sábado, 19 de fevereiro de 2011

De onde surgem os sapos?

Sempre me perguntei de onde surgem os sapos. Porque é uma chuvinha mais forte e pronto, já tem um, às vezes dois, pelo meu quintal, que nada tem de atrativo a sapos ou rãs (que também dão seu ar da graça). E minha casa não fica tão perto do rio que passa no fim da rua: uns trezentos metros ou mais. Teriam que ser muito velocistas – e fortes – para vencer tão rápidos tamanha distância contra a corrente – que é uma subida quase sem boca de lobo, e a enxurrada desce forte para um sapo, imagino. Marreco ainda vá lá, apesar de eu nunca ter visto marreco nestas cercanias, para um ter batido em minha janela às três da manhã. Mas essa é outra história.

Aprendi na escola que sapos nascem girinos. Mas depois de grandes como eles se movimentam sem serem vistos? Teletransporte? Patas batráquias divinas os transportam pelo além? Por mágica? Isso até serem pegos por um carro no asfalto. Pois hoje, estendendo roupa agora à noite, vejo algo se mexendo de uma fresta do cimento próxima à casa– e fazendo um barulho consideravelmente alto para o tamanho da abertura. Logo brotou um sapo do buraco – bluf! Não chovia para o sapo ter aparecido – talvez tivesse decidido tomar uma fresca. O barulho vindo do buraco seguia, vez ou outra. Talvez fosse dia de faxina, e ele tivesse sido posto pra fora enquanto isso, não sei. Se era, invejei-o: minha casa precisava também de uma faxina para além da de rotina, porém meu tempo anda escasso, minha vontade, nem a isso chega, e não há ninguém para me pôr para fora e fazê-la por mim.

Bem, resolvido de onde surgiam os sapos pelo meu quintal a qualquer chuvinha, pensei que poderia dormir melhor sem essa batráquia questão, mas me dei conta que havia outra: como foram parar ali? A distância, a subida, a correnteza seguem as mesmas. E há quanto tempo estariam por ali – se é que não era outro solitário como eu –, para eu só agora perceber?

E onde há marrecos por estas bandas para um ter batido na minha janela às três da matina?


Campinas, 19 de fevereiro de 2011.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Ultrarromantismo e aprovação

Em seu Doutor Pasavento, Vila-Matas conta a história de um escritor catalão que resolve fazer como Agatha Christie fez em 1926: sumir sem avisar. Porém, contrariamente à inglesa, passam-se os dias e ninguém dá pelo seu desaparecimento – a editora francesa ou o porteiro de seu prédio, já que os pais e a filha estão mortos, a ex-mulher o odeia, e sua fama não o faz merecer nota em jornal. Estranha conseguir desaparecer tão fácil, na rua Vaneau, em Paris. Seu próximo passo é conseguir desaparecer de si, encontrar sua própria Patagônia – conforme a descrição do escritor W. H. Hudson –, ou “sentir-me senhor de mim mesmo, sem a carga de um nome”, como se regozijava em suas viagens William Hazlitt – ser seu ídolo Robert Walser, no fundo: desaparecer sendo.

Reconheço que essa idéia de desaparecer me parece muito interessante. Há a vida e os medos, contudo, que fazem com que ela seja interessante apenas em idéia. E um dos medos é justo o de ser esquecido.

Esquecido, certamente serei. Como esquecerei boa parte das pessoas com quem conversei ou convivi um dia. A angústia vem de imaginar que certa pessoa possa me esquecer – me esquecerá, logo ela, tão importante para mim? E não adianta lutar contra o esquecimento, que conseguir arrumar um lugar na memória à força, se plantar como uma estátua na cidade, pode ajudar a não ser esquecido, mas é uma vitória de Pirro – melhor ser esquecido, isso abre chances para ser recordado. Porque as recordações pessoais, elas só tem o colorido que as tornam singulares – não necessariamente positivas – quando espontâneas.

Quinta-feira abro o e-mail e vejo uma mensagem com o título “Ultrarromantismo e aprovação”, de uma Julia que desconheço. Deve ser alguém que se lembrou de mandar material para a próxima Casuística, pensei – sendo que terceira edição, por problemas técnicos e enroscos acadêmicos, ainda sequer foi lançada. Pois não era. A tal da Julia eu conhecia, sim, apenas não me lembrava dela. Havia sido educanda num projeto de educação popular que participamos há quatro anos, e me escrevia para contar que passara em letras na USP – e que eu tinha sido, nos tempos idos, uma das pessoas que redespertara nela o interesse por literatura.

Fiquei feliz pela sua aprovação. Sei que nada ajudei com o vestibular, mas saber que tive lá minha pequena dose de incômodo que a fez escolher letras, a ponto dela se dar ao trabalho de me avisar do seu sucesso, me deixou muito contente. Tentei contar desse meu contentamento na minha resposta a ela, não consegui. Como agora.


Campinas, 13 de fevereiro de 2011.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Utilidades básicas de um celular

Não é novidade para mim que um aparelho novo não é um facilitador da vida apenas, mas um transformador da percepção, da relação do indivíduo com o mundo e, em larga escala, do próprio mundo. Mesmo assim, insisto em me surpreender quando me dou conta dessas banalidades.

Começo com um exemplo tirado dos livros. Conforme McLuhan, o estribo, introduzido na Europa na Idade Média, foi responsável primeiro por maior firmeza sobre o cavalo e, a partir disso, permitiu em combate um tranco muito maior contra o adversário que não se utilizava da pecinha. Quando ambos a utilizavam, a alternativa era se guarnecer. Surge daí a figura do cavaleiro, cujos altos custos de construção da armadura fizeram com que só a nobreza tivesse condições de se dedicar à arte da cavalaria, e apenas parte o fizesse, o que trouxe conseqüências muitas para o correr dos secúlos subseqüentes.

Enfim, pouco entendo de Idade Média e de cavalos, e antes de me enroscar, melhor vir logo para a cidade e os tempos atuais – ainda que cavalos possam ser vistos pela Av. Paulista, sempre com estribos, eventualmente com símbolos medievais.

Ter um carro não significa apenas se mover com mais rapidez e agilidade pela malha urbana. Significa uma outra relação o tempo: o número e a forma de organizar compromissos é alterado de maneira considerável. Significa ver a cidade de outra forma. De início conheci São Paulo por carro apenas, apresentada por meu tio. Desde 2008 resolvi me perder pelas ruas do seu centro e conhecê-la à pé. De uma cidade feia, hostil e que me assustava, ela se tornou uma cidade habitável e bonita, ainda que siga feia, problemática, caótica, às vezes até hostil – não o suficiente para que agora eu não deseje morar nela.

Enquanto me enrolo para trocar de ares, já que Fuvest não ajuda, amigo meu que também resolveu mudar para a capital avisou que um celular ajuda muito na hora de procurar apartamento. Acreditei nele, não via porque deveria desacreditá-lo: não é dos chatos que ficam tentando me convencer que celular é como se fosse um umbigo pós-moderno. Como sobrava um na casa de meus pais, resolvi trazê-lo, ainda que, sinceramente, não soubesse no que ajudaria – isso ele não explicou, por ser muito óbvio. A utilidade mais plausível que consegui imaginar foi a facilidade de um corretor me encontrar.

Pois semana passada, saindo da Unicamp, vejo um rapaz que pára defronte a kitnets com placa para alugar. Do bolso saca o celular. Agil com os dedos, liga rapidamente para a imobiliária e pede informações. Caramba! Então é assim que o celular ajuda?!


Campinas, 08 de fevereiro de 2011.


(na foto, cavalos e vaquinhas, todos com estribo, na Av. Paulista, no dia mundial sem carro de 2010, sobre o qual faço alguns comentários no texto "Dia da piada do dia sem carro", que vem sem esta ilustrativa foto, por eu não ter máquina digital e demorar para revelar os filmes).