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sábado, 19 de março de 2016

Sexta-feira: o contra-golpe está na rua, a mentira está no ar.

Meu irmão logo cedo me mandou o editorial da Folha, "Protagonismo perigoso". Achava que pelo menos um dos veículos do golpe de estado tinha se dado conta que Sérgio Moro havia exagerado no seu ímpeto e estava preocupada. Não compartilhei do seu otimismo: a Folha foi apoiadora do golpe civil-militar de 64 e servil aos ditadores do período até o momento em que sentiu que o regime começava a fazer água, quando tratou de pular fora - com isso conseguiu construir sua fama de jornal liberal, progressista e plural, quase de centro-esquerda, que se desfez como diarréia no Tietê ao longo do século XXI -; ou seja, golpista mas antes de tudo oportunista, li o editorial do jornalecão dos Frias como um aviso de "golpistas, volver", ao menos "esperar" - vai que o golpe não vingue e o governo do PT corte sua publicidade em retaliação por seu golpismo. Desconfiei que já vislumbravam um grande ato na sexta, que entornaria ainda mais o caldo para os representados por Sérgio Moro (que não é advogado mas age como, com o adendo de emitir o veridicto sobre a própria matéria que defende).
Sobre o ato de sexta, em defesa da democracia. O filósofo e urbanista francês Paul Virilio comenta que o verdadeiro poder está na rua, quem detém o poder da rua é quem deter o poder de fato - daí o "sistema", o "Poder" trabalhar sempre pelo esvaziamento das ruas através de suas inovações tecnológicas, do urbanismo haussmanniano aos condomínios fechados, dos carros aos shoppings centers, passando pela televisão e pela internet. Isso ajuda a explicar também a diferença de tratamento da polícia militar sob o comando do governador Geraldo Alckmin nas manifestações pelo passe livre ou do MTST e nas contra o PT - um questiona o status quo que o tucano representa e defende com lealdade protestante, sendo encarado como inimigo pela polícia militar, a ser dispersado com violência. Por isso também a tentativa da extrema-direita, inflamada pela Rede Globo e pelo juiz Sérgio Moro, de calar toda e qualquer dissidência, agredir qualquer camiseta vermelha que apareça na frente: mostrar quem domina a rua, quem detem o poder e tentar forjar, na base do silêncio-amedrontado, uma unidade que justifique o discurso de "todo o Brasil é contra o PT", "todos os brasileiros são a favor do impeachment" repetido à exaustão por Globo e pelos políticos golpistas. Levar cem mil pessoas - como inventou o DataFolha - à avenida Paulista foi, como disse Sakamoto [http://j.mp/1TXUADz], um momento de empoderamento da esqueda e dos democratas de todos os matizes e, se não intimida, ao menos deixa claro à extrema-direita que não há uma avenida aberta para eles passarem rumo ao golpe.
Ainda sobre a manifestação de sexta. Jean Wyllys escreveu em seu Fakebook um texto em que explica o óbvio a quem não consegue mais pensar: a transmissão calhorda da Rede Globo às manifestações, ainda mais se comparado à cobertura das manifestações de domingo ou de quarta: não teve entrevista dos presentes, não teve a cobertura integral por parte de nenhum de seus veículos (se tivesse futebol, aposto que não deixariam de transmiti-lo), não teve a fala do Lula ao vivo e sem cortes, pelo contrário, foi um repórter que contou o que o ex-presidente falou. Como questiona o deputado: "passamos dois dias inteiros assistindo sem parar pela televisão, em repetição continuada como no velho cinema, às conversas privadas do ex-presidente (uma espécie de Big Brother involuntário do qual ele não sabia que estava participando) e agora não temos direito, como audiência, público e cidadania, a ouvir o que ele diz num comício com cerca de cem mil pessoas na avenida Paulista? Não é notícia? Qual é o medo? Deixem as pessoas assistirem tudo e tirarem suas conclusões sozinhas!" ("Cadê o Jornalismo?" [http://j.mp/1RbZaIq], recomendo muito!). A Globo não é maluca de divulgar a íntegra da fala de Lula ou de Haddad, ela precisa insistir na visão simplista e maniqueísta de que existem apenas dois lado: o do PT ou o do impeachment. Não por acaso, a Grande Imprensa na maioria dos casos tem falado em "atos em favor de Lula e da presidenta Dilma", quando na verdade foram atos em favor da democracia, em favor das garantias democráticas - de privacidade e de respeito à vontade da maioria. A fala de Lula - assim como a de Haddad - mostraria aos globoespectadores que é possível se posicionar contra o governo sem aderir ao projeto golpista (no grupo de discussão do partido Raiz há um sem número de pessoas que se dizem decepcionadas pelo governismo da maioria dos que apóiam o novo partido). Talvez uma das tarefas mais importantes dos defensores da democracia seja reforçar o discurso de que há mais do que dois lados, de que não coadunar com o golpe (via impeachment ou via TSE) não é aprovar o governo, não é dar carta branca a Dilma: é aprovar o regime democrático, é saber que em 2018 outro governante estará no Palácio do Planalto, conforme a escolha sua e da maioria.

Me estendo sobre a má-fé na cobertura da manifestação de sexta, acerca de algo que ainda não vi nenhum comentário: a comparação entre os atos do dia 18 e as manifestações do domingo. É um cotejar impudente: são os atos do dia 31 de março que devem ser comparados aos do dia 13: para ambos houve tempo para organizar e mobilizar seus partidários - o do dia 13 ainda com propaganda em horário nobre (com sabe-se lá que dinheiro) e transmissão completa pela Grande Imprensa. Dia 18 deve ser comparado aos atos de quarta, dia 16, quando as pessoas foram às ruas pedir o impeachment de Dilma, com base na sua conversa com Lula. Os atos desta sexta foram organizados às pressas, em resposta à tentativa de golpe, como um primeiro combate: os 100 mil da Paulista (que foram muito mais) devem ser comparados, portanto, aos cinco mil (5.000) de quarta, também mobilizados às pressas [http://j.mp/1SaGF9V]. Me repito: o ato na Paulista a favor da democracia foi vinte (20) vezes maior que o da Globo, o dos apoiadores do impeachment. 
Sem força suficiente nas ruas, os golpistas trabalham duro para dominar o discurso sobre este momento, no intuito de enfraquecer os legalistas e inflar os abarbados fascistóides golpistas com uma massa de cidadãos atolados de boa-fé.

19 de março de 2016

PS: para não me alongar aqui e para dormir, escrevo sobre a decisão de Gilmar Mendes amanhã

João Pessoa (PB), com população equivalente a dois distritos de São Paulo, levou 4 vezes mais manifestantes a favor da democracia que a Globo levou à Paulista contra, na quarta.


Relato da manifestação de sexta (sem maiores pretensões)

Meu plano era ir do início da Paulista até seu fim. Chego à manifestação de sexta às 18h. Até a avenida Brigadeiro Luís Antônio trata-se de uma sexta-feira normal. É a partir da avenida que a CET faz o bloqueio e a manifestação acontece. Logo na esquina da Paulista com a Brigadeiro, três manifestantes apontam a três policiais militares uma janela com a bandeira do Brasil, no alto do edifício Nações Unidas: "foi daquela da bandeira, tenho certeza!", diz um dos manifestantes aos policiais que olham com pouca vontade - afinal, o que é uma tentativa de homicídio que não passou de uma tentativa?, ainda se o objeto atirado tivesse acertado a cabeça de um daqueles comunistas. É o que temo para manifestação, violência dos que se acham do lado do bem contra nós, que nos achamos do lado da democracia liberal burguesa - com tudo o que ela tem de mal. Por garantia, não visto vermelho, mas a camisa do Paraná Clube - até para mostrar que não sou bairrista. Na quadra seguinte é que a aglomeração começa de verdade - e é curioso que o próprio ar da avenida parece mudar radicalmente. Batucadas, gritos de "não vai ter golpe", carros de som, pessoas de vermelho, bandeiras do PT, bandeiras da Dilma, bandeiras da CUT, bandeiras do Brasil. Desisto de chegar ao fim da Paulista na alameda Casa Branca: levo cerca de vinte minutos para atravessar a rua, quase uma hora para avançar uma quadra, tamanha a aglomeração de pessoas próximas ao carro de som onde discursavam políticos e lideranças diversas, e onde poderia acontecer o discurso do ex-presidente Lula. Algumas das falas denunciam o golpe, convocam a manter a mobilização; outros, veladamente cobram o governo federal de abandonar a adesão ao projeto vencido nas eleições de 2014-2016 (levando em conta que a oposição conseguiu forçar um terceiro turno e a gestão Dilma ainda não pôde começar de fato); Haddad faz um discurso ressaltando que não se trata de defesa de um governo ou de um partido, mas da democracia. O público presente vibra com o prefeito, como se as pesquisas de opinião não dissessem que ele é muito impopular. A DataFolha fala em cem mil pessoas, diante de 350 mil no domingo, apesar das fotos - uma ainda do início da manifestação de sexta, outra do ápice da de domingo - não apontarem tamanha diferença de concentração de pessoas - vai ver o DataFolha adota as idéias liberais de Stuart Mill, que dá maior peso ao voto das pessoas de posses, de modo que um manifestante do Jardim Europa vale por três do Jardim Ângela. Enquanto atravesso a rua, é anunciado que Lula comparecerá, sim, à manifestação - o público vibra. Vibrará mais em pouco tempo, quando o ex-metalúrgico subir no palanque. Lula não fala em conflito, mas em respeito - respeito à democracia, ao Estado de Direito, às últimas eleições, ao adversário político. Ele parece crer também que boa parte dos que vociferam junto com a rede Globo contra a corrupção do PT são apenas parvos, e não neofascistóides. Eu torço para que as ações do governo não sejam tão conciliadores - o momento de tensão não convida a instigar ainda mais a população, entretanto nas instâncias legais é preciso fazer valer os seus direitos e os da população que participou da grande farsa da democracia em 2014. Encontro alguns conhecidos ao fim da manifestação, a sensação geral é de certo alívio: não estamos sozinhos, e temos muita força para resistir à "morosidade" da justiça. Em 2016 o golpe não vai ser tranqüilo como foi em 1964.

19 de março de 2016


quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Arte na rua num início de noite

Início da noite, caminho pela Paulista. Pessoas nas calçadas, carros na rua - muitas, muitos. Reparo em dois edifícios sendo terminados, erguidos na imponência de suas altas paredes de vidro, vazias de histórias e de significados - que não a marca da força grana que ergue e destrói coisas belas. Eis São Paulo, na poesia melancólica de suas ruínas, soterradas por quem tem mais. Passo por encoletados que pedem um minuto da atenção, oferecimentos de ingressos para teatro, santinhos de políticos e conselhos espirituais, por pedintes, vendedores de artesanatos e de milho verde, por artistas de rua diversos. Três deles tocam quase na esquina com a Brigadeiro Luiz Antônio. Bateria, teclado e violino. Tocam algo meio trilha sonora de filme, quase um Kenny G (sim, foi um juízo de valor) sem saxofone, menos grudento e mais melancólico. Poucas pessoas param para ouvi-los - três, para ser mais exato. Um deles, mais distanciado, tem no rosto as marcas da força da gravidade, de uma vida sem cosméticos. Traz entre os dedos um cigarro aceso, quase no final. Dedos grossos apontam uma vida de adversidade. Está sentado sobre sua carroça de recolher material reciclável, observa a banda com o olhar ausente, concentrado e distraído ao mesmo tempo, a música a pô-lo em algum outro registro de tempo - ou de espaço. Eu sigo a passos rápidos. Atravesso a rua.

São Paulo, 25 de setembro de 2014.

quarta-feira, 26 de junho de 2013

A rua – local político

São sete e meia da noite de uma terça-feira qualquer. Não chove mais, faz frio. Na Paulista, em direção ao seu início, umas vinte pessoas ocupam uma pista da avenida com um protesto pelo “Padrão Fifa na educação”. Entendo o motivo da manifestação: educação, não resta dúvida, é importante – e não apenas porque agora viveríamos numa pretensa sociedade do conhecimento, como apregoam na mídia. Entendo também o slogan do “padrão Fifa”. Desconfio, contudo, que a profundidade dos manifestantes sobre o assunto seja a mesma do slogan: o que seria o tal padrão Fifa? Aulas iguais para todos os alunos de todo o território nacional, seguindo os parâmetros curriculares da Suíça? Uma educação pasteurizada, sem qualquer identidade, destruidora de identidades, mas com alguns recursos a mais? Os alunos ficarem mais tempo na escola, como não fazem na Finlândia? É preciso uma discussão ampla sobre o papel e os objetivos da educação, para então discutir os métodos. Claro, começar com um aumento nos investimentos, principalmente no salário dos professores, é um imprescindível começo. Porém, mais sensato seria defender o “padrão Felipão” de salário para professores da rede pública de ensino básico. Contudo, como cartaz divulgado: “os protestos não são contra a seleção, são contra a corrupção”. E seleção brasileira, CBD, toda nossa cartolagem, com Marins, Teixeiras, Petraglias, Sánchez, são exemplos notórios de pessoas ilibadas.

Na mesma hora, na mesma avenida, mas na direção contrária, um grupo um pouco maior – uma sessenta pessoas? – atravanca a avenida e o obriga o trânsito a ser desviado. De início o protesto é contra o pastor Feliciano. Talvez por não estar angariando o apoio esperado, resolvem mudar o grito para “Vem para a rua, vem, contra o governo”. A nova jabuticaba tupiniquim, os “sem-partido com partido”, que prega a união nacional sem fissuras e sem divergências. Recém havia trocado mensagens com uma amiga, sobre a manifestação de sexta contra o político do PSC, e meu receio (na verdade, escaldo) em participar dela era ir para uma manifestação e acabar engrossando outra, diferente, quando não de bandeiras opostas às que defendo ou simpatizo.

No vão do MASP, outra manifestação: não caminha, tem mais vulto, tem discurso. Se bem entendo, é dos movimentos sociais – não sei se diretamente ligados, mas o discurso pegava carona nos protestos feitos pela manhã, em três locais da periferia de São Paulo. A moça que tem a palavra fala do descaso da mídia para com as manifestações organizadas das pessoas marginalizadas – mesmo depois do abraço da Grande Imprensa ao protestos da semana passada. Tenho a impressão de que conheço a moça, do DCE-Unicamp-Psol e eleições campineiras. Mesmo que não seja, me bate uma tristeza ver que estou quase defendendo uma turma abertamente corrupta (frauda eleições estudantis para manter um naco ridículo de poder, por exemplo [http://j.mp/137E1uP]), por sentir necessidade de me opor ao movimento fascistóide que tomou a Paulista, dia 20.

Por falar em corrupção, se a direita soube se aproveitar da movimentação levantada pela esquerda, essa não soube pôr suas bandeiras nas vagas indignações daquela: sejamos todos contra a corrupção: além de prisão para os corruptos, por que não expropriação das empresas corruptoras em favor dos seus empregados? Um ano e o Brasil se tornava uma república proletária como nunca visto antes no mundo.

“Essa meia dúzia de gato pingado dava pra ter feito o protesto na Santos, não precisava ser na Paulista”, ouço dois transeuntes conversando. Um mês atrás aposto que essa frase seria sensivelmente diferente. Até agora, me parece que o principal legado dos atos agitados pelo Movimento Passe Livre em São Paulo tenha sido o de quebrar com a noção de ordem que prevalecia na opinião geral, muito próxima da ordem ditatorial: trancar rua e atrapalhar trânsito com protesto era coisa de baderneiros, caso de polícia e porrada; agora, apesar de incomodar, é aceito como legítimo, não merece mais esse tipo de desqualificação e tratamento. A rua – em São Paulo, a avenida Paulista – passou a ser aceita como um espaço de disputa política. Mais: a política passou a ser aceita – talvez mostrando esgotamento não do Lulismo, antes da tecnocracia posta pelo tucanato, seguida pelo petismo, defendida pela Grande Mídia. Se manifestar no mundo real, fora do Fakebook, passou a ser aceito como parte do jogo político – seja para se opor ou para defender a ordem, ainda que os gritos sejam sempre de “contra”. Claro, há quem se oponha ao diferente, mas eles são minoria (ainda que muito bem organizados).

Ponto positivo nas ocupações deste dia vinte e cinco: contrariamente ao ato do dia 20, as diversas manifestações que presenciei se organizaram por conta (não pegaram carona em uma maior), gritavam suas reivindicações e não tentavam calar as demais. Havia, portanto, espírito democrático nelas. Ao mesmo tempo, me ponho a questão: quanto tempo vão durar essas manifestações etéreas, organizadas e com a participação de pessoas que não tinham o hábito da rua como local político – e, creio eu, nem da política em local algum, fora da cabine de votação, no máximo dos comentários em blogues? E, principalmente, me pergunto quanto tempo vai durar essa percepção de manifestações de rua como legítimas em uma democracia. Se perdurar tal visão, será um passo importante para, quem sabe um dia, deixemos de ser uma mera democracia pro-forma, tal qual hoje.

São Paulo, 26 de junho de 2013.