladrão [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça.]

O primeiro debate do dia na bancada foi se o ditado “ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão” era válido. Disputávamos pelo sim e pelo não, quando Meirelles sugeriu irmos pela dosimetria dos delitos. A discussão passou a ser, então, quem teria cometido a falta maior.

Eu bem havia dito que antipatizara com o novo colega, Basso [bit.ly/cG250121], que já foi apelidado de Cabaço e para não ficar tão na vista agora chamamos de Mr. K. Pois me deram novo motivo para tanto. Quer dizer, ele tem dado reiterados motivos. Não que eu não possa mudar de opinião, estou aberto a ser contradito (é assim que se diz?), mas ele tem que ajudar também. A antipatia começa, claro, pela meritocracia que o levou à empresa, e continua com seu aspecto seboso e seu olhar baço, de quem não tem sonhos, apenas um fluxograma de vida, sua conversinha de cerca lourenço insistente e enfadonha e sua disposição para mostrar trabalho a qualquer custo, mesmo sem ter ideia do que fazer (espero ao menos que saiba em que área atua a empresa que seu tio é diretor geral).

Quem trouxe a notícia foi novamente Carnegie, o Arauto do Apocalipse. Nos contou ele que Robervals estava indignado pois ontem havia ido ao médico e por isso chegara mais tarde. Sentou na sua cadeira e estranhou de pronto: não estava na sua configuração, sequer era do mesmo modelo. Olhou ao redor: todo mundo agia normalmente - inclusive Mr. K., que estava com a sua cadeira. Cínico, pensou. Reparou melhor na cadeira que lhe restara, era a da antiga estagiária, a que possuía uma grande mancha no assento - e justo por isso sobrara para ela. Carnegie não deixou de reiterar seu ponto:

Eu bem disse que ele é um fresco! Esse burguês almofadinha dos infernos!

Falou em inferno, você entende, não, Arauto do Apocalipse - não perdeu a piada Goreti.

A discussão que citei no início do texto se deu, claro, por conta do roubo de bombons feito Robervals, no fim do ano. 

Macedo argumentou que Robervals cometera o pior delito, pois o bombom era um bem próprio e não algo cedido pela empresa para o período em que estávamos labutando:

Não tem como ser roubado naquilo que não é seu.

Me opus ao nobre colega, afinal, bombom come-se de uma vez, enquanto a cadeira passa-se o dia todo, o ano todo, quase a vida toda nela. 

Fosse ainda um Lindt - reforçou Goreti. 

Carnegie, que diz não gostar de chocolate, mesmo assim defendeu Robervals:

Ele é um cara legal, tem uma visão política coerente com a do proletariado.

Meirelles, sempre ela, trouxe toda sua experiência e sabedoria para dar o veridicto mais ponderado sobre a questão:

Basso é sobrinho do diretor, ponto. Ele só reitera o apelido que ganhou. Sem perdão para o Mr. K., portanto.

Impecável no argumento, fomos obrigados a concordar com ela.

Confesso que fiquei com dó de Robervals, não gostaria de estar no lugar dele, sou partidário do “minha cadeira minha vida”, mas que fazer se nosso colega é parente do chefe?


21 de janeiro de 2025


PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.



 

Basso, o colega com as melhores qualificações [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça.]

Um espectro ronda a empresa. Com o novo diretor geral, o diz-que-me-diz corre solto e ganha vulto a tese de que vai rolar um passaralho. Tem gente que se animou no Natal e se antes se dizia enforcado, agora começa a lamentar que Round Seis é só uma série de televisão.

Estávamos nessa tensão quando apareceu um funcionário novo no setor, o Basso. O alívio foi geral: se estavam contratando, o tal passaralho provavelmente não aconteceria, no máximo um ou outro demitido, digo, desligado para recolocação profissional.

Confesso que logo de cara não simpatizei com o novo colega. Não que isso seja novidade, eu não simpatizo com ninguém de fora da bancada - o que não quer dizer que eu antipatize, como é o caso de Basso. Acho que foi a foto do seu whatsapp: ele parece um desses falidos metidos a coach de criptomoedas: uma foto de estúdio, todo engomadinho em mangas de camisa azul, os braços cruzados, o sorriso forçado. Comparando com a realidade, percebe-se ainda camadas e camadas de filtro, quase uma plástica online.

Tudo ia muito bem com sua chegada até Carnegie, sempre muito diplomático quando não está indignado, conversar um pouco mais com o cidadão e trazer detalhes sobre o novo funcionário.

Aspirante a intelectual, metido a escritor, enfadonho e fresco: parece estar falando de mim, mas essa foi a definição inicial que ele deu de Basso. Até aí, tudo bem. Foi quando Carnegie nos conta que não se trata de um funcionário qualquer, e sim de um sobrinho do novo diretor geral. Porém, é claro que o parentesco não teve nenhuma relação com sua contratação: conseguiu a vaga estritamente pelas suas qualificações técnicas. Puro suco da meritocracia.

Essa informação trouxe o pânico no setor. Primeiro pensamento: o passaralho vai acontecer, visto que essa contratação não sustenta a tese antes aventada. Segundo pensamento: ele foi posto no setor adrede como P2, para analisar o trabalho de cada um, ver quem será ceifado, quem vai continuar. Ou seja, estamos todos crentes de que o passaralho virá, e não será pequeno.

No setor, ele já ganhou o apelido de Cabaço, graças ao Macedo, enquanto Carnegie agora tem sido chamado de Arauto do Apocalipse. O clima segue tenso, mas ao menos temos bom humor.


21 de janeiro de 2025


PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.


segunda-feira, 17 de junho de 2024

O Metrô de São Paulo contribuindo para a piora da vida do trabalhador paulistano [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça.]

Vida de trabalhador que pega transporte público não é fácil. Mesmo o metrô, que desde sua inauguração em São Paulo, tardiamente nos anos 1970, era tido como um modal de excelência, tem decaído acentuadamente.

De um lado, o problema social que reverbera dentro das estações e vagões: diante da crise financeira inaugurada em 2016, o Metrô vai adquirindo características do “Shopping Trem”: uma variedade de pessoas vendendo uma grande variedade de coisas, de fone de ouvido a chocolate, de tira manchas a doleira, de massageador a pomada milagrosa. Incomodam, mas é o que se tem para sobreviver (reconheço que diminuiu no último ano, apesar da fiscalização também ter diminuído). A essas pessoas, somam-se pedintes diversos e músicos de rua. Destes, admito que não gosto dos que fazem rima mexendo com os passageiros, entretanto, há alguns de ótima qualidade, artistas de verdade, como o @luiscantante.92, que executa música andina. Há, contudo, um cuja arroba no instagram me foge, que se finge de músico para fazer pregação pela manhã em alto e bom som - e não adianta passageiros pedirem para ele baixar o som, como bom fanático, a “palavra de deus” vale mais que o bem estar das pessoas. É uma sessão de tortura que dura duas ou três estações: você já desanimado de ter que ir para a labuta e lá está o infeliz com seu tecladinho enchendo o saco. Ele toca muito mal, mas quando começa a cantar, parece até um virtuoso, e quando você presta atenção no que ele canta, então...

Do outro lado, trabalhando pelo nosso mal-estar está o próprio Metrô sob a batuta do ogro do martelo, o senhor Tarcísionaro. Começa pela limpeza, que era uma das marcas mundiais do Metrô de São Paulo e tem deixado a desejar. Mas pior mesmo é nos horários. Nos de pico, ainda se manteve os habituais intervalos curtos entre cada trem; mas fora dessas horas insalubres por si, aumentaram os intervalos para os padrões do metrô privatizado, fazendo com que toda hora seja horário pico - não importa que seja nove horas da noite de um domingo: o trem vai estar lotado. Já cheguei a esperar sete minutos por um trem - até a gestão passada não chegava a cinco, nem mesmo nas horas mortas. Então, temos que o Metrô passou a ser um modal já não tão rápido assim, nem tão confortável e limpo.


Mas agora o Metrô inovou e quis juntar o pior dos dois mundos, trens lotados com música ruim, só faltou a parte da pregação (e felizmente eu só li a notícia, não presenciei in loco). Vi que no dia dos namorados ninguém mais, ninguém menos que o Jota Quest fez um show na estação da Sé! 

A desocupada leitora, o desocupado leitor talvez se pergunte “Jotaoquê? Aquele desenho animado?”. Pois é, a você, preciso informar que se trata de uma banda que usava umas perucas gigantes e lançou um disco de pop razoável em 1996, e depois disso passou a vender até que bastante cedês sem fazer nada que preste, até entrar em decadência e dar por encerrada, salvo pelos seus integrantes, sua Kombi de fãs e - agora sabemos - pelo Metrô.

Imagine só que situação: você sai cedo de casa, encara uma pregação religiosa feita a alto som com um instrumental horrível, tem um dia cheio no trabalho, e na hora de voltar, metrô lotado, só pensando em encontrar seu brotinho - ou então lamentando que não tem um para passar a noite -, ainda ter que enfrentar uma estação lotada porque disseram que ia ter show de graça e vai ver é o Jota Quest. Jota Quest! Tenho até medo do dia dos namorados do ano que vem: capaz de desenterrarem o Leonardo para cantar - aí, sim, haja segurança segurando o povo que vai querer se jogar nos trilhos a ter que suportar isso.

Obrigado, governador, por ajudar a piorar a já precária saúde mental do trabalhador paulistano.


17 de junho de 2024.


PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.


quinta-feira, 23 de maio de 2024

Doutor Sabujinho foi de Americanas [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça.]

Doutor Sabujinho não está mais entre nós. Foi assim a mensagem que recebi de Macedo, ainda antes de chegar ao trabalho. Sim, como a decupada leitora, o decupado leitor (estou me atualizando, não esqueci um “so” no meio das palavras), também achei que o fatídico colega Rivarola havia ido de Americanas, como dizem os cringe de hoje em dia (segundo meu Brotinho), mas que nada, ele só foi transferido de setor. Na real, profissionalmente podemos dizer que ele foi de Americanas de um modo até bem literal. Já me explico, antes quero recapitular rapidamente a saga desse pulha.

Doutor e fracassado em sua área de formação, seu grande mérito é ser um puxa-saco de resultados, ou melhor, um puxa-saco inversamente proporcional à sua capacidade de trabalho. Também é um assediador na proporção inversa ao que tem de beleza.

Entrou botando banca, conseguiu galgar rapidamente postos (pisando em colegas, inclusive) e quando estava para ganhar uma promoção, foi transferido de função, para gestão de imagem e reputação do setor. Foi uma chance que ganhou, já que naquilo que é formado e teoricamente apto, com o tempo se mostrou incompetente. 

Acontece que na nova função ele também se mostrou inapto, a ponto de em pouco tempo se tornar claramente assistente da estagiária - e não que a estagiária seja folgada (como eu nos meus tempos de estágio), mas ganhou a confiança dos chefes pelo trabalho e passou a ter melhor reputação. Tanto que a sua saída já completa duas semanas e nada de alguém para substituí-lo (e também nada de efetivar a pobre da estagiária, que nesse ponto não tem parecido esperta o suficiente para pressionar a chefia).

Diante da sua incompetência e desnecessidade no setor, porém com seu puxa-saquismo de resultado, a chefia imediata achou por bem transferi-lo de setor, ao invés de simplesmente mandá-lo de volta aos aplicativos. O local para o qual foi transferido não é exatamente o setor do castigo, mas é a antessala. E ficamos todos nos perguntando como ele aceitou essa transferência, ainda mais fazendo cara de alegria. Foi Macedo quem respondeu:

Ganhou a promessa de uma promoção lá.

Promessa ou promoção? Perguntou Meirelles, que rapidamente farejou a cilada.

Por enquanto, promessa.

Até hoje, sempre que é para ser promoção, ela vem junto com a transferência e não depois. Estou achando que ele foi é enganado.

E por enquanto assim tem sido: foi transferido e nada de ser promovido. Ninguém se animou em perguntar se ele está se divertindo no purgatório, porém, ao que tudo indica, ele aceitou a transferência achando que iria de Lehmann na sua carreira, só que foi mesmo é de Americanas (se deu mal, mas ainda segue vivo e empregado).


23 de maio de 2024



PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.

segunda-feira, 15 de abril de 2024

Tilt Test e crise no setor [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça.]

Estamos em crise aqui no setor - e não é nada relacionado ao trabalho. Até porque se fôssemos ficar mal ou em crise por conta de nossa labuta, só sairíamos da cama para pular da janela - ainda que meus colegas me julguem um pouco exagerado nessa minha colocação. Assumo que pode ser, mas pedir o boné não parece uma alternativa viável no momento, em que rareiam empregos similares ao atual e não me anima a ideia de morrer de fome. Goreti sugeriu o Onlyfans, muita gente diz que dá bastante dinheiro, mas não acho que seja para nenhum de nós bombar nessa rede social - sem falar que é aquela: são quantos milhares de produtores de conteúdo para cada um que faz sucesso?

Enfim, a crise se deu por conta do Tilt Test, relatado em minha última crônica. Mais especificamente, a quem escolhi como acompanhante para o exame. Ou melhor, por não ter escolhido os demais para serem meu acompanhante no exame - exceção feita ao Desembargador, que sairia de férias dali dois dias e tinha que deixar alguns quiproquós em dia, para poder voltar na maciota. 

Notei que Carnegie andava um tanto lacônico e parecia arredio para com minha pessoa. Primeiro achei que fosse da minha cabeça, mas como seguia nessa toada, resolvi perguntar ao Macedo o que teria acontecido com nosso nobre colega.

Não conta para ninguém, mas ficou um climão, um ciúmes geral de você ter me chamado para ser seu acompanhante.

Mas que raios de ciúmes é esse?

Foi um turno inteiro que pude descansar, pôr minhas leituras em dia, sendo que eu tinha sido o último a sair de férias.

Eu te chamei porque você mora do lado do local do exame!

Sim, levantei essa hipótese para eles...

Eles?!

Ah, sim, você não notou nada de diferente com Meireles e Goreti?

Notei, mas achei que não fosse nada.

Eles aceitaram mais de boa o argumento da proximidade da minha morada, o Carnegie segue chateado, enciumado.

Em particular, conversei com Carnegie, que negou qualquer incômodo e disse que eu quem via coisas. Mais tarde, convoquei os colegas para uma reunião no bar, na sexta, para decidirmos critérios de escolha ou mesmo uma escala de acompanhantes para exames futuros no setor - e ele foi um dos mais entusiasmados com o tópico. Sinto que não foi sincero comigo ao se dizer de boa.


15 de abril de 2024


PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.

quarta-feira, 20 de março de 2024

Reorganização do setor e palestra motivacional antilimpeza [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor Sem Graça.]

Creio já ter comentado aqui que o chefe do setor, preocupado com “a evolução pessoal” dos seus subordinados, promove todo mês uma palestra motivacional com algum convidado que ele julga especial. A única coisa boa, segundo os colegas, é o lanche que ele leva - realmente ele gasta do salário para isso -, mas não me impressiona, dadas minhas mil chatices gastronômicas.

Assim como falar que a bola é redonda, sei que é um juízo analítico dizer que palestra motivacional é chata e perda de tempo. Quer dizer, pensando que os estadunidenses chamam de bola um trem em forma de carambola, acho que Kant está superado. Destarte, trago o que talvez seja novidade para alguns: palestra motivacional é chata e perda de tempo. O que não quer dizer que não haja palestras do gênero que são piores e as que são mais piores ainda.

Foi o caso deste mês. Mas, diante do que foi apresentado junto, nem foi tão ruim assim.



Nossa reunião mensal de ajuste da equipe começou com Duchas, um cabeça de planilha que chegou há dois ou três meses, metido a simpático, mas muito prepotente. Pelo visto, apesar de seu MBA em gestão por processos, ele é incapaz de fazer uma conta mais complexa sem apelar para o Excel (capaz de dizer que 2+5x0=0 e se achar esperto por ter sacado a pegadinha). Também parece não muito esperto para entender processos. Talvez se fizesse análise e entendesse um pouco os meandros de seu cérebro um tanto engessado, quem sabe ele pudesse palpitar em processos alheios, inclusive os visíveis. 

Após dois meses de análises pormenorizadas dos processos e funções do setor, ele apresentou o novo organograma e as novas funções de cada um. Simplesmente parece que ele deu um título a cada um dos números da roleta do Jogo da Vida, girou e pôs na planilha - salvo os de algumas pessoas, que esses ele encaixou com carinho (ou por necessidade) em locais chave. 

O Doutor Sabujinho, por exemplo, ficou também com a função de zelar pela reputação do setor e fazer uma espécie de Relações Públicas com os demais setores da empresa. Macedo perguntou (entre nós, é claro) como um engenheiro assediador de novinhas poderia colaborar na imagem do nosso setor. Carnegie acha que ele pode apagar os rastros dos assédios - o que muitos dos colegas de bancadas duvidaram, pois isso exigiria capacidades cognitivas que ele até agora não demonstrou ter. Eu sugeri que seus anos de Uber talvez tenham lhe dado algum repertório de falar platitudes, o que, aliado ao seu puxa-saquismo, permita passar uma impressão que o chefe e o Duchas crêem seja positiva.

No grupo das pessoas que tiveram suas novas funções escolhidas por necessidade, está Apolônia, que não é uma das mais antigas do setor, mas é das mais experientes. Podemos dizer que é quem mais sabe ali de como tudo funciona. E isso foi um detalhe quase insignificante para Duchas na hora de remodelar o setor. pois se pensou nela na hora de escolher sua função, não quis se rebaixar a perguntar a uma funcionária só com nível superior (negra, ainda por cima), como ele poderia ajeitar tudo. Foi dela que partiram as perguntas mais contundentes. Basicamente um “lembrou de combinar com os russos?”, mas em outros termos, para não fazer com que achem que haveria comunistas entre nós.

Diante da gagueira do sabe-tudo que só não sabe o básico, o chefe interveio, dizendo que esse tipo de detalhe (sim, o básico agora é detalhe) seria ajustado com o tempo, pois aquele projeto - como todos os do gênero - passaria por pequenas revisões conforme fosse implementado - o que fez com que eu me despreocupasse com minha nova função, pois certamente, após uma dessas pequenas revisões, seria a mesma com outro nome.

Mas essa parte ainda foi divertida, ver Duchas em calças curtas não sabendo responder o óbvio. Dureza foi a palestra motivacional que veio a seguir. Eu tinha o contrário no início deste texto, né? É que sempre que vou falar de um dos momentos da reunião, ela parece o pior, porque os dois foram sofríveis.

A palestrante começou com aquele papo de “não sou intolerante religiosa, tenho até amigos que não são cristãos” (faltou complementar: “eu só quero que eles sofram e morram agonizando”), mas que sua palestra se pautaria nos valores judaico-cristãos “que, afinal, são os valores do povo brasileiro”. Nessa hora já deu vontade de soltar um “Che, pelotuda, entonces me bê mi pasporte argentino; o puede ser de coreia, que dá fripas pra más países, che!”, mas óbvio que fiquei quieto - tento evitar que minha raiva ponha meu emprego em risco. 

Contou ela da sua vida pessoal anódina, que não dá nem para competir com Pollyana, de tão insossa - é de soçobrar qualquer motivação para se viver, talvez daí seu mérito -, de como era a louca da limpeza, até o momento em que sua filha avisou que ela não tinha olhos para outra coisa. Foi nesse momento que ela aprendeu a dialogar - e daí veio todo aquele blábláblá fértil como uma mula. Confesso que me surpreendi com esse ponto: imaginei que ela teria encontrado o deus judaico-cristão nessa hora, que lhe teria dito para pegar uma faca e partir para cima da filha, por ter questionado a autoridade materna, contra o que está na Bíblia, mas parece que esse deus (ao menos o judaico-cristão que ela se pauta) a abandonou e que foi bem sem graça mesmo tudo isso. 

Ao fim, me restou apenas a preocupação com o grau de sujidade que não deve estar a casa da palestrante depois de sua epifania judaico-cristã-motivacional antilimpeza.


20 de março de 2024


PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.

segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

Goreti tenta lutar contra o destino... e perde [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor sem graça]


As artes esotéricas e sibilinas não são para qualquer um ou uma ou ume. Suas mensagens cifradas dão ensejo para compreensões dúbias, até mesmo “tríbias” - tese, antítese, destese, numa releitura pós-moderna e Hegel (não o colega de Marx, segundo o MPSP) -, que podem induzir as pessoas a tomarem decisões erradas, ao invés de ajudá-las. Por isso, todo cuidado é pouco. Ademais, defendo que as crenças esotéricas se encaixem no sincretismo que tanto marca nossa constituição enquanto povo: acredita só na medida em que o favorece. Também poderia defender um órgão de classe (estilo OAB e CRM) para esotéricos, mas isso fica para outro momento. Voltemos ao sincretismo. Foi assim com o catolicismo branco do colonizador, tem sido assim os evangélicos neopentecostais adeptos do eurocentrismo extremado neocolonizante (em especial os pastores, que falam de Jesus mas adoram os vendilhões do templo; defendem a família dita tradicional mas tem três amantes... de cada gênero), por que não poderia ser com esses bandos de esotéricos brancos mimados nos melhores bairros das cidades? 

Quem tenta seguir puro em sua crença ocidental sempre se dá mal. Goreti, por exemplo, é uma pessoa legal, mas vacila - justo por acreditar demais, e sem sincretismo.

Final do ano passado foi chamado pela chefia e designado para um congresso a beira mar em Ponta Negra, Natal - precisava ser alguém do nosso subsetor -, que foi de segunda, dia 22, à tarde, e até quinta 25 de manhã, com a fala já na terça pela manhã, pra poder estar só de corpo presente o resto do tempo nesse evento. A empresa se encarregou das passagens, da hospedagem nos dias de evento e de uma ajuda de custo considerável. Ou seja, levando em conta que 25 é feriado em Sampa, a proposta foi praticamente de férias fora de época (mas numa boa época), com passagens e 50% dos custos de hospedagem e alimentação pagos.

Ficamos todos - ele, inclusive - surpresos por ter sido ele o escolhido, e não Meirelles, a pessoa que mais manja dos paragolés e do falar em público. Vívida e escolada, não se surpreendeu, e nos lembrou que para liberais melanina demais só pega bem no fundo da foto. Enfim, tudo estava certo para o congresso, até que semana retrasada, logo na segunda pela manhã, Goreti saiu da sala do chefe com uma listinha e foi até Macedo. Antes de fazer o convite, se justificou:

“Eu realmente não posso ir, e acho que nem deveríamos mandar ninguém. Vai ser uma grande besteira. Falei para o chefe, mas ele não quis me ouvir. Por isso, nem recomendo que vá, mas ele perguntou se quer me substituir em Natal”.

Macedo, afim à sua discrição, rejeitou. A seguir, foi a vez de perguntar para Meirelles, que se indignou de ter sido chamada só àquela hora, sem tempo de refazer a agenda programada para o feriado.

Já paguei caro para passar no Boneti! Sacanagem!

Parecia um jogo meio Jogos Vorazes, sei lá, que quem escolhesse seria morto. Ou mesmo uma rodada do campeonato brasileiro, com todos os times parecendo lutar para não ganhar o título. 

Imaginamos que Goreti iria até Carnegie, o segundo mais apto para palestrar - depois de Meireles -, sempre elogiado pelo chefe, mas o escolhido foi o Desembargador, que não teve problema em mudar sua programação para o feriado, desde que pudesse juntar com o banco de horas, que dava três dias. O chefe, para mostrar sua autoridade, permitiu, desde que fosse antes do evento, e não depois. A contragosto, aceitou, e terça, dia 16, já foi de mala para o trabalho - voltaria só dia 28. No fim, o chefe fez o melhor para ele: o noivo, nos arranjos de seu trabalho, conseguiu ir no dia seguinte, para voltar no domingo: quatro dias namorando em Natal, depois três de congresso, e concluía com quatro dias curtindo sozinho a cidade. Me pergunto se há um grande grupo de chefes, para combinarem isso e parecer que eles têm um poder de premonição que nós não sabemos - e talvez nem as sibilas, cartomantes, cassandras e afins.

Cara, se cuida! Gosto muito de você, te desejo tudo de bom!

Havia lágrimas nos olhos de Goreti ao se despedir do Desembagador, ao fim do expediente. Seguiu borocoxó, com aquele ar de peso na consciência, falando pouco durante a ausência do colega. E se recusou terminantemente a comentar o porquê de ter desistido de ir para o congresso em tão vantajosas condições.

Hoje Goreti chegou atrasado - o que é incomum. Parecia bastante preocupado. Perguntou do Desembargador, dissemos que não chegara ainda. Até sua chegada, estava visivelmente perturbado e deu pra ver o alívio quando ouvimos nosso viajado colega, ainda antes de entrar na sala, falando para Bevilacqua:

Preciso te mostrar o retoque das minhas marquinhas!

Ao entrar, Goreti foi logo perguntando se ele estava bem.

Tudo ótimo! Que viagem maravilhosa! Agradeço pela oportunidade!

Não aconteceu nenhum imprevisto?

Na viagem? Ah, ontem foi complicado. Cheguei para pegar o avião e deu overbooking - eu e uma outra mulher que tinha participado do congresso. Ao invés de embarcar às sete da noite, só fui embarcar à meia noite. Por sorte, pagaram o táxi até minha casa, mas mesmo assim, fui dormir às três da manhã. A parte boa foi que nós dois ficamos esperando numa sala vip, com tudo liberado, até uísque double label! Bebemos, viu? Por isso essa cara de ressaca. Inclusive, uma pena que você não foi, porque acho que a moça que vim conversando, você iria adorála! Eu mesmo, se não fosse noivo e, principalmente, gay, teria me interessado - e ela está solteira! Pena que estávamos tão loucos que esquecemos de trocar qualquer contato.

Goreti ainda parecia incrédulo, e ao insistir se não tinha acontecido nada demais, fomos pra cima dele:

Abre o jogo, Goreti, que que houve que você desistiu da viagem e agora está aí, com cara de cão arrependido - insistiu Meireles.

Ele tentou tergiversar, mas abriu o jogo: havia ido numa cartomante (a cartomante é por minha conta, para dar um ar mais literário, quase um neo-Machado, ele falou taróloga e sexóloga, num terreiro de umbanda, mesmo), que havia tirado as cartas e dito que havia uma viagem programada para breve que lhe traria muita dor. Ele concluiu: só podia ser a viagem para Natal, e muito provavelmente seria a queda do avião! Por conta disso, tentou convencer o chefe a não mandar ninguém, ia se sentir culpado se o colega morresse.

Muita dor? - refletiu Desembagador - ah, sim! No primeiro domingo teve um episódio assim! Fui queimado por uma água viva, já no fim da tarde! Como doeu! Você nem imagina! Nem pude aproveitar a praia direito na segunda de manhã, antes do congresso. Vai ver era isso.

É, vai ver... - respondeu Goreti, murcho.

Eu, sinceramente, achei que faltou a Goreti o sincretismo de seu guru espiritual, e me pareceu que a grande dor dessa viagem foi por ter desistido dela. Os gregos antigos - Sófocles, por exemplo - já mostravam que não adianta lutar contra o destino.


22 de janeiro de 2024


PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

Efeito borboleta de um e-mail corporativo enviado equivocadamente [por Sérgio S., ex-Trezenhum. Humor sem graça.]

A história começa de um modo simples e despretensioso: um funcionário mandou e-mail em que perguntava se havia vaga em outro setor. Tudo certo, não fosse um erro: ao invés de mandar para a pessoa responsável, o e-mail foi para todos os funcionários. Isso também não é novidade: ao menos uma vez por mês recebemos um e-mail que era para alguém bem específico - infelizmente, até hoje nunca chegou algo picante, digno de embalar o horário do café. Também não é novidade vários colegas responderem reclamando do equívoco, que isso está enchendo a caixa de e-mails deles (como se tivessem 10mb de espaço), pedindo pra sair da lista (o que só é possível mediante pedir as contas), criticando quem não sabe usar e-mail.

Desconheço o colega que queria transferência de setor, mas a novidade foram as respostas que surgiram e os seus desdobramentos. Primeira novidade: o setor respondeu de pronto, mas para todo mundo também, solicitando o currículo. A seguir, vieram os clássicos de estarem enchendo a caixa de e-mails (e são esses os que mais enchem as caixas de e-mail), de  querer sair da lista de todos os funcionários e xingamentos a quem não sabe usar e-mail em pleno 2023.

No meio do caminho, nova novidade: alguém foi mais específico, e naquele tom de educadamente puto, respondeu “Por gentileza, encaminhar o e-mail somente ao interessado”. Pessoal gostou e resolveu repetir a frase, enchendo ainda mais a caixa dele e de seus colegas que se incomodam com mensagens do tipo. Virou praticamente uma hashtag nos e-mails institucionais - inclusive foi nessa hora que o nobre colega Macedo me avisou dessa treta interna. Talvez o colega que queria transferência tenha feito isso - eu, ao menos, não recebi seu currículo -, mas a discussão ganhou corpo e outros colegas aproveitaram o ensejo para mandar o currículo de conhecidos - e eu acho que fizeram para provocar os que só reclamam. Mais que isso: alguém puto com os emputecidos que enchem a caixa de e-mails alheios reclamando que estão enchendo suas caixas de e-mail mandou um e-mail para todos criticando quem critica quem comete esse tipo de equívoco e gerando nova contenda, em outra discussão por e-mail, que enche a caixa de e-mail de todos.

Voltando à discussão inicial. O funcionário do setor de compras, pelo visto uma pessoa bastante estressada e desgradável, que já tinha mandado dois e-mails reclamando que estavam enchendo a caixa de e-mails dele, apareceu mais uma vez, agora dizendo que aquele era um e-mail corporativo e não pessoal, e se fosse por esse caminho, logo estariam anunciando venda de veículos - o que nunca tinha acontecido até então, apesar de todo mês ter e-mail desse tipo, com respostas reclamando e blábláblá, como eu já disse acima. 

Contudo, a ideia do colega do setor de compras parece que encontrou eco. Se não chegou ao ponto de anunciar carros, o povo começou a anunciar de brigadeiro gurmê a casa na praia para o carnaval. Virou praticamente uma feira do rolo virtual interna, para desespero dos mal humorados, que seguiram se queixando, agora em meio a ofertas de produtos variados. 

De minha parte, minha queixa até agora é não ter aparecido nada que me apetecesse, mas avisei o nobre colega Goreti, que revende óleos essenciais e produtos de babosa.


16 de fevereiro de 2023

PS: Este é um texto ficcional, teoricamente de humor. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. A imagem também é ilustrativa.