Três da tarde. Em um
dos calçadões do centro de São Paulo, sob um céu plúmbeo
escondido pela marquise de uma loja fechada pela crise, enrolado em um cobertor
cinza, dorme uma pessoa. Perto dela está parado um homem, moreno,
negro - tenho dificuldade com nossa sutil paleta de cores humanas,
útil para disfarçar nosso preconceito racial. Ao desviar a vista deles e
olhar para meu caminho, me assusto ao me deparar com três militares vindo
em minha direção. Rapidamente noto meu engano. Ao notar os três
PMs se aproximando, o homem se vira e põe as mãos na parede - o outro seguirá dormindo até o momento que acompanho a cena. Não
sei o que se passa dentro dele, mas a cena é um conformismo
pavloviano: o cão que sempre apanhava depois do sino, passado um
tempo começa a chorar só de ouvir o sino; passado outro tempo, não chora mais
nem quando apanha. Um dos PMs já tirou a arma do coldre, carrega-a
na mão. A subserviência daquela pessoa de nada serve: os policiais
militares são rudes (afinal, olha a cor, olha a roupa, olha os
modos): as mãos são cabeça, não na parede. Fica evidente que não
há ali respeito à lei: o homem não teme um processo, a prisão, a
pena por algum crime; o que teme é a arma na mão daquele que se diz
garantidor da lei e da ordem: ele sabe, por ser preto pobre
periférico, que se não baixar a cabeça e se mostrar temeroso e
servil pode apanhar (como o aluno na escola pública de Alagoas
[http://bit.ly/2rIEJhU]), ser preso por desacato (quem sabe por
tráfico, se for muito arrogante [http://bit.ly/2sPcEEP]), ou morrer
num auto de resistência, mesmo que nunca tenha encostado em uma arma
de fogo e em um baseado. A exemplo de tantas abordagens dos militares a pessoas
negras, humildes e periféricas que tenho presenciado ultimamente,
provavelmente nada encontrarão com aquela pessoa, que será
dispensada depois de toda a humilhação, mas a abordagem contará
pontos no índice de produtividade dos PMs, no seu duro combate ao crime. Pouco
adiante, vejo outra cena corriqueira: um homem corre
atrás de outro gritando "pega ladrão". Não pegaram: a PM
estava ocupada combatendo os pobres.
06 de junho de 2017