sábado, 18 de outubro de 2003

Dois pesos duas medidas

No auge da crise da Venezuela, ano passado, os Estados Unidos e a imprensa brasileira não cansou de chamar de Hugo Chavez de autoritário, ainda mais quando ele ameaçou emissoras de tv que divulgavam notícias falsas contrárias ao governo.
Nova crise na América do Sul, desta vez na Bolívia, a população nas ruas protestando, o governo manda o exército conter as manifestações. Desta vez não foram uma ou duas mortes causadas não se sabe se por partidários ou opositores do governo, mas mais de 70 causadas pelo governo. Qual a reação que vemos nos jornais? Uma cobertura exemplar na sua "imparcialidade", onde
os mortos são números e nada mais que isso, onde governo de Sánchez de Lozada nem parece ser aquele contra o qual clamava a multidão. Um primor jornalístico enfim.
Mas uma notícia me chamou ainda mais a atenção, foi uma nota não muito aprofundada na Folha de São Paulo: "Uma das únicas redes de tv da Bolívia a destacar a cobertura dos conflitos civis no país foi tirada do ar na noite de ontem. Em comunicado, a porta voz da RDP afirmou que a rede fora tirada do ar pelo governo do presidente Goinzalo Sánchez de Lozada". Reação dos Estados Unidos a esse atentado contra a liberdade de imprensa? Nenhuma. Algum editorial condenando o ataque à democracia por parte da Folha de São Paulo? Nem perto.
Nada como a imparcialidade: se se trata de um presidente de esquerda, é autoritário por ameaçar uma emissora de tv. Se é de direita, pode fechar emissoras de tv, perseguir radialistas, que se trata da justa luta para manter a ordem.
E tem gente que ainda acredita cegamente nas mentiras que os jornais todos os dias inventam...

Campinas, 18 de outubro de 2003

quarta-feira, 8 de outubro de 2003

Questão ambiental é assunto de segunda categoria

O governo Lula tem sabido usar a máquina para aumentar sua base no congresso. Tem feito isso muito bem, inchou partidos aliados, reduziu o PFL e o PSDB a pouco mais de 120 deputados e tem, portanto, caminho livre para conduzir a reforma que quiser, do jeito que quiser.
Não é apenas no congresso que o PT tem mostrado seu poder de atrair as massas. Vem aí um programa de filiação que pretende aumentar dos atuais 500 mil para um milhão o número de filiados ao partido. Mas será que esse aumento quantitativo será feito de forma a manter a qualidade dos quadros do partido?
Não é o que parece. O PT ameaça perder, e muito, em qualidade. Ainda consegue manter seus filiados "de qualidade" porque estes têm um que sentimental com o partido (muito deles ajudaram a fundá-lo). São os diversos intelectuais e os chamados radicais que tem criticado abertamente e ferozmente a forma como Lula e companhia tem governado o país. Os radicais ainda ganham espaço na mídia, alguns intelectuais também, apesar do seu barulho estar mais restrito ao seu meio. E existem aqueles que, sem tanto sentimento pelo PT, simplesmente deixam o partido, sem fazer muito alarde. É o caso do deputado Fernando Gabeira.
Ao invés de sair falando mal do governo e depois ter que agüentar a reprimenda da direção do partido, e quem sabe ser expulso (como seria bem provável), Gabeira preferiu sair do partido ao mesmo tempo que abria a boca. Ruim para o PT, que perde importante figura do movimente ambientalista nacional, e cujo presidente do partido tenta reverter a situação. Os argumentos de Gabeira? Condizentes como as críticas que costumam sair do próprio PT: critica ele o governo por assumir posições contrárias ou que não haviam sido explicitadas no seu plano de governo (que Gabeira, por sinal, ajudou a elaborar), como a liberação dos transgênicos, a retomada do projeto nuclear, a demora na demarcação de terras indígenas, a suspensão da proibição de propaganda de cigarros no GP do Brasil de Fórmula 1, entre outras questões.
Exagero quando digo que o PT tem perdido em qualidade? Gabeira dá um bom exemplo que aquilo que fica no PT não é tão bom assim: na invasão do Parque Nacional do Iguaçu, no Paraná - considerado patrimônio da humanidade pela Unesco, uma das poucas áreas com mata atlântica preservada -, pela reabertura da Estrada do Colono, não houve voz no governo que condenasse o
apoio de deputados e prefeitos petistas à invasão.
Ou seja, não criticando a política do Palocci, pode defender o que quiser.

Campinas, 08 de outubro de 2003

sexta-feira, 3 de outubro de 2003

Unicamp S.A.

Saiu no Jornal da Unicamp: os alunos passarão a usar um cartão magnético no lugar do tradicional cartão de RA (registro acadêmico). O jornal colocou, inclusive uma foto do "Cartão Universitário Inteligente": logomarca da Unicamp, foto do aluno, nome do aluno, logomarca do Banespa e da Visa. É a privatização da universidade pública saindo das bordas e chegando no recheio.
Alguns professores já haviam comentado com os alunos as novas diretrizes da Unicamp, quanto ao relacionamento dos professores com os clientes. CLIENTES! Agora estudante da Unicamp é cliente. Será que os professores também vão ter de ficar sempre com sorriso de atendente de McDonald's? Já não bastavam os cursos de extensão pagos (como de línguas e de esportes) e o projeto "Unicamp pernas abertas", como os alunos carinhosamente chamavam ao grande feirão que a Unicamp tem se transformado, com quiosque itinerante do banco Real, que caminha pela universidade vendendo conta bancária, e com revenda de carros no pátio da universidade.
Mas voltemos ao cartão. O "objetivo da troca [dos tradicionais cartões pelos magnéticos] é a facilitar o cotidiano de estudantes e funcionários". Afinal, o cartão, além de identificação servirá como cartão de débito e futuramente pode servir como cartão de crédito. Quem sabe não se possa pagar as mensalidades com ele? Além disso o cartão ajudará no controle dos alunos e funcionários (clientes?), ressalta o jornal. Ótimo. Primeiro repassam os dados dos clientes para um banco privado (tem gente que ainda acredita que o Banespa seja estadual), depois controlam (a palavra controle foi usada cinco vezes num texto de uma página) toda sua vida dentro do campus (se comeu no Bandejão, que livros tirou na biblioteca, quais xerox tirou) e fora dele (o que comprou no mercado, quanto gastou em passagens, etc). Coisa pra fazer inveja a 1984.
O custo, de R$ 2 milhões foi pago pelo Santander-Banespa, e não será repassado para a Unicamp ou para os alunos num prazo de cinco anos (depois disso, sabe-se lá o que diz o acordo firmado, algo que o jornal não traz à tona; pode ser que passe a cobrar taxa de manutenção ou qualquer coisa do gênero).
O jornal comenta que o cartão já foi implantado na Unesp e na Unisinos. Mas esquece que na Unesp de Araraquara (pelo menos é o que corre na boca dos alunos), os alunos tomaram o Bandejão por uma semana, auto-gerindo-o, em protesto contra o implantação do dito cartão.
Vamos ver se os alunos da Unicamp vão preferir continuar sendo alunos ou vão preferir ser clientes.

Campinas, 03 de outubro de 2003